Ajuda chegou a Madaya, onde o cenário é "simplesmente horrível"

Operação humanitária de distribuição alimentar e tratamentos médicos em cidade síria cercada pelas forças de Assad deverá prolongar-se por vários dias, diz Cruz Vermelha.

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Muitas famílias reuniram-se para esperar o comboio humanitário, esperando sair da cidade juntamente com os camiões, Omar Sanadiki /REUTERS

Os 60 camiões com ajuda alimentar e assistência médica, enviados pela Cruz Vermelha e outras organizações internacionais para a cidade de Madaya, cercada pelas forças do regime de Bashar al-Assad, chegaram tarde demais para um menino de nove anos e cinco homens com mais de 45, que sucumbiram à fome horas antes da entrada do pessoal humanitário naquela localidade sitiada, a meio caminho entre a capital da Síria e a fronteira com o Líbano.

Depois de mais de meio ano de cerco, que provocou uma escassez de tal forma extrema que a população já subsistia à custa de soluções de água fervida com açúcar e erva recolhida em campos minados, o pessoal humanitário deparou-se com uma situação verdadeiramente dramática.

Numa clínica dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) encontravam-se pelo menos 250 pessoas em estado muito crítico por inanição – incluindo dez a necessitar de translado urgente para cuidados hospitalares mais sofisticados. Em declarações à BBC, o director operacional dos MSF, Brice de la Vigne, resumiu em duas palavras o cenário em Madaya: “Simplesmente horrível”.

A ajuda humanitária também chegou esta segunda-feira a Foua e Kefraya, na província de Idlib: são duas vilas de maioria xiita que estão cercadas pelas forças rebeldes que combatem o regime do Presidente Assad, um colectivo que integra grupos extremistas como a Frente al-Nusra e Ahrar al-Sham. Estima-se que 20 mil pessoas estejam “retidas” naquelas vilas desde Março de 2015.

À espera de ajuda
As colunas humanitárias formaram-se ao início do dia, a partir de Damasco, mas a (curta) viagem de 25 quilómetros desde a capital acabou por demorar horas. Só da parte da tarde surgiu a confirmação de que a ajuda estava “às portas de Madaya” e prestes a entrar na cidade. Imagens transmitidas pelo canal de televisão Al-Manar, ligado ao Hezbollah, mostravam mulheres e crianças a chorar na rua, à espera da Cruz Vermelha.

Em mais de 60 camiões seguiram mantimentos suficientes para alimentar 40 mil pessoas durante um mês – água, farinha, açúcar, arroz, azeite, sal, leite em pó para bebés – e outras provisões como agasalhos e cobertores, além de equipamento médico e cirúrgico.

“Esperávamos ansiosamente desde as cinco da manhã; a situação é desesperada e já era tempo de esta operação ser autorizada”, contou um activista da cidade, Abou Ammar, ao telefone com a Al-Jazira. “A operação deverá durar alguns dias. Este desenvolvimento é positivo, mas para o alívio do sofrimento de dezenas de milhares de pessoas, este tipo de distribuição não pode ser um acontecimento isolado, tem de acontecer com regularidade”, disse em comunicado a responsável pela delegação da Cruz Vermelha na Síria, Marianne Gasser.

O acesso das organizações internacionais a Madaya foi negociado com o Governo de Damasco e os representantes da coligação de oposição, as Nações Unidas e a Cruz Vermelha, na semana passada, depois da divulgação nas redes sociais de imagens chocantes de bebés, crianças e adultos em pele e osso e sem nada para comer. Apesar de não terem certificadas por observadores independentes, as imagens e os relatos que chegaram de Madaya foram classificados como “credíveis” pela ONU e outras organizações internacionais.

Em Dezembro, os MSF atribuíram a morte de 28 pessoas, incluindo seis bebés, a malnutrição severa e fome. À Reuters, um médico local, Mohammed Yousef, disse que nos últimos dois meses 67 pessoas morreram de fome, ou por falta de tratamentos, a maior parte deles idosos, crianças e mulheres.

O acesso a Madaya, sob o domínio dos rebeldes, só foi autorizado mediante a entrada da ajuda das organizações internacionais no território controlado pelas forças do regime. Muitas famílias reuniram-se para esperar o comboio humanitário, esperando sair da cidade juntamente com os camiões, quando regressarem.

A viagem foi ligeiramente mais longa para as colunas que se encaminharam para Foua e Kefraya, a partir da cidade de Homs, num percurso de mais de 300 quilómetros – foi por causa dos termos do acordo para o auxílio internacional, que determinavam a entrada em simultâneo nas áreas sitiadas, que os camiões demoraram horas a aceder a Madaya. A carga dos primeiros quatro camiões foi inspeccionada pelos combatentes rebeldes posicionados à entrada das localidades; depois destes, deveriam chegar mais 16 veículos pesados.

De acordo com a ONU, noutras 15 localidades sitiadas e sem comida e produtos essenciais permanecem cerca de 400 mil pessoas em situação de extrema precariedade. As forças leais ao regime de Assad mantêm o cerco a vários subúrbios de Damasco, à área de Ghouta e a Zabadani, na mesma região montanhosa de Madaya. Forças de oposição impedem o acesso a proviações da província de Idlib, no Norte; militantes do Estado Islâmico activos mais a Leste mantêm isolada a cidade de Deir al-Zour.

E distantes das frentes de combate, em áreas remotas e de difícil acesso, estão 4,5 milhões de sírios em dificuldades, muitos em campos de refugiados, sem abrigos adequados para as temperaturas negativas do Inverno.

Nos cinco anos de guerra civil e conflito sectário na Síria, os cortes de abastecimento eléctrico ou de combustíveis e os bloqueios de alimentos e outros bens de primeira necessidade têm sido usados de forma estratégica por ambos os lados para obter vantagem política e militar. Uma comissão de inquérito das Nações Unidas denunciou o recurso aos cercos “planeados e coordenados de forma desumana” com o objectivo de “forçar as populações a renderem-se ou a morrer à fome”: no final do ano, uma resolução adoptada pelo Conselho de Segurança comprometeu as partes envolvidas no conflito a permitir a entrada de apoio humanitário antes do arranque das negociações de paz, marcadas para o fim de Janeiro.

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