Estado já gastou pelo menos cinco milhões em assessoria no caso dos swaps

Só a Metro do Porto despendeu 2,9 milhões com advogados britânicos, mas as verbas pagas pelas restantes empresas, que não foram divulgadas, vão fazer os custos disparar ainda mais. Contratações partiram de Maria Luís Albuquerque.

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Empresas garantem que foi da Secretaria de Estado do Tesouro, tutelada na altura por Maria Luís Albuquerque, que partiram as decisões dos ajustes directos Daniel Rocha

Advogados, assessores financeiros, peritos em macroeconomia. O manancial de consultores contratados, desde 2012, para gerir o caso dos swaps já representou um encargo superior a cinco milhões de euros para os cofres públicos. Uma parte significativa desta despesa foi realizada para defender as transportadoras públicas no processo movido pelo Santander em Londres, que o banco acabou por ganhar, impondo ao Estado um custo que está calculado em 1,8 mil milhões de euros. As empresas garantem que as orientações para estes ajustes directos partiram da Secretaria de Estado do Tesouro, na altura liderada por Maria Luís Albuquerque.

A polémica em redor dos swaps, instrumentos financeiros de cobertura do risco de subida das taxas de juro nos empréstimos, só estalou no início de 2013, quando o Governo PSD-CDS foi forçado a uma remodelação para afastar dois secretários de Estado que tinham estado envolvidos na negociação de alguns destes contratos. No entanto, foi ainda em Outubro do ano anterior que surgiu a primeira adjudicação, divulgada na plataforma de contratação pública (Portal Base): a britânica Stormharbour foi escolhida pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) para avaliar e propor soluções para os derivados das empresas públicas. Valor: 497 mil euros.

Quatro meses depois, o Estado, através da agência hoje presidida por Cristina Casalinho, começou a fazer novos ajustes directos ao escritório de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados para estudar uma estratégia de negociação ou de litígio com os bancos que tinham vendido os swaps. Em Janeiro e Fevereiro de 2013, surgiam, assim, duas adjudicações no valor de 10.000 e 49.300 euros, respectivamente, a um rácio de 150 euros por hora.

Este último contrato é particularmente relevante, uma vez que confirma que os alarmes dentro do Governo soaram quando as empresas públicas foram confrontadas com ameaças por parte de instituições financeiras que pretendiam cancelar unilateralmente os derivados. Na cláusula número um, determinava-se que a sociedade de advogados iria “assessorar o IGCP na delineação da estratégia jurídica/negocial a adoptar na sequência do exercício de cláusulas de ‘call’ por uma contraparte bancária”. A acontecer, este cancelamento unilateral implicaria riscos imediatos, obrigando as empresas a pagar na hora as elevadas perdas que os swaps acumulavam.

A Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados viria a ser novamente contratada, desta vez pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) em Setembro de 2013, com o mesmo propósito: apoio jurídico “relativamente à negociação, aconselhamento e contestação de operações de derivados financeiros complexos celebrados por empresas públicas”. No contrato, no valor de 340 mil euros, também é referido que “os bancos ameaçaram accionar cláusulas de vencimento antecipado dos contratos que poderiam ter impacto noutros financiamentos do Estado e desencadear incumprimentos em cadeia com impactos orçamentais imprevisíveis”.

Facturas pesadas
Mas as maiores facturas viriam depois, quando o braço-de-ferro entre o executivo de Passos Coelho e o Santander deu origem a uma queixa do banco em Londres, para ver reconhecida a validade dos swaps que comercializou e garantir o pagamento das prestações trimestrais que as empresas suspenderam a partir de Setembro de 2013. Na sexta-feira, o Commercial Court, do Reino Unido, proferiu uma sentença favorável ao banco, mas da qual o Estado ainda pode recorrer.

Em Portugal, a Cardigos e Associados foi a escolhida para acompanhar o processo. Os ajustes directos à sociedade de advogados começaram logo nesse mês. O primeiro contrato, de 189 mil euros, foi celebrado pela DGTF e, de entre as obrigações da Cardigos, estava a “identificação de consultores, pareceristas e colegas ingleses” para “recomendar os que acharem mais convenientes para a assessoria deste processo”. Apesar da intenção de contratar assessores em Londres, o escritório português não desapareceu das adjudicações relacionadas com este caso, havendo registo no Portal Base de mais cinco ajustes directos, num valor global de 339 mil euros e celebrados pela Metro do Porto e pela Metro de Lisboa (duas das empresas processadas pelo Santander, a par da Carris e da STCP).

Há ainda referência a outra contratação da Cardigos, com um custo de 190 mil euros, por parte da Secretaria Regional do Plano e Finanças para “análise das operações de derivados financeiros” subscritas por empresas sob a alçada do Governo Regional da Madeira. Neste momento, há já duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre estes casos em particular, com os juízes a confirmarem as decisões de primeira instância e a declararem-se incompetentes para julgar as acções em Portugal.

A primeira adjudicação a um escritório de advogados estrangeiro surgiu em Novembro de 2013, mais concretamente, à Lipman Karas. Mas o contrato, no valor de 177.750 euros, seria apenas o primeiro. Chegados a Dezembro de 2014, as despesas com este assessor britânico alcançavam quase 2,9 milhões de euros, repartidos por três ajustes directos da Metro do Porto para apoio na acção movida pelo Santander.

A transportadora pública recorreu ainda a outros dois consultores do Reino Unido: a J.C. Rathbone Associates Limited, como perito financeiro, por 47.400 euros; e a Brunswick Financial, uma gestora de comunicação de crises, por 67.500 euros. Inclui-se ainda no rol das adjudicações da empresa um contrato de dez mil euros com a Correia Fernandes & Associados para “operacionalização de procedimento para contratar serviços jurídicos na acção movida pelo Santander”, bem como 178 mil euros pagos ao IGCP para a representar na gestão dos derivados.

A empresa, cujos dois swaps que foram a julgamento em Londres representavam perdas potenciais de 530,8 milhões em Outubro, confirmou os valores recolhidos pelo PÚBLICO, explicando tratarem-se de “honorários e despesas”. Sobre a elevada quantia paga à Lipman Karas a transportadora explicou que o valor “corresponde à fase principal do processo”, recusando-se a divulgar os contratos em causa pelo facto de “o processo não ter ainda transitado em julgado” e não ser “legalmente permitido facultar o acesso a esses documentos”. Estas adjudicações foram divulgadas no site da Metro do Porto, mas apenas em forma de listagem. Não aparecem, como acontece com os ajustes directos do IGCP ou da DGTF e como impõe a lei, no portal da contratação pública, com todos os documentos associados.

Orientações “superiores”
Ao contrário da Metro do Porto, nenhuma das outras empresas processadas pelo Santander divulgou publicamente que assessores contratou para acompanhar o caso, nem que verbas foram pagas. A Metro de Lisboa e Carris, que acumulam perdas potenciais de 678,5 milhões com os swaps do banco, listaram ao PÚBLICO um rol de consultores, mas não disponibilizaram os contratos. Dessa lista fazem parte os escritórios de advogados Lipman Karas e Verulam Buil, o perito financeiro J.C. Rathbone Associates e o perito em macroeconomia Giancarlo Corsetti.

A primeira empresa fez apenas a divulgação dos ajustes directos à Cardigos no Portal Base. E a STCP não publicou qualquer informação relativa a estes contratos. Assim, os dados recolhidos pelo PÚBLICO, que totalizam 4,8 milhões, retratam apenas uma parte dos gastos incorridos pelo Estado com o caso dos swaps do Santander, o que significa que a factura total superará largamente este valor. Se só a Metro do Porto já despendeu cerca de 3,5 milhões de euros, é natural que pelo menos a Metro de Lisboa também tenha feito ajustes directos desta dimensão, pelo facto de o risco dos seus swaps estar ao mesmo nível.

A forma como estes contratos foram feitos também não é totalmente clara, mas as empresas afirmam que a decisão partiu exclusivamente da tutela financeira: a Secretaria de Estado do Tesouro, que na altura tinha à frente Maria Luís Albuquerque (que veio a tornar-se ministra das Finanças em meados de 2013). “A tutela financeira deu orientações às empresas para contratarem a sua defesa e de forma a obter sinergias que a mesma fosse conjunta, dado o objectivo das acções ser igual para todas”, responderam a Metro de Lisboa e a Carris (que foram alvo de uma fusão em 2012).

Já a Metro do Porto explicou que “o processo de selecção dos parceiros ingleses foi conduzido pela anterior Secretaria de Estado do Tesouro, escolha essa assessorada pela equipa que já apoiava o Estado em matéria relacionada com derivados financeiros do Sector Empresarial do Estado”. Sobre o facto de ter seguido a via dos ajustes directos, e não da consulta pública, em contratos com montantes tão elevados, a empresa respondeu que foi uma “decisão superior, transmitida pela anterior Secretaria de Estado do Tesouro”. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças não respondeu às questões enviadas.

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