Oposição ao chavismo toma posse em clima de incerteza e confronto

Governo condiciona ao máximo a acção do poder legislativo. Nicolás Maduro apodera-se do Banco Central e ameaça com dissolução da maioria oposicionista na Assembleia.

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Deputados da oposição no Parlamento a exigirem a amnistia dos presos políticos Carlos Garcia Rawlins/Reuters

A primeira oposição de maioria parlamentar em 16 anos de regime chavista na Venezuela tomou posse esta terça-feira. A poucas horas de o fazer, porém, queixava-se de que os seus microfones na Assembleia Nacional tinham sido sabotados e que já não existiam câmaras para que a cerimónia fosse transmitida na televisão. “Têm de se começar a habituar ao facto de serem uma minoria”, disse, apontando o dedo ao Governo, Henry Ramos Allup, eleito como o novo presidente do máximo órgão legislativo no país. A ouvi-lo estavam os jornalistas, autorizados pela primeira vez desde 2008, a estarem presentes no hemiciclo.

A aliança de partidos de esquerda e direita que compõe a Mesa da Unidade Democrática (MUD) conseguiu uma vitória retumbante nas eleições de Dezembro e uma maioria de dois terços na assembleia que lhe dá mais poder do que o regime quer ceder. Daí que os socialistas bolivarianos tenham usado nas últimas semanas o seu controlo sobre o aparelho de Estado para colocarem o máximo número de obstáculos no caminho da oposição. 

O confronto entre oposição e “oficialismo” é feito em aberto. Na segunda-feira, Henry Allup foi impedido de entrar no edifício da Assembleia por um segurança não identificado. Retirava-se quando o carro em que viajava foi cercado por uma multidão de apoiantes do chavismo, que o insultou, esmurrando o veículo. Opositores e socialistas pediram aos apoiantes para estarem esta terça-feira nas imediações da Assembleia, onde, ao início da manhã (hora local), se viam já dezenas de militares e polícias.

Mas, sem violência nas ruas, o primeiro enfrentamento deu-se no interior do edifício. O Supremo Tribunal de Justiça – alinhado com o “oficialismo” – aceitou que se suspendesse, a título de medida cautelar, os resultados das eleições no estado do Amazonas. Isto significa que três deputados da MUD e um do Partido Socialista Unido (PSUV) não puderiam para já tomar posse. A oposição ignorou a ordem e levou os seus 112 deputados à cerimónia de inauguração – o número exacto para uma maioria de dois terços – mas os três deputados suspensos acabaram por não tomar posse. Muitos oposicionistas levaram cartazes e gritaram a exigência da libertação e amnistia dos prisioneiros políticos. 

Na segunda-feira, em discurso a partir do Palácio de Miraflores, o Presidente venezuelano tinha feito uma ameaça velada à decisão da MUD. Da parte dos apoiantes do Governo, com quem reunira antes, só os “reconhecidos” entrariam na Assembleia. Nicolás Maduro lembrava à oposição – ou à “burguesia” e “contra-revolução”, como lhe tem vindo a chamar – que a entrada não autorizada de deputados podia levar à dissolução da Assembleia, como tinha avisado Luís Martinez, antigo juiz do Supremo.

Tal não aconteceu, e numa sessão caótica, lá se foram votando as eleições de Henry Ramos Allup, dos seus dois vices e de outros orgãos dirigentes  da Assembleia. Ao início da tarde, os deputados da bancada revolucionária abandonaram a sessão denunciando violações às regras de debate, quando a oposição se preparava para apresentar a agenda parlamentar. Os trabalhos continuaram só com a oposição na sala.

Bloqueios

Na noite de segunda-feira, Maduro alterou por completo o funcionamento do Banco Central ao promulgar uma lei que lhe dá o controlo quase total da instituição.

É a figura do Presidente quem tem agora poder para designar o chefe do regulador financeiro por períodos de seis anos; os deputados perdem o direito de vetar nomeações e apontar duas figuras para a direcção; o ministro das Finanças passa a ter de integrar os responsáveis do órgão, quando antes era impedido de o fazer; e a lei que antes proibia que o Banco Central emprestasse dinheiro ao Estado deixa de se aplicar em casos de “interesse público” e “de ameaça interna ou externa”.

Foi o próprio Maduro quem concebeu esta lei e a anunciou no dia 30 de Dezembro, quando ainda podia legislar sobre qualquer matéria – poder que lhe foi dado pela anterior Assembleia. Ao controlar o Banco Central, Maduro assegura-se de que a maioria oposicionista não possa revelar os dados de desempenho económico ou o valor da inflação no país – que algumas estimativas dizem andar pela casa dos 185% em 2014 –, valores que o Governo mantém em segredo.

Este não é o único mecanismo pensado pelos bolivarianos para limitar o poder da oposição. Celebrou-se também na segunda-feira a primeira sessão do chamado Parlamento Comunal, um órgão recuperado pelo “oficialismo” para, como disse então Maduro, combater a “assembleia burguesa” e prosseguir a “construção do socialismo”. Há ainda muitas dúvidas sobre como funcionará esta instituição, que até agora existiu, como explica o El País, como “lei morta”.

Em frente ao Panteão Nacional, a ministra venezuelana do Poder Popular, Isis Ochoa, explicou que o órgão pode tomar decisões de gestão local para cada uma das 1400 comunas que integram as 24 províncias do país. Aqui inserem-se temas de “educação, saúde e serviços”, o que sublinha os receios da oposição, que vêm neste novo parlamento uma estrutura paralela do poder de Estado.   

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