A sobranceria dos Coen a olhar para os “tontos”

Sucessão de sketches onde se parodiam os géneros e os intervenientes do cinema hollywoodiano. Desastroso.

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Clooney a fazer-se mais bovino e aparvalhado do que alguma vez

A década de 1950 (e arredores), os bastidores de Hollywood, os géneros clássicos do cinema americano: tudo isto são coisas que, toda a gente já sabe, interessam os Coen desde o princípio da obra deles (a variação neo-noir de Sangue por Sangue, o primeiro e melhor filme dos irmãos). Em Salvé, César! juntam os interesses todos num só filme, os anos 50, os bastidores de Hollywood, e os géneros clássicos do cinema americano (todos, do musical ao western). O resultado é francamente desastroso, e se os Coen falam em “homenagem” a Hollywood que retratam é tão caricatural que fica a mesma dúvida de quando os irmãos filmam, por exemplo, o Sul dos Estados Unidos: a sobranceria do olhar transforma-se numa manifestação de desprezo, ou lá muito perto.

As duas figuras centrais de Salvé, César! são as personagens de George Clooney, actor de um épico bíblico raptado em plena rodagem por um grupo comunista (são os anos 50 da paranoia anti-comunista em Hollywood), e de Josh Brolin, um executivo dos estúdios que tem o papel a que se chamava fixer e a incumbência de resolver “chatices”, seja na produção de filmes seja na vida privada das estrelas. O desaparecimento de Clooney oferece a estrutura narrativa, que depois se multiplica em pequenas histórias, quase todas, pretensamente, a captar (é a “homenagem”…) o sabor e o espírito do cinema da época.

Ora bem, primeiro problema: basicamente, na prática, isto corresponde a uma sucessão de sketches, onde se parodiam os géneros e os intervenientes do cinema hollywoodiano da época, de uma maneira que pode ter alguma graça (a cena do actor de westerns transplantado para um melodrama à la Sirk, por exemplo) mas é sempre descosida e de uma total inconsequência.

Segundo problema: como os Coen por certo não ignoram, os anos 50 são a época mais dorida do cinema americano, a década em que Hollywood, se alguma vez fora “ingénua” ou “inocente”, já não era, de todo, nem uma coisa nem outra. Mas a visão dos Coen não anda longe da de O Artista, por exemplo, a “desconstruir” a “magia do cinema” pintando tudo e todos como uma espécie de crianças grandes, ingénuas e caprichosas – dá aquele ar, terrível, de quem se quer rir dos “tontos” dos antepassados, crendo-se ocupante de um lugar privilegiado na História (e apetece dizer aos Coen que viver num tempo em que eles estão entre os mais destacados cineastas americanos não é viver um momento histórico privilegiado, bem pelo contrário). E isto vale tanto para o olhar sobre o “sistema” (Hollywood, a lógica conservadora dos estúdios) como para o “anti-sistema”, a associação clandestina de comunistas, filmada em discussões e reivindicações teóricas num registo paródico igualmente sem graça.

O filme está ferido por isto desde o início, este olhar sobranceiro e superficialmente caricatural e sentencioso, e nunca se encontra, nem pelo esforço do sempre digno Josh Brolin (sem par em Clooney, a fazer-se mais bovino e aparvalhado do que alguma vez). Às tantas lembramo-nos de Mel Brooks. O seu humor básico tinha, pelo menos, a virtude de ser mais honesto do que a “sofisticação” dos Coen.

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