Hillary, we’ve had a problem

Donald Trump foi avassalador no New Hamsphire e complicou ainda mais a vida aos líderes do Partido Republicano, que procuram um candidato mais moderado. Bernie Sanders e a sua “revolução política” trucidaram Hillary Clinton, que fica com um problema maior do que alguma vez imaginou.

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Bernie Sanders festeja a vitória Jewel Samad/AFP
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“Eu sei o que é sofrer uma contrariedade", reagiu Hillary Clinton Justin Sullivan/Getty Images/AFP
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Depois da derrota no Iowa, Trump sorri em New Hampshire Mike Segar/Reuters
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Depois de uma péssima prestação no debate do fim-de-semana, Marco Rubio foi apenas quinto no New Hampshire Carlo Allegri/Reuters
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Jeb Bush fez uma prova de vida que muitos já julgavam impossível REUTERS/Faith Ninivaggi
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John Kasich ficou em segundo, mas dificilmente terá fôlego suficiente para uma campanha nacional Andrew Burton/Getty Images/AFP
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Ted Cruz luta pelo terceiro lugar no New Hampshire com Jeb Bush REUTERS/Eric Thayer

A máquina poderosa e supostamente infalível que iria levar Hillary Clinton em ombros até à nomeação no Partido Democrata bem pode tratar em público a derrota nas primárias no estado do New Hampshire como uma pequena pedra que já esperava encontrar nesse caminho, mas a realidade tem uma opinião diferente: com uma vantagem de 22 pontos percentuais, o senador Bernie Sanders projectou o seu discurso contra Wall Street muito para além do que alguém poderia ter imaginado há apenas alguns meses, e mostrou que a batalha pode estar apenas a começar. Do outro lado, no Partido Republicano, o magnata e estrela da televisão Donald Trump provou que consegue teletransportar para as mesas de voto os apoiantes que ouvem fascinados os seus discursos, e venceu de forma tão confortável que já soam a ridículo as notícias que o davam como um candidato com prazo de validade.

Tal como aconteceu na semana passada, quando o estado do Iowa abriu o longo processo que vai ditar os nomes dos candidatos dos dois maiores partidos à Casa Branca, as eleições primárias no estado do New Hampshire também estão no grupo das que pouco interessam para as contas finais com apenas 1,3 milhões de habitantes, o New Hampshire só distribui 23 delegados pelo Partido Republicano e 32 pelo Partido Democrata, na imensidão de mais de mil que são necessários para garantir uma nomeação no primeiro caso e mais de dois mil no segundo.

Mas a tensão acumulada por todos – candidatos, media, eleitores que ainda se interessam por eleições durante vários meses de debates e anúncios nas televisões e nas rádios liberta-se assim que os primeiros votos começam a ser contados, e o Iowa e o New Hampshire tornam-se o centro dos Estados Unidos durante pouco mais de uma semana. Mais do que para contar delegados, os candidatos precisam destes dois estados para enviar sinais ao resto do país para que os eleitores percebam quem confirma o favoritismo ou quem ganha um inesperado impulso, mas também quem conclui que o melhor seria desistir o mais rapidamente possível para poupar milhões e poupar-se a uma humilhação.

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Não se pode dizer que o domínio arrasador de Bernie Sanders e Donald Trump no New Hampshire tenha sido inesperado quando visto à luz das sondagens mais recentes, mas recuemos até 5 de Maio e 21 de Junho de 2015, cinco dias depois de um e outro terem anunciado as suas candidaturas – Sanders era apenas uma pequena mancha no mapa do Planeta Hillary, com menos 40 pontos na média das sondagens, e Trump estava sete pontos atrás de Jeb Bush, com a dificuldade acrescida de ter também à sua frente Marco Rubio, Rand Paul e Scott Walker.

Menos de um ano depois, as votações no Iowa (através do sistema mais fechado de assembleias de voto, ou caucus) e no New Hampshire (verdadeiras primárias, mais abertas do que os caucus) fizeram mais do que comprovar o que as sondagens têm indicado, e deixaram o chamado "establishment" do Partido Republicano e do Partido Democrata em sentido. Em ambos os casos bateram-se recordes de afluência às urnas, o que muitos analistas têm visto como um sinal de que os descontentes e desiludidos estão finalmente a tentar mudar o que consideram estar mal e é inquestionável que os descontentes e desiludidos estão com Donald Trump e com Bernie Sanders, ainda que, muito provavelmente, por razões opostas; em segundo lugar, os números do senador de 74 anos entre o eleitorado mais jovem foram esmagadores em comparação com Hillary Clinton Bernie Sanders recebeu 84% dos votos dos eleitores entre os 17 e os 29 anos no Iowa (sim, no Iowa os jovens de 17 anos podem votar nos caucus) e 82% dos votos dos eleitores com menos de 30 anos nas primárias do New Hampshire.

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Não foi por isso uma surpresa que os apoiantes da prometida “revolução política” e da mensagem mais à esquerda de Bernie Sanders o tenham recebido em euforia na Escola Secundária de Concord, a capital do New Hampshire, para ouvirem o seu discurso de vitória.

“Juntos enviámos a mensagem que vai chegar de Wall Street a Washington, do Maine à Califórnia. A mensagem de que o governo da nossa grande nação pertence a todas as pessoas, e não apenas a um punhado de ricos que contribuem para as campanhas”, afirmou o senador do Vermont, perante o delírio da assistência.

Entre os agradecimentos a Hillary Clinton, por lhe ter telefonado imediatamente a seguir ao fecho das mesas de voto para lhe dar os parabéns, e as críticas aos candidatos da “direita do Partido Republicano”, Bernie Sanders apontou ao seu alvo preferido: os multimilionários que têm “enormes descontos nos impostos” e os “mesmos políticos de sempre”.

