Presidente da Academia de Ciências quer que Marcelo reabra discussão do AO

Artur Anselmo acha que há “coisas incompreensíveis e inaceitáveis” no Acordo Ortográfico e lembra a um presidente de “afectos” que não “não há afecto mais forte do que o da língua”.

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Nuno Ferreira Santos

O Acordo Ortográfico (AO) de 1990 “é um problema científico e não político”, disse ao PÚBLICO o presidente da Academia de Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, que gostaria de ver Marcelo Rebelo de Sousa tomar a iniciativa de ouvir os especialistas e contribuir para “despiorar” um acordo com “coisas incompreensíveis e inaceitáveis, que o senso comum não aceita, e que têm de ser corrigidas”.

O sucessor de Cavaco Silva tem mantido uma posição ambígua sobre o assunto, mas escreveu um artigo de opinião para o Expresso, já depois de ter sido eleito, com a ortografia anterior ao AO, e o livro do fotógrafo Rui Ochôa sobre a sua campanha presidencial, que ele próprio prefaciou, chama-se Afectos, com “c”, e está igualmente escrito na ortografia pré-acordo.

Estes indícios de que Marcelo Rebelo de Sousa não pretenderá respeitar o AO nas suas novas funções têm gerado polémica nas redes sociais, e o jornal i a fez esta terça-feira manchete com o assunto, ouvindo vozes a favor e contra o acordo. Artur Anselmo sugeriu que “nunca é tarde para corrigir situações que chocam a mentalidade das pessoas”; Pedro Mexia, que Marcelo escolheu para seu assessor cultural, reconheceu que há “a expectativa” de que a discussão possa vir a ser reaberta, mas notou que não há indicação de que Marcelo pretenda assumir qualquer iniciativa presidencial nessa matéria; e o “pai” do AO, Malaca Casteleiro, defendeu que o Presidente da República (PR) é obrigado por lei a aplicar a nova ortografia nos documentos oficiais.

O i chamava ainda a atenção para o facto de Marcelo estar rodeado de conselheiros que já se opuseram publicamente ao AO, como o já referido Pedro Mexia, mas também Eduardo Lourenço ou António Lobo Xavier. Uma categoria na qual, em boa verdade, caberia o próprio Marcelo, que em Abril de 1991 foi, com Sophia de Mello Breyner Andresen, Vitorino Magalhães Godinho ou António Lobo Antunes, uma das 400 personalidades que assinaram um manifesto contra o Acordo Ortográfico.

Responsabilizando “um membro do Governo” por ter ido desenterrar, em 2010, um AO que estava há 20 anos no limbo, farpa presumivelmente destinada a José António Pinto Ribeiro, ministro da Cultura de José Sócrates, Artur Anselmo também lamenta que nessas mesmas duas décadas “ninguém tenha feito nada para melhorar este acordo”.

Garantindo que a Academia a que preside “respeita a inteligência e a diversidade de opiniões dos académicos” e não irá tomar uma posição oficial contra ou a favor do AO, Artur Anselmo defende, todavia, que isso não deve impedir a instituição de tentar “despiorar” o acordo, “carreando elementos para os responsáveis políticos poderem tomar decisões fundamentadas”.

Considerando que Marcelo Rebelo de Sousa “é muito hábil e ninguém lhe dá lições”, o presidente da Academia das Ciências diz que não pretende dar-lhe conselhos, mas apenas dizer que se o PR “quiser ouvir as pessoas, não há nisso nenhum inconveniente, nem nenhum impedimento legal”.

Se muitos adversários do AO vêem nele um gesto de submissão ao Brasil, para Artur Anselmo o acordo acaba por desrespeitar “a autonomia cultural” dos vários países onde se fala português. “O Brasil, Angola ou Moçambique já não são colónias portuguesas, e temos de ter respeito pelas diferentes ortografias nacionais”, defende, argumentando que “cada país tem a sua norma e é completamente utópico pensar que essas normas possam vir a ser utilizadas indiferentemente de país para país”.

Com família materna brasileira, Artur Anselmo diz que adora o Brasil, mas que tanto os portugueses como os brasileiros “têm direito a ter a sua norma”, lembra que “a sintaxe brasileira está cada vez mais afastada da portuguesa” e vê no propósito da unificação “uma balela e uma utopia”. E comentando que deve ter sido “dos poucos portugueses que rejubilou” quando Cabo Verde instituiu o crioulo como língua nacional – “que maravilha, a nossa língua ter dado origem a outra língua” –, o presidente da Academia das Ciências conclui: “Saúdo o direito à diferença, que é um direito inalienável, irrestrito e que tem de ser respeitado”.

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