Adopção por casais gay: o debate que já se fez

O PÚBLICO recupera alguns pareceres, a favor e contra, que foram sendo conhecidos (ou relembrados) nos útimos anos.

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Rui Gaudencio

Cavaco Silva considera que “está, ainda, por demonstrar” em que medida a adopção por casais gay promove o bem-estar da criança. Diz que falta debate sobre o tema. E, por isso, devolveu à Assembleia da República, para reapreciação, o Decreto n.º 7/XIII que altera normas relativas à adopção por casais do mesmo sexo. O PÚBLICO recupera alguns pareceres, a favor e contra, que foram sendo conhecidos (ou relembrados) nos útimos anos.

Associação Americana de Psiquiatria
Em Novembro de 2002 a Associação Americana de Psiquiatria emite uma posição formal intitulada Position Statement: Adoption and Co-parenting of Children by Same-sex Couples. Diz o seguinte: “A Associação Americana de Psiquiatria apoia iniciativas que permitam a casais constituídos por pessoas do mesmo sexo adoptar e coeducar crianças.” Numerosos estudos, acrescenta, feitos “nas últimas três décadas mostram, consistentemente, que crianças criadas por pais gay ou mães lésbicas exibem o mesmo nível emocional, cognitivo, social e de funcionamento sexual que crianças criadas por pais heterossexuais.”

Ordem dos Psicólogos
De acordo com a Ordem dos Psicólogos portuguesa, citada pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, num relatório técnico de Outubro de 2014, elaborado a propósito de uma proposta do BE (que visava alterar o Código do Registo Civil, tendo em conta a procriação medicamente assistida, a adopção e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo), “os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de coadopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais”.

Rui Pereira
“Não há razões para uma proibição da adopção por parte de casais de pessoas do mesmo sexo e esta é uma medida que pode beneficiar muitas crianças que vivem em instituições de acolhimento e não conseguem uma família que as acolha”, declarou ao PÚBLICO Rui Pereira, o ex-ministro da Administração Interna que preside ao Observatório Criança — 100 Violência, em Novembro último, após aprovação dos diplomas (do PS, BE, PEV e PAN) que previam que casais gay passassem a poder adoptar como qualquer outra família, com os votos favoráveis dos deputados dos partidos de esquerda e também de 19 deputados do PSD.

Investigadores da Universidade do Porto
Também é citado no relatório técnico da Comissão dos Assuntos Constitucionais, de 2014: em 2011 foi publicado o estudo Impacto da Orientação Sexual e do Género na Parentalidade. Nele faz-se uma revisão dos estudos empíricos com famílias homoparentais. Os autores Jorge Gato e Anne Marie Fontaine, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, concluem: “Para avaliar a importância de se ter um progenitor do sexo feminino e um progenitor do sexo masculino é necessário comparar famílias que tenham o mesmo número de progenitores e o mesmo estatuto conjugal, mas combinações de género diferentes. Ora, a revisão efectuada de um conjunto de estudos que se aproximam deste desenho, i.e., as investigações que comparam homo e heteroparentalidade, permitiu mesmo constatar que duas mulheres exercem a parentalidade de forma mais satisfatória, em algumas dimensões, do que um homem e uma mulher, ou, pelo menos, do que um homem e uma mulher com uma divisão tradicional do trabalho familiar. Isto poderá ser atribuído, quer a efeitos de selecção da amostra, quer ao facto de as mulheres investirem mais do que os homens no papel parental, independentemente da sua orientação sexual. Não existe, ainda, um volume de pesquisa comparável com famílias homoparentais masculinas, mas os estudos revistos apontam para resultados semelhantes.”

Ordem dos Advogados
Num curto parecer de 30 de Outubro de 2014, pedido pelo Parlamento, propósito a proposta do BE de 2014, sobre adopção por parte dos casais gay, a Ordem dos Advogados, cuja Bastonária é Elina Fraga, diz: “A alteração proposta merece acolhimento.” Em Outubro de 2012, a Ordem então liderada por Marinho e Pinto emitira um parecer sobre tema semelhante, onde dizia: “Os casais do mesmo sexo têm muitos direitos, muitos dos quais, infelizmente, ainda não estão sequer reconhecidos”, mas “não têm, seguramente (nem devem ter), direito a adoptar, porquanto esse pretenso direito colide frontalmente com o direito das crianças a serem adoptadas por uma família natural” constituída “por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e não com um homem a fazer de mãe ou com uma mulher a fazer de pai”.

Pedro Vaz Patto
“A adopção não pode ser encarada como direito dos candidatos, mas como direito da criança. Não são os candidatos à adopção que têm direito a adoptar, são as crianças órfãs ou abandonadas que têm o direito a ser adoptadas. Estas não podem ser objecto ou instrumento de direitos ou de reivindicações dos candidatos à adopção. São sujeitos de direitos, não objecto de direitos de outrem", escreveu o juiz desembargador Pedro Vaz Patto no seu contributo para uma audição promovida pelo Parlamento, em Julho de 2013, sobre “a possibilidade de co-adoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo”, proposta na altura pelo PS. "O bem das crianças prevalece sempre sobre os interesses dos candidatos à adopção, mesmo que daí decorra um tratamento diferenciado desses candidatos (porque não é um direito destes que está em causa), seja em razão da saúde, das capacidades económicas ou da orientação sexual. É esse bem que justifica a inadmissibilidade da adopção por pares do mesmo sexo, porque essa adopção priva as crianças da figura paterna ou materna, quando ambas são imprescindíveis e insubstituíveis para o seu crescimento harmonioso.”

Mário Cordeiro
Na mesma leva de audições que ouviu Pedro Vaz Patto, defendeu Mário Cordeiro, pediatra e professor de Saúde Pública: “Se se usasse o argumento do ‘ser natural’ viver com um pai e uma mãe, então dever-se-ia proibir imediatamente a adopção por pessoa singular, o divórcio, a vivência das crianças com um dos progenitores ‘visitando’ o outro de 15 em 15 dias, ou mesmo a emigração de um dos pais (como acontece com cada vez maior frequência no nosso país).”

Conselho Superior de Magistratura
“O Conselho Superior de Magistratura não se pronuncia sobre questões de índole política, sendo que a proposta em apreço contende com questões fracturantes da vida social sobre as quais não cabe a um órgão de gestão de poder judicial tomar posição”, diz o CSM num parecer de Outubro de 2014.

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