"Tem festa? A gente gosta, vai estar lá e se divertir"

Entrevista a Sérgio Bessermann Vianna, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica, sobre o impacto e as implicações dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

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Sérgio Besserman, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica DR

Os Jogos Olímpicos no Rio vão dar certo. Como é que o economista Sérgio Bessermann Vianna sabe? Porque os cariocas gostam de festa. “Apesar de todo o mau-humor da crise e apesar da perplexidade que há no Brasil de não haver rumo no momento, durante os Jogos Olímpicos pode se preparar: é uma combinação de Berlim em eficiência e Carnaval do Rio em festa”, diz este carioca de 58 anos, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).

O Rio ganhou os Jogos Olímpicos numa conjuntura bem diferente da actual, contando que o Brasil iria continuar numa trajectória de ascensão económica e social. O facto de o país estar em crise significa que a candidatura aos Jogos foi um erro?
A história é que vai dizer, daqui a alguns anos. Na minha opinião de economista não, porque o Rio de Janeiro conseguiu alavancar recursos para investimento que não teria nenhuma chance de alavancar mesmo no contexto macroeconómico anterior. Nós conseguimos fazer num período de oito anos, em algumas áreas – porto, mobilidade e mais outras tantas, menos importantes –, investimentos que não teriam ocorrido. E o Rio vive muito de um activo intangível que é determinante para qualquer empresa ou cidade, que é a marca. É vital que a gente continue presente no imaginário do mundo. Quantas cidades do mundo têm bairros que são conhecidos por bilhões de pessoas? Las Ramblas, em Barcelona, não passa dos 300, 400 milhões. Mas bilhões e bilhões e bilhões? São menos que os dedos das mãos: Quartier Latin, Village, Copacabana. É um activo intangível, é um legado. Eu acho que no futuro não haverá essa história de Jogos Olímpicos de uma cidade. No mundo de hoje isso soa muito esquisito. Ou faz todos os anos em Atenas, ou faz em qualquer lugar porque está todo mundo no telemóvel, dá na mesma. Um faz natação na Rússia, outro atletismo em Lisboa e temos jogos globais do mesmo jeito. Mas enquanto ainda é assim, enquanto ainda é rastro do século XX, para o Rio é uma grande oportunidade de visibilidade.

Este modelo de Jogos tornou-se obsoleto?
Esse modelo é obsoleto e acabará no século XXI, não faz mais nenhum sentido. Uma vez por ano 10 mil pessoas apanham um avião e aquecem o planeta para caramba para se encontrar numa COP [conferência internacional sobre mudanças climáticas] na Indonésia ou na África do Sul. Isso é coisa do século XX, não do século XXI. Mas para o Rio de Janeiro foi uma óptima oportunidade pegar isso logo no início do século, enquanto esse modelo não se desfaz, e mostrar a sua cara para o mundo. O Rio de Janeiro é muito especial. Até a parte feia. É uma união entre natureza e construção que só existe aqui. Outros lugares do mundo têm florestas, baías, lagoas, praias: Havai, Oceano Índico, Mediterrâneo. Mas nenhum lugar do mundo tem essas coisas todas no meio de seis milhões e meio de pessoas, 12 milhões na região metropolitana. Isso só existe aqui, nunca vai existir em nenhum outro lugar. E nós somos também muito bons num negócio importante no mundo, o do entretenimento.

O Carnaval.
O Carnaval e o réveillon. Nós fazemos na cidade do Rio de Janeiro, todos os anos, a maior festa do mundo, que é o réveillon. Todo o ano: dois, três milhões de pessoas. E fazemos todo o ano a melhor festa do mundo, que é o Carnaval. É um baita business.

Isso cria um know how importante para os Jogos?
Tremendamente importante. Um bom exemplo: a missa final do Papa Francisco [na sua visita ao Rio em Julho de 2013] ia ser numa região remota da cidade que 48 horas antes inundou porque choveu demais. Mas também foi um erro de logística: não se faz uma coisa grande dessas num lugar assim pela primeira vez, você não sabe o que vai dar errado. Mas em 48 horas você estala os dedos e muda para Copacabana – onde a gente faz todos os anos a maior festa do mundo. Em nenhuma cidade do mundo você pegaria em dois milhões de peregrinos, dizia “é em Copacabana” e todo mundo saberia o que fazer: sector público, sector privado, comerciantes, trânsito...

