Ninguém acredita nas conversações de paz para a Síria

As duas delegações presentes em Genebra deram conta ao enviado-especial da ONU das suas objecções ao avanço do processo negocial. Nos arredores de Alepo, Exército e rebeldes preparam-se para "batalha decisiva".

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Estamos debaixo de bombardeamento constante", dizem os rebeldes de Alepo ABDULMONAM EASSA/AFP

Com as forças do Exército da Síria e os combatentes rebeldes a assumirem posições para uma “batalha decisiva” nos arredores da cidade de Alepo, no Norte da Síria, as já baixas expectativas de sucesso das negociações de uma solução para o fim do conflito, em curso em Genebra, caíram para zero. O enviado-especial das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura, abriu o processo negocial, mas tendo em conta os últimos desenvolvimentos no terreno, os seus esforços dificilmente produzirão resultados: a delegação governamental considera ser “cedo” para conversas próximas com a oposição; os rebeldes não estão “optimistas” com a escalada militar e duvidam das “boas intenções” do regime.

Esta terça-feira percebeu-se que o mediador da ONU se precipitou quando, na véspera, deu o tiro de partida para o arranque das negociações sem garantias concretas de que ambas as delegações concordavam com o programa. O ímpeto das Nações Unidas explica-se pela deterioração da situação, depois de cinco anos de guerra que fizeram mais de 250 mil vítimas, provocaram a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial e contribuíram para a expansão de grupos extremistas como o Estado Islâmico.

Pela manhã, a equipa negocial do Governo de Damasco disse a Staffan de Mistura que “as circunstâncias relativas às formalidades” não permitiam avançar com as discussões, uma vez que o regime não dispunha sequer da lista completa dos grupos de oposição participantes. “Para lançar a negociação, temos de estar na presença de duas delegações, mas parece haver uma delegação que ainda não está preparada”, observou o líder do grupo governamental, Bashar al-Jaafari, no final de uma reunião de mais de duas horas com o enviado-especial para a Síria.

Mais ou menos à mesma hora, o principal negociador do bloco de oposição ao Governo do Presidente Bashar al-Assad, Mohamed Alloush, dizia aos jornalistas que a participação do chamado “alto comité de negociadores” nas conversações indirectas ainda não estava garantida. “A situação no terreno não se alterou, e enquanto continuar assim não há optimismo no nosso lado e nenhuma intenção de encontrar uma solução por parte do regime”, sublinhou. O encontro com de Mistura, que estava marcado para as cinco da tarde, acabou por não se realizar – em comunicado, a oposição considerava a “aceleração da agressão militar do regime e da Rússia sobre Alepo e Homs” como uma “ameaça ao processo político”. “É perfeitamente claro que o regime e os seus aliados, particularmente a Rússia, estão determinados em rejeitar os esforços das Nações Unidas para implementar a lei internacional”, dizia o documento.

A oposição tinha posto como condição para se sentar à mesa negocial o fim dos bombardeamentos aéreos e dos cercos militares às localidades debaixo do controlo rebelde: sem essas medidas humanitárias destinadas a aliviar o sofrimento das populações que definham sem fornecimento alimentar, abastecimento eléctrico ou tratamento médico, os grupos que combatem o regime de Assad recusam participar nas conversações.

Para o negociador do Governo de Damasco, Bashar al-Jaafari, as exigências de oposição não são sérias e apenas servem para mascarar o desinteresse no processo de paz. “Não aceitamos pré-condições para o arranque do diálogo”, repetiu o responsável, acrescentando que assim que forem abertas as negociações, o seu lado estará disposto a “lidar com todas as questões, particularmente as que se referem ao terrorismo e ao apoio humanitário”, que disse serem prioritárias.

Jaafari lembrou que o regime já abriu as barreiras para permitir a entrada da ajuda de emergência na cidade de Madaya, perto de Damasco, onde foram reportadas dezenas de mortes por malnutrição – e garantiu que a via continuará aberta para as organizações humanitárias, que também deveriam ter acesso às localidades de Foah e Kefraya, no Norte do país, que estão cercadas pelos rebeldes.

Mas além das questões de assistência, o processo está encravado pelo avanço dos combates. O enviado-especial da ONU recordou aos dois lados o seu compromisso nas reuniões de Viena em que aceitaram lançar o processo de paz: “O que ficou combinado foi que, em paralelo com o debate político, teríamos uma discussão séria sobre o cessar-fogo.”

Batalha decisiva

O compromisso foi esquecido, e nos últimos dias tanto o Exército de Assad como os grupos rebeldes têm vindo a preparar-se para um confronto decisivo no Norte do país. O momentum pende para o lado do Governo, que com o apoio aéreo da Rússia tem vindo a conquistar terreno às forças da oposição na região Oeste e ao longo da fronteira com a Turquia.

Pressionadas, as forças rebeldes prometeram cerrar fileiras em defesa das suas principais linhas em torno de Alepo, a maior cidade síria e que é um ponto estratégico para os dois lados. Um porta-voz disse à Reuters que o assalto montado pelo Exército tem uma intensidade nunca vista, e fez um apelo urgente ao apoio dos aliados estrangeiros, nomeadamente os Estados Unidos. “Estamos debaixo de bombardeamento constante. Os jactos russos estão a sobrevoar dia e noite há 72 horas, a lançar bombas contra os nossos quartéis e a cortar as nossas linhas de abastecimento. Se não tivermos auxílio [dos países aliados], o regime pode muito rapidamente cercar Alepo”, estimou um comandante da Frente do Levante, Abu Yasine.

Um outro comandante, Ahmed al-Seoud, que dirige a Divisão 13 do Exército Livre da Síria, confirmou à Reuters que os rebeldes mobilizaram todos os seus meios para o local: “Temos soldados e equipamento pesado a caminho. Está tudo preparado para a batalha decisiva”, afirmou.

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