O ano correu muito bem a...

Wasted Rita, a miúda a quem o ano já corria bem antes de Banksy a chamar

Designer gráfica e ilustradora, Wasted Rita integrou a maior exposição de Banksy em Inglaterra. 2015 foi o ano do seu reconhecimento nacional, ano em que teve também a sua primeira grande exposição a solo em Lisboa.

Wasted Rita tem 27 anos e há três anos que se dedica profissionalmente à ilustração Enric Vives-Rubio

Provocadora, arrojada, sarcástica. Designer gráfica, ilustradora, artista. Eis, em poucas palavras, Rita Gomes, ou melhor, Wasted Rita. Aos 27 anos, a miúda que escreve umas frases provocadoras e com piada já não passa despercebida. Depois de dois anos a dar mais que falar lá fora do que por cá, 2015 foi finalmente o ano do seu reconhecimento e afirmação. Vhils (Alexandre Farto) apostou nela para uma exposição a solo na sua Underdogs, em Lisboa. Banksy, o britânico cuja identidade se mantém um mistério, chamou-a para o seu parque de diversões, Dismaland, onde expôs ao lado de alguns dos maiores nomes da arte mundial.

“Eu nunca imaginei chegar aqui ou ter conseguido metade do que já consegui hoje mas ao mesmo tempo também nunca me imaginei a fazer outra coisa”, começa por nos dizer Rita Gomes. “Isso deu-me a força necessária para nunca desistir de fazer isto e provavelmente foi o que me fez chegar onde estou”, continua a designer de formação mas artista de vocação. “Assim que deixei a universidade, comecei a concentrar-me mais em ilustração, da ilustração comecei também a explorar texto, depois comecei a combinar as duas e entretanto agora é mais texto do que outra coisa.”

Design nunca foi realmente aquilo que queria para a sua vida. Sabia que não era rapariga para trabalhar no estúdio de alguém. Queria fazer as suas coisas, passar para o papel as suas ideias. Ela que ainda em criança sonhava ser veterinária. “Fui para Design [na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto] porque estava num agrupamento de artes em Ermesinde em que só se falava de duas opções: Design e Arquitectura. Arquitectura sempre soube que não queria, então o curso de Design parecia uma melhor opção. Só isso.”

Só isso, assim sem grandes explicações. Rita não faz fretes. “Tenho diariamente o gosto de dar prioridade à honestidade mesmo que seja uma coisa que deixe as pessoas um bocado de pé atrás ou que as faça até ter um bocado medo de mim”, conta, defendendo que o mais importante é sentir que está a fazer a coisa certa, “sem passar por cima de ninguém”.

Se dúvidas existem, é conhecer o seu trabalho. Sem papas na língua. Frontal e corajosa. Tudo começou com um blogue, o Bored Rita, onde publicava os seus trabalhos, entre os quais se destacam as frases simples, tantas vezes duras e sempre irónicas, com o seu traço já tão característico. “I can´t write about happiness I know little about it” (Não sei escrever sobre felicidade, sei muito pouco sobre isso), “It’s not you it’s everyhting you are not” (Não és tu, é tudo o que tu não és), “The art of always wanting what’s impossible to get, do or have” (A arte de querer sempre o que é impossível de conseguir, fazer ou ter), ou “The more I know people the more I love snakes” (Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de cobras).

“O meu trabalho é muito genuíno, é uma coisa muito humana”, diz a artista. “E isso provoca sempre uma reacção nas pessoas, para o bem ou para o mal”, continua. Sempre que nas redes sociais publica alguma coisa, são muitas as partilhas e os comentários. Quem a segue, identifica-se com o que escreve. “Eu, sinceramente, não gosto muito de pensar nessa parte, no que é que o meu trabalho provoca. Isto é um projecto muito egocêntrico, trata-se do que eu faço para conseguir estar bem no mundo e para conseguir ser um bocadinho menos misantropa todos os dias, para tolerar as pessoas um bocadinho mais”, explica, afirmando-se, sem rodeios, uma pessoa pouco sociável.

A viver actualmente em Lisboa, cidade que trocou pelo Porto, Rita é mais de observar do que de falar. Só assim consegue fazer o que faz. “O meu trabalho vive de reacções a coisas que acontecem diariamente, tenho de conseguir estar atenta ao que se passa para conseguir responder a certos episódios, certos estímulos”, diz, contando que apesar de se ter estabelecido em Lisboa, não tenciona parar pela cidade muito tempo. “Tenho de viajar várias vezes, preciso de quebrar rotinas, é essencial para o que faço.”

Talvez por causa dessa necessidade de quebrar rotinas, não saiba responder ao certo como é que trabalha. “Acho que passados três anos, ainda não sei muito bem qual é o meu processo de trabalho, acho que ele não existe mesmo”, explica. “Eu acordo todos os dias e faço o que tenho a fazer, mesmo que não seja trabalho, e depois ao fim do dia sento-me e se tiver uma folha e começar a escrever uma palavra, outras palavras vão começar a surgir.” Se assim não acontecer, a música é uma ajuda. Isso, e uma grande influência também, dada a quantidade de referências no seu trabalho. Ela própria diz numa das suas frases que não é anti-social, gosta mais é de ouvir punk-rock. Se for sozinha, melhor. “Eu não gosto nada da palavra inspiração, parece que estamos a falar de alguma coisa que vem do céu e cai no artista e então o artista sente-se iluminado e começa a fazer coisas. Eu sento-me, penso em coisas e escrevo.”

