PSOE e Podemos condenados a negociar uma coligação de rivais

As duas forças que lutam entre si pela hegemonia da esquerda dialogam sobre uma aliança governamental num clima de desconfiança.

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Pablo Iglesias disse ao Rei que quer um "governo de mudança” Angel Diaz/Reuters

Com Mariano Rajoy temporariamente retirado da corrida à investidura parlamentar por razões tácticas, Pedro Sánchez e Pablo Iglesias, líderes do PSOE e Podemos, ocupam a cena num braço-de-ferro em que se revelam mais como rivais do que como virtuais aliados. Iglesias colocou Sánchez sob forte pressão, para o fazer ceder ou para depois o culpar pelo fracasso do projecto de um governo de esquerda.

Esta segunda-feira, Carlos Luena, secretário do PSOE, declarou que Sánchez “não vai ser presidente [do governo] a qualquer preço” e que o partido admite preferir a possibilidade de um governo “solitário”, com apoio parlamentar externo, a uma coligação com o Podemos. Reafirmou que o PSOE considera que a iniciativa para formar governo continua a caber a Rajoy e que só a definitiva desistência deste lhe permitirá iniciar negociações. Até lá apenas “dialoga”.

Iglesias diz o inverso. Na sexta-feira, divulgou uma proposta de “governo de mudança” — sem antes a comunicar a Sánchez que dela tomou conhecimento na sua audiência com o Rei — segundo a qual as pastas ministeriais seriam repartidas “proporcionalmente” aos votos, exigindo “ministérios estratégicos” e, para si, o cargo de vice-presidente. Seria um governo tripartido, juntando PSOE, Podemos e Esquerda Unida, com apoio parlamentar de pequenas formações nacionalistas ou conseguindo a abstenção do partido Cidadãos, de Albert Rivera.

Iglesias reafirmou esta segunda-feira a mesma proposta e garantiu que o Podemos só apoiará o PSOE num executivo de que faça parte. “Não acreditamos na via portuguesa” — em que o PS governa com o apoio parlamentar do PCP e do Bloco. A exigência da vice-presidência é de facto uma cedência pragmática e simbólica, pois antes declarara só participar num governo a que presidisse. Disse também que não haveria “linhas vermelhas” na negociação, embora se declare disposto a “defender com firmeza” pontos como o referendo na Catalunha. Em contraste, Sánchez garantiu aos seus “barões” territoriais que não pactuará com movimentos secessionistas.

A hegemonia da esquerda

Sánchez quer ganhar tempo, enquanto Iglesias o quer amarrar depressa a um acordo sobre “um governo progressista de mudança, plural, proporcional e que aposte em políticas económicas de redistribuição”. Sabe que os “barões” do PSOE são hostis à aliança com o Podemos, mas que a maioria dos socialistas prefere a aliança com Iglesias a um pacto “suicidário” com o Partido Popular (PP).

Resume o El País: “O Podemos não baixará a pressão sobre o PSOE, porque quer evitar a todo o custo assumir, perante os seus eleitores, a responsabilidade de não ter facilitado um governos das esquerdas.” Iglesias calcula que eleições antecipadas o beneficiariam, mas quer fazer recair o ónus da divisão sobre o PSOE.

O que está por trás das querelas é uma dura e inédita a disputa da hegemonia das esquerdas. Iglesias sempre disse que a questão decisiva é “superar ou não o PSOE”, conseguir “pasokizá-lo”. O PSOE conhece a ameaça, mas está numa posição de fraqueza depois de ter obtido o pior resultado eleitoral de sempre. Escolherá o Podemos, solução que divide o partido e dificilmente lhe permitirá governar, dadas as contradições programáticas, mas que lhe assegura a sobrevivência para se tentar reformar? Ou correrá o risco de se expor a novas eleições?

Resta lembrar que o PP, a quem eleições agradariam, também ainda não disse a última palavra.

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