Ted Cruz é o sapo que o Partido Republicano pode ter de engolir

Guerra de bastidores para travar nomeação de Donald Trump pode levar a liderança do partido a ter de apoiar um dos príncipes do movimento Tea Party, que está a subir nas sondagens.

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O senador do Texas teve uma subida de 21 pontos no Iowa, o primeiro estado a ir a votos em 2016 CARLOS BARRIA/REUTERS

Apesar da atenção dispensada a Donald Trump e ao crescente receio na Europa de que ele venha a ser o próximo Presidente dos EUA, a corrida para substituir Barack Obama na Casa Branca em 2016 está a revelar-se um verdadeiro pesadelo, acima de tudo, para o Partido Republicano. Assustados com a retórica incendiária do magnata, os líderes mais influentes e moderados do partido começam a olhar para o senador Ted Cruz como um dos maiores sapos que terão de engolir em toda a sua carreira política – ele que é considerado um dos príncipes do movimento conservador Tea Party, e que forçou os seus próprios líderes no Congresso a provocarem a paralisação do Governo federal em 2013, numa luta sem quartel contra o Obamacare.

O processo para a escolha do nome que vai concorrer à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano ainda nem sequer chegou à fase das votações nos estados do país, mas faltam menos de 50 dias para a eleição no Iowa, e a guerra das sondagens está mais acesa do que nunca.

Nos últimos dias, a liderança de Donald Trump no primeiro estado a ir a votos sofreu um duro golpe, desferido pelo conservador Ted Cruz, que há um par de meses estava 20 pontos percentuais atrás do magnata do imobiliário. Desde sábado passado, várias sondagens têm mostrado uma subida meteórica do senador do Texas – a do jornal Des Moines Register, que é a principal referência para quem avalia o que se passa no Iowa, deu uma vantagem de dez pontos percentuais a Ted Cruz em relação a Donald Trump. Para se ter uma ideia da importância deste resultado, os 21 pontos percentuais que Cruz ganhou em relação à sondagem anterior, realizada em Outubro, foi a maior recuperação dos últimos cinco ciclos eleitorais no Iowa.

Donald Trump continua seguro na liderança a nível nacional, com a sua base de apoio a rondar os 30% na média das sondagens, e ainda por cima já sem a luta que o neurocirurgião reformado Ben Carson lhe deu até há bem pouco tempo. Agora é Ted Cruz quem surge em segundo lugar, mas a uns ainda distantes 13 pontos percentuais, segundo a média das seis últimas sondagens ponderadas pelo site RealClearPolitics.

Quando apresentou a sua candidatura, em Junho, Donald Trump não passava de uma distracção para a liderança do Partido Republicano e um motivo de chacota para muitos apresentadores de programas humorísticos. Mas os últimos seis meses transformaram-no numa ameaça cada vez mais credível ao núcleo do partido – o chamado establishment –, que candidatos como Trump e Ben Carson acusam de estarem mais interessados em perpetuar o seu poder em Washington do que em resolver os principais problemas do país e a enfrentar o Partido Democrata.

Ao contrário do que muitos acreditavam no início, a enorme boca de Donald Trump não o tem prejudicado nas sondagens, e é isso que o Partido Republicano teme – há sinais de que o establishment está a levar cada vez mais a sério a possibilidade de Trump dominar o processo eleitoral e chegar à convenção do partido, em Julho de 2016, com os votos suficientes para vir a disputar as eleições gerais contra a provável nomeada pelo Partido Democrata, Hillary Clinton.

Esta hipótese é um pesadelo para o núcleo do Partido Republicano porque uma das bandeiras de Donald Trump nesta campanha é a promessa de cortar com muito do que esse núcleo representa – Trump não se limita a não querer fazer o jogo do partido; quer criar as suas próprias regras.

Foi por isso que quase todos os outros candidatos à nomeação pelo Partido Republicano criticaram com violência a proposta de Trump de suspender a entrada de muçulmanos nos EUA – imigrantes ou turistas – após o ataque em San