Quando lhe perguntamos porque só trabalha em inglês, a resposta é rápida: “Porque quero”. “Quando comecei a fazer este tipo de frases, não estava em Portugal por isso nem fazia sentido estar a pensar em português. Sempre que penso, penso em inglês”, explica, admitindo que talvez seja por isso que o reconhecimento em Portugal demorou a chegar. Nada que a preocupe. “Hoje em dia a primeira plataforma a que recorres para divulgar o teu trabalho é a Internet e a Internet não tem nacionalidade. O meu trabalho começou a aparecer em sites internacionais e comecei assim a ter oportunidades lá fora. Depois das oportunidades lá fora começaram as oportunidades cá”, continua, contando que, apesar de não ser geral, em Portugal, sente que “sempre houve muita relutância em relação à agressividade” do seu trabalho. Nem mesmo os pais a compreenderam sempre. “No início estavam muito duvidosos mas um dia tive um convite para ir expor a Paris e a partir desse convite mudaram de comportamento. Agora não percebem mas apoiam muito.”

A receptividade do seu trabalho não é uma preocupação, garante, mas agora que a tem, sente-se feliz. Se Wasted Rita tem agora um lugar de destaque, tudo se deve ao que fez em 2013 e 2014, diz. “Foram anos muito fundamentais para mim, em que fiz muito mais do que fiz em 2015, principalmente pela Europa. Portanto, 2015 foi uma consequência desses dois anos.”

Consequência desses anos foi também ter sido um dos destaques de Dismaland, o projecto mais ambicioso que Banksy levou a cabo em Inglaterra. Corria o mês de Agosto quando o artista britânico anunciou o seu sombrio parque de diversões – imagine-se a Disneyland na ruína – numa colaboração com mais de 50 artistas, de Damien Hirst, Bill Barminski, Caitlin Cherry, Polly Morgan, Josh Keyes, Mike Ross ou David Shrigley a Wasted Rita, a única portuguesa ali no meio. Quando se achava que o que estava a acontecer num abandonado complexo recreativo em Weston-super-Mare, junto ao Canal de Bristol, era a rodagem de um filme, Banksy anunciou uma megaexposição, com concertos às sextas-feiras, que duraria pouco mais de um mês. Todas as atenções viraram-se para ali, à semelhança, aliás, do que acontece com qualquer coisa que Banksy faça.

Rita continua como nós, desconhece a verdadeira identidade de Banksy, tanto que quando recebeu o convite para participar na Dismaland, achou tratar-se de uma brincadeira. “Foi um convite como qualquer outro e eu até ignorei um bocado porque não sabia o que era e não me estavam a dar informações. Depois lá percebi que era uma coisa grande e que devia participar. Mas foi um convite normalíssimo, tirando a parte de ser uma das maiores exposições do ano”, recorda, contando que nem por estar envolvida na exposição teve direito a informações adicionais. Banksy manteve o segredo, até com aqueles que tinha chamado. “Só soube o que ia ser no dia anterior”, acrescenta. Na Dismaland teve três diferentes séries em exposição.

E o que mudou depois disso? “Acho que me deu muita visibilidade e em Portugal, em particular, ganhei algum respeito. Já não sou só aquela miúda que escreve algumas coisas. Agora sou a miúda que escreve algumas coisas e que Banksy aprova”. E isso não lhe agrada propriamente. “É um bocado mau e irrita-me um bocado, mas, pronto, agora tenho selo de qualidade”, diz em tom de brincadeira, lembrando que já antes tinha conseguido um selo de qualidade quando Vhils a convidou para em Março expor na galeria Underdogs, em Lisboa. “O Vhills acreditou mesmo em mim.”

Depois disto, vem talvez a prova maior. “Eu sei que o meu trabalho para viver tem mesmo de ser uma coisa egocêntrica e sem pensar nas outras pessoas e às vezes não me consigo soltar tão bem, agora com tanta visibilidade não consigo deixar de pensar no público”, confessa. “Mas também acho que já estou a ganhar métodos para conseguir equilibrar as duas coisas. Acho que vai ser a minha luta neste momento, não me deixar influenciar pelo público ou pelas reacções. Ou seja, não me deixar influenciar por essa responsabilidade.”

Quanto a planos para 2016, há coisas a acontecer, garante. Uma intervenção por Lisboa, com o apoio novamente da Underdogs, talvez uma exposição em Londres e qualquer coisa na Bélgica. “Mas para já não quero falar, não gosto de falar de planos.”

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Rita Gomes no seu espaço de trabalho Enric Vives-Rubio
DR