Acha legítimo os Jogos Olímpicos serem uma alavanca para a reestruturação urbana de uma cidade?
Enquanto existe essa ferramenta, esse modelo, sim. Existe uma forma de raciocinar de economista para responder à sua pergunta: pense esse cenário macroeconómico em que o Cristo ia para a lua [referência à capa da revista The Economist, em Novembro de 2009, sobre a emergência do Brasil enquanto potência económica, que mostrava o Cristo Redentor descolando como um foguetão], aquela megalomania idiota; pegue quatro anos de crescimento medíocre e uma recessão de 4% no ano passado e outro tanto este ano. Tire os Jogos Olímpicos do Rio. E pense o Rio.

A economia do Rio estaria pior se não fossem os Jogos Olímpicos?
Com certeza o desemprego seria muito maior, porque há 40, 50 mil trabalhadores empregados nas obras. Que, quando terminarem os Jogos Olímpicos, serão uma questão. E tem muito emprego indirecto. E o turismo, no caso da economia do Rio, é contra-cíclico: quando a economia ia muito bem, o real ficou muito valorizado, então há cinco, seis anos, o café expresso aqui custava o dobro do café em Lisboa. Hoje é metade. Quando a economia do país vai para baixo, pelo efeito do câmbio o Rio recebe mais turistas. Tanto do exterior, porque aqui fica mais barato, quanto do Brasil, que deixam de viajar para fora e vêm para o Rio. Os Jogos Olímpicos ajudam a manter esse turismo.

Mas o clima na cidade a seis meses dos Jogos Olímpicos não parece ser de muita empolgação.
Neste momento nós estamos nos preparando para o Carnaval. Depois que passar o Carnaval, a gente começa a pensar na próxima festa. Aí a gente pára, tem que curar uma ressaca, tem que voltar ao trabalho quotidiano, botar as coisas todas para funcionar outra vez, vestir o terno [fato]. Aí nós vamos começar a pensar nos Jogos Olímpicos. Claro que a crise está pesando. As pessoas não estão buscando motivo de festa. E para os Jogos ainda está muita coisa em movimento, estamos terminando de construir o metro, terminando de construir os BRTs [novos corredores de autocarros], terminando as obras no porto.

Vamos ver uma cidade em festa durante os Jogos Olímpicos?
Do ponto de vista de uma avaliação objectiva, acho que a cidade, como aconteceu na maior parte dos lugares que fizeram Jogos, vai se dividir. Tem sempre quem acha: “Construiu-se um velódromo e o hospital está com problemas”. Mas você entra em qualquer boteco e ouve: “É muito bom porque a gente aparece, e tal”. Do ponto de vista do sentimento do carioca, não se preocupe. Tem festa? A gente gosta, a gente vai estar lá e vai se divertir [risos]. Quando acabar, a gente briga: “gostei”, “não gostei”. Vai ser como a Copa do Mundo: quem salvou a Copa foi o povo. A gente fez um monte de coisa errada, mas chegam os turistas do mundo inteiro e vêem um povo em festa.

Mas aí tem um problema: o Brasil é um país de futebol, os Jogos Olímpicos são outra coisa.
Nós não temos tanta ligação com os Jogos Olímpicos e nem fizemos um trabalho no Brasil para aproveitarmos os Jogos e subirmos um degrau enquanto desportistas. Não fizemos nem o pragmatismo chinês, que é “prepara um monte de campeão aí que eu preciso de medalha”, nem a popularização de desportos como atletismo, natação e outros. Mas a gente gosta de festa. Nós somos bons nisso, podem vir. O que o mundo vai ver de diferente, que não viu nas outras cidades, é que, apesar de todo o mau-humor da crise – que vai aumentar porque no primeiro ano de crise as pessoas têm reservas, têm subsídio de desemprego, pegam dinheiro emprestado, e têm a esperança que vão ter emprego quando passar o Carnaval –, apesar da perplexidade que há no Brasil de não haver rumo no momento, durante os Jogos Olímpicos pode se preparar: é uma combinação de Berlim em eficiência e Carnaval do Rio em festa, alegria, engajamento e ajuda. Os voluntários dos Jogos de Londres eram super-gentis mas ficavam ali parados e não sabiam te ajudar muito, não; era só “vai para cá” e “vai para lá”. Aqui o cara vai te pegar e vai te levar no lugar. O jeito carioca de ser é muito bom para esses eventos. 

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