“Esta noite dissemos ao establishment político e económico deste país que o povo americano não irá continuar a aceitar um sistema de financiamento de campanhas corrupto que está a minar a democracia americana, e não iremos continuar a aceitar uma economia fraudulenta em que os americanos comuns trabalham mais horas por salários mais baixos, enquanto quase todos os rendimentos e riqueza vão para os 1% que estão no topo.”

É um discurso de mudança, mais radical e porventura menos cool do que o de Barack Obama em 2008, mas ainda assim um discurso de esperança, que toca em cheio no coração de muitos jovens o que falta a Bernie Sanders é que a sua “revolução política” comece a conquistar os menos jovens, os negros, os hispano-americanos, e muitas outras fatias do eleitorado que Hillary Clinton dá como garantidas já a partir dos caucus no Nevada, a 20 de Fevereiro, e principalmente nas primárias da Carolina do Sul, sete dias depois.

“Eu sei o que é sofrer uma contrariedade. E aprendi com a experiência que o que importa é se nos conseguimos levantar, e não se somos derrubados”, disse Clinton na mensagem enviada aos seus apoiantes a partir do New Hampshire, levando depois o seu olhar posto no futuro para o Twitter: “Isto é apenas o começo. Lutámos muito por cada voto agora vamos levar esta campanha a todo o país.”

Logo após o anúncio dos resultados, coube ao director da campanha de Hillary Clinton, Robby Mook, desvalorizar a magra vitória no Iowa e a pesada derrota no New Hampshire e é verdade que Bernie Sanders vai ter de lutar muito para provar que a sua aparente ascensão não passa de um breve estado de graça.

“Apesar de serem importantes, os primeiros quatro estados representam apenas 4% dos delegados necessários para garantir a nomeação; os 28 estados que votam em Março vão atribuir 56% dos delegados necessários para ganhar”, frisou Mook, acentuando depois as particularidades dos estados que já votaram: “Enquanto os eleitorados no Iowa e no New Hampshire são maioritariamente rurais/suburbanos e predominantemente brancos, os estados que votam em Março reflectem melhor a verdadeira diversidade do Partido Democrata e da nação incluindo grandes populações de eleitores que vivem em grandes cidades e pequenas localidades, e eleitores com uma abrangência muito maior de raças e religiões.”

No lado do Partido Republicano, a mensagem de descontentamento parece ter encontrado de forma definitiva o seu rosto preferido depois do pequeno contratempo no muito conservador Iowa, onde ficou atrás do ultraconservador Ted Cruz, o magnata do imobiliário Donald Trump não deu hipóteses a ninguém no mais independente New Hampshire.

Com quase 90% dos boletins contados nove horas após o fecho das mesas de voto, Trump tinha mais do dobro da vantagem sobre o segundo, o surpreendente governador do Ohio, John Kasich – 35,1% contra 15,9%.

Se o Iowa alimentou a esperança de que o chamado "establishment" poderia rapidamente encontrar o seu grande candidato para impedir que o populista Donald Trump garantisse a nomeação, o New Hampshire veio novamente baralhar e voltar a dar.

Depois de uma péssima prestação no debate do fim-de-semana, em que parecia um robô a debitar sempre as mesmas frases ensaiadas, o jovem senador Marco Rubio levou uma lição no New Hampshire e voltou para o meio da pequena multidão que se acotovela para cair nas graças dos líderes do partido e dos principais financiadores. Não soube aproveitar o surpreendente terceiro lugar no Iowa e caiu para a quinta posição no New Hampshire, atrás de Donald Trump, John Kasich, Ted Cruz e Jeb Bush. Mais abaixo só o governador de Nova Jérsia, Chris Christie que, curiosamente, tinha feito o papel de atirador furtivo contra Marco Rubio no debate do fim-de-semana ; a ex-presidente executiva da Hewlett Packard Carly Fiorina; e o antigo neurocirurgião Ben Carson.

Trump venceu e pôde assim usar várias vezes uma das palavras que mais gosta de repetir, para além de “muro”: “vencer”.

“Vamos tornar este país tão forte... Vamos começar a vencer outra vez. Como país, não vencemos no comércio; não vencemos com os nossos militares, não conseguimos derrotar o ISIS. Não vencemos em nada. Vamos começar a vencer outra vez, e vamos vencer tanto, vocês vão ser tão felizes, vamos tornar a América grande outra vez, talvez maior do que alguma vez foi. Agora vamos para a Carolina do Sul! Vamos vencer na Carolina do Sul!”

Mas Donald Trump não venceu apenas no New Hampshire por ter sido o candidato mais votado tão importante como isso foi a ordem em que os outros candidatos do Partido Republicano terminaram.

Para já, o magnata consegue manter-se num patamar só dele, tendo visto Marco Rubio descer vários degraus na luta pela construção de um adversário do establishment, que precisa urgentemente de moldar uma espécie de Transformer a partir de quatro candidatos a esperança chamada Rubio perdeu gás; John Kasich ficou em segundo, mas dificilmente terá fôlego suficiente para uma campanha nacional; e Chris Christie já disse que vai para casa pensar na vida, antecipando uma desistência antes das primárias na Carolina do Sul.

Sobra Jeb Bush, que fica ombro a ombro com o ultraconservador Ted Cruz na luta pelo terceiro lugar no New Hampshire e faz uma prova de vida que muitos já julgavam impossível. Com um resultado positivo no New Hampshire, muitos milhões ainda no bolso e um dos apelidos mais poderosos da América no nome, Jeb Bush pode alimentar a esperança de reviver aquela sensação que Hillary Clinton tenta agora segurar com todas as forças a de que o nome e a experiência em cargos executivos na política ainda contam mais do que a desilusão e o descontentamento.

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