Guerra aberta no PAIGC provoca nova crise política em Bissau

Cisão aberta entre liderança do partido e Presidente da República pode fazer cair o terceiro Governo desde 2014. PAIGC expulsou e substituiu 15 deputados, mas decisão é contestada.

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A disputa interna no maior partido guineense eclodiu em Agosto, com a demissão do então primeiro-ministro, Simões Pereira. Joe Penney/Reuters

As divisões no partido do poder na Guiné-Bissau alastraram-se ao parlamento, que não consegue concordar numa composição de deputados e adiou esta terça-feira, pela segunda vez consecutiva, a sessão que deveria aprovar ou chumbar o programa do Governo liderado por Carlos Correia. A disputa é ainda um reflexo da crise governamental do Verão, em que o PAIGC se dividiu entre apoiantes do Presidente da República e defensores da direcção do partido. Está agendada uma nova sessão para quinta-feira.

O PAIGC está em maioria na Assembleia Nacional desde as legislativas de 2014. Mesmo assim, o programa do actual Governo foi chumbado uma primeira vez em Dezembro: a maioria rompeu-se e 15 deputados do PAIGC votaram contra o documento, dizendo não concordarem com o Governo, violando a disciplina de voto e entregando a maioria à oposição. Uma nova reprovação resultará na destituição do Executivo, o terceiro desde as últimas eleições.

Para garantir que o seu projecto de Governo não é chumbado outra vez, o PAIGC expulsou há uma semana o grupo de dissidentes. Pediu nesse momento à Assembleia que revogasse os seus mandatos e os concedesse a outros militantes do partido, presumivelmente mais fiéis à direcção. O órgão respondeu no dia seguinte e autorizou as substituições. Mas os 15 deputados não acataram a decisão da Assembleia – a Liga Guineense dos Direitos Humanos defende-os e diz que a decisão de lhes retirar o mandato é ilegal.

Isto fez com que, na segunda-feira, no momento de votar novamente o programa de Governo, estivessem na Assembleia Nacional os quinze deputados expulsos do PAIGC e os seus substitutos. O presidente da Assembleia, Cipriano Cassamá, também ele aliado da direcção do PAIGC e criticado no passado pelo Presidente da República, optou por suspender a sessão.

Ao fazê-lo, Cassamá, Governo e deputados do PAIGC abandonaram a sala da Assembleia, deixando para trás os quinze dissidentes e os representantes da oposição do Partido para a Renovação Social (PRS). Os dissidentes do PAIGC aliaram-se aos deputados do PRS. Estando em maioria, decidiram prosseguir a sessão parlamentar, alegando que não se observava a suspensão dos trabalhos, mas apenas o abandono do presidente da Assembleia e Governo.

Sem electricidade na sala – os deputados usaram as lanternas dos seus telemóveis –, o segundo vice-presidente da Assembleia encarregou-se dos trabalhos e conduziu a aprovação de três resoluções: moção de censura ao Governo, restituição do mandato de deputados aos 15 dissidentes do PAIGC e, por fim, a destituição de Cipriano Cassamá e do seu primeiro vice-presidente.

O PAIGC garante que as decisões tomadas pelo parlamento na segunda-feira são nulas. Numa conferência de imprensa ao final do dia, Cipriano Cassamá defendeu que, depois do fecho de uma sessão, “todos os actos subsequentes são regimentalmente inexistentes”. “Constatou-se a presença dos indivíduos expulsos, no Parlamento, presença que criou situações inadequadas ao normal funcionamento dos trabalhos”, disse. Nesta terça-feira, o Governo demitiu o comandante geral da polícia por ter permitido a entrada dos deputados dissidentes.

O gabinete do Presidente da República, José Mário Vaz, confirmou ao PÚBLICO ter recebido as três resoluções aprovadas na segunda-feira, mas coibiu-se de avaliar a sua legitimidade. Fernando Mendonça, porta-voz e conselheiro na presidência, entende que não cabe a José Mário Vaz pronunciar-se sobre disputas parlamentares, mas adianta que o Presidente pode optar por promulgar os documentos.

A cisão entre Presidente e chefia do PAIGC é evidente. Eleito pelo partido em 2014, demitiu em Agosto o Governo do actual líder da formação, Domingos Simões Pereira, contra as advertências da comunidade internacional. Nesse momento eclodiu a crise a que se assiste nas disputas desta semana. O Presidente apontou ainda um novo primeiro-ministro, Baciro Djá – que faz parte do grupo de 15 dissidentes. Mas o Executivo durou apenas um dia: o Supremo Tribunal de Justiça considerou-o inconstitucional.

Mesmo o actual Governo de Carlos Correia foi arrancado a ferros, com algumas pastas sem ministros e já depois de a presidência ter recusado três formações diferentes. Mesmo assim, é um Governo em linha com o de Simões Pereira, que ainda foi sugerido uma segunda vez como primeiro-ministro e, depois, para a Presidência do Conselho de Ministros, o que faria dele o número dois de Carlos Correia.  

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