Moçambique em “guerra de baixa intensidade”

Conselho de Estado que deverá acontecer esta semana é visto com grande expectativa: sairá uma plataforma de diálogo entre Frelimo ou Renamo?

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Afonso Dhlakama diz que está disponível para negociar JINTY JACKSON/AFP

No dia em que foi anunciado que a Renamo iria começar a governar à força as províncias onde obteve a maioria nas eleições gerais de 2014, o presidente do partido, Afonso Dhlakama, emitiu um comunicado a afirmar que “reitera a sua disponibilidade para negociar com o governo da Frelimo uma solução definitiva para a actual crise político-militar”.

O presidente da Renamo repete, porém, que a partir de Março irá iniciar a sua governação nas seis províncias do centro e norte do país (Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa) num processo que é “irreversível”. O líder da Renamo desde 1979 acusa as Forças Armadas “de movimentação de armamento pesado do sul para o centro e norte do país” e diz ter conhecimento de “treinamento de militares moçambicanos para inviabilizar a governação da Renamo”.

Fala ainda de “incursões militares, dos raptos e dos assassinatos de membros” do partido “e da destruição de habitações e celeiros de cidadãos moçambicanos, principalmente nas províncias centrais de Manica e Tete, perpetrados pelas Forças Armadas”.

Na semana passada, a organização de direitos humanos Human Rigths Watch (HRW) denunciou que pelo menos seis mil pessoas fugiram de Moçambique para o Malawi desde meados do ano passado e que isso “é uma consequência das operações do exército moçambicano para desarmar as milícias ligadas à Renamo”. A HRW fala de alegadas execuções sumárias, abusos sexuais e maus-tratos da parte das forças armadas na província de Tete, zona central de Moçambique e um reduto da Renamo.

Governo e Renamo estão “a esticar a corda”, analisa ao telefone a partir de Maputo Francisco Carmona, editor executivo do semanário Savana que entrevistou várias vezes Dhlakama: a Renamo diz que dialoga com a Frelimo depois de governar as províncias; a Frelimo diz que dialoga sem pré-condições. “O nível de desconfiança é extremamente alto”, acrescenta. “Não estou a ver o presidente da Renamo a viajar para Maputo para se encontrar com o Presidente Filipe Nyusi sem que a Frelimo ceda”, acrescenta.

Nyusi convocou para esta semana um conselho de estado onde analisará a reivindicação de Dhlakama e onde participam os antigos presidentes Joaquim Chissano e Armando Guebuza. Guebuza foi o negociador chefe da Frelimo do Acordo Geral de Paz (AGP) de 1992. A expectativa sobre o que sairá daqui é grande.

Raul Domingos, antigo negociador chefe pela Renamo do AGP, prevê: ou se encontra uma plataforma de diálogo para chegar à paz e isso assenta no acordo de 1992 ou, o pior cenário, faz-se declaração de guerra, diz ao PÚBLICO por telefone. “Reivindicando este acordo e implementando-o temos todos os elementos para chegar a uma paz duradoura”, acredita. “É preciso lembrar que certos sectores da Frelimo consideraram o acordo como caduco. Havia uma tendência de retorno ao monipartidarismo. Por causa disso, porque havia exclusão política, ausência de diálogo e de reconciliação reivindicou-se o acordo” – e chegou-se a um movimento que culminou com o conflito entre 2012 e 2014, levando Dhlakama a regressar à antiga base do partido na zona da Gorongosa e a anunciar o fim do AGP.

Depois disso, houve as eleições gerais mas a Renamo declarou-as como fraudulentas. A Frelimo nega que as eleições tenham tido irregularidades, e acusa a oposição de violar a Constituição mantendo homens armados.

Segundo Raul Domingos, como a lei eleitoral “não consegue expressar a vontade do povo moçambicano” pois está feita de forma a que “quem ganha, ganha tudo”, a Renamo fez uma proposta para criar autarquias nas províncias onde teve o maior número de votos – esta proposta é um dos pontos de discórdia.

Para o jornalista Francisco Carmona, a Frelimo não vai ceder à reivindicação de a Renamo governar nas províncias onde ganhou, mas “tem que fazer propostas concretas”. Deve mostrar alguma abertura. Agora, a “Renamo acha que é o momento do ‘tudo ou nada’. O bolo não está bem dividido” – e a Renamo está disposta ao conflito. “Vivemos numa guerra de baixa intensidade”, continua.  

Por agora a expectativa é também saber se a Renamo, que se tem mantido no centro e norte, “desce” para o sul e para a capital para “pressionar ainda mais”, pois é aí que estão “os grandes interesses de grupo da Frelimo”. “A percepção é que o sector radical da Frelimo quer o afastamento de Dhlakama e pressiona o presidente Nyusi”, continua o jornalista.

Por outro lado, o politólogo Jaime Macuane analisa por email: “A questão do retorno ou não à guerra parece mais uma discussão semântica do que substantiva. Os actores já se comportam como se estivessem em guerra, com confrontos militares, relatos de violência selectiva contra membros da Renamo e da Frelimo e vítimas civis. Também os efeitos típicos "de" guerra já se fazem sentir, como escoltas militares nas estradas, refugiados no Malawi, etc.” Para Macuane, agora “a questão é apenas a intensidade”. Importa resolver esta crise – “infelizmente, há uma radicalização de posições de ambas as partes que faz pender a balança para o lado da escalada do conflito”, diz. E alerta: “Os apelos e suposta vontade de diálogo não são suficientes a reverter a caminhada insana para o conflito.”

 

 

 

 

 

 

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