Bando de irmãos

Quatro artistas, dois bandos de irmãos, olhados por João Botelho: João e Jorge Queiroz, Pedro e Francisco Tropa. Um pequeno “divertimento”, entre projectos de maior fôlego.

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Quatro: não vai viver na obra de Botelho como obra maior

Os filmes sobre artistas, e sobre obras artísticas, têm sido uma área bastante explorada pelo documentário português nos últimos anos, embora não seja frequente ver os frutos desse trabalho chegarem à estreia comercial, ficando-se pelo circuito “paralelo” dos festivais e das sessões especiais. Quatro é a incursão de João Botelho nesse género ou subgénero, ele que não é estranho ao documentário mas é, obviamente, muito mais conhecido pelas suas ficções. Como o título indica, Quatro multiplica: são quatro artistas em foco, dois pares de irmãos, João e Jorge Queiroz, Pedro e Francisco Tropa, abordados em quatro episódios individualizados. Não há nenhuma convenção, ou pelo menos nenhuma convenção banal, na forma encontrada por Botelho - nem depoimentos, nem voz off, nem “divulgação” arrumadinha - mas com esta estrutura compartimentada ele pára antes do “caos” absoluto (eventualmente interessante) que seria atirar as quatro obras focadas umas contra as outras, sobrepô-las, entrecortá-las, miscigená-las. Isolando-as umas das outras, mesmo de irmão para irmão, as possibilidades de um diálogo criativo gerado pelo filme, ou liminarmente construído por ele, diminuem um pouco, como que se Quatro pudesse ser visto como um filme-compilação, quatro filmes independentes unidos num só.

Não obstante, a opção por um pouco de ordem em vez desse caos total é plenamente assumida e cumpre-se no tratamento de cada episódio como se da criação de um pequeno “ecossistema” artístico se tratasse, ligando a personalidade do artista, o seu trabalho e o seu mundo, num exercício de montagem e colagem de elementos visuais e sonoros (e por vezes escritos: o texto, dito ou lido sem subterfúgios naturalistas, também faz a sua aparição). O olhar de Botelho sobre o trabalho dos seus protagonistas desenha-se assim na criação de uma identidade própria onde cada segmento se banha, e que depende de “motivos” tanto quanto de “ideias”, de “cores” tanto quanto de uma atmosfera sonora, sempre o mesmo princípio reinventado a cada vez: mais “natural” o segmento de João Queiroz, mais “mineral” o de Pedro Tropa, mais “cavernoso” o de Jorge Queiroz, mais “materialista” ou “tridimensional” o de Francisco Tropa. Coerente e inteligente, mesmo que provavelmente não vá viver na obra de Botelho como obra maior, antes como um pequeno “divertimento”, filme de interim entre projectos de maior fôlego.

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