Hotel de luxo funciona sem licença e usa parque público como se fosse privado

Está aberto há três meses, mas ainda não tem licença. Parque subterrâneo feito em terrenos camarários na condição de ser público serve apenas o hotel. Ex-vereadores de João Soares foram administradores da empresa.

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O parque de estacionamento, ao contrário do que diz o contrato, está a ser usado exclusivamente pelo hotel Ricardo Campos

O Hotel Palácio do Governador, um estabelecimento de cinco estrelas localizado em frente à Torre de Belém, em Lisboa, está a funcionar desde Outubro sem licença de utilização. Igualmente sem licença funciona um parque de estacionamento subterrâneo, construído em terrenos municipais anexos ao hotel.

O espaço foi cedido há 15 anos pela câmara, então liderada por João Soares, para construir um parque público. Desde que abriu, em Outubro, serve apenas o hotel, ao qual tem ligação directa, sendo interdito o acesso a outros automobilistas.

Em resposta ao PÚBLICO, a Câmara de Lisboa confirmou na semana passada que o Palácio do Governador e o parque de estacionamento, situados na esquina da Av. da Torre de Belém, com a Rua Bartolomeu Dias, não dispõem de licença de utlização. Mais do que isso: as obras ainda não estão formalmente concluídas, uma vez que o promotor requereu a prorrogação da licença de construção até 28 de Janeiro e ainda tem de cumprir várias obrigações legais até obter a licença de utilização.

À entrada do parque de estacionamento, uma placa de grande visibilidade avisa, por baixo do sinal de parqueamento, “Privado Hotel”. Contratualmente, porém, o parque tem natureza pública, embora a sua construção, e exploração durante 50 anos, tenha sido entregue pelo município, em 2001, à empresa Carlos Saraiva II — que então se preparava para transformar em hotel o palácio degradado dos governadores da Torre de Belém.

Nos termos do contrato de constituição do direito de superfície sobre a parcela de 4159 m2 em cujo subsolo foi feito o parque de um piso, este teria 126 lugares, 20 dos quais reservados à unidade hoteleira. Antes da sua abertura, a empresa teria de submeter ao município o regulamento de exploração e o respectivo tarifário para aprovação. Segundo a câmara, nada disso aconteceu até agora.

O contrato prevê também a extinção do direito de superfície, caso as instalações sejam usadas para um fim distinto do previsto. Em contrapartida do direito a construir e explorar o estacionamento, a empresa teria de pagar mensalmente 1154 euros. De acordo com a câmara, ainda não houve qualquer pagamento, porque a “renda contratada” só será cobrada “após o início da exploração”.

O PÚBLICO dirigiu várias perguntas ao grupo Nau Hotels, que explora o Palácio do Governador, mas não obteve resposta. A empresa Carlos Saraiva II fazia parte de um importante grupo imobiliário e hoteleiro (Hotéis CS) que se desmoronou a partir de 2010. Os seus activos, incluindo o Palácio do Governador, que tinha as obras suspensas há anos, passaram para os bancos credores. Já em 2014, mudaram-se para o universo da sociedade de capital de risco ECS, que criou a marca Nau Hotels.

O direito de superfície continua em nome da Carlos Saraiva II, empresa que mudou de nome para Gavepart II, uma sociedade do grupo ECS sem qualquer actividade comercial.

Além do parque do Palácio do Governador, o empresário Carlos Saraiva esteve envolvido em vários casos que mancharam os executivos de João Soares devido às facilidades que lhe foram concedidas sem cumprimento das normas legais. À época da aprovação do parque de Belém, um dos seus vereadores, Machado Rodrigues, tornou-se proprietário de vários apartamentos construídos pelo empresário sem pagar sisa.

Outro dois colaboradores próximos de João Soares, a vereadora do Urbanismo Margarida Magalhães, e Tomás Vasques, então chefe de gabinete do presidente da câmara e desde há um mês chefe de gabinete do ministro da Cultura, tornaram-se administradores de várias empresas de Carlos Saraiva pouco depois de perderem as eleições de 2002, a favor de Santana Lopes.

Câmara de Lisboa oferece jardim ao promotor
O direito de superfície aprovado em 2001 pela Câmara de Lisboa em favor da Carlos Saraiva II tinha uma particularidade excepcional. No subsolo da parcela municipal de 4159 m2 seria construído um “parque público de estacionamento subterrâneo”.

Por cima, à superfície daquilo que continua a ser um terreno camarário haveria duas zonas distintas: uma, de 2713 m2, para espaço de utilização pública; outra, de 1446 m2, reservada para uso privativo do hotel e designada “zona de protecção” do mesmo.

Na primeira (onde nos anos 90 havia uma área de estacionamento à superfície criada pela Universidade Moderna) pode-se andar à vontade e há alguns espaços ajardinados. A segunda está completamente vedada por muros e serve como jardim privativo do hotel, com esplanada e piscina.

A empresa não paga nada por esse espaço público, uma vez que a renda devida pelo direito de superfície se refere apenas ao parque de estacionamento. Em 2002, um dos dirigentes dos serviços de património da câmara disse ao PÚBLICO, pedindo para não ser identificado, que a cedência deste “espaço de protecção” é “inabitual” e de “base legal duvidosa”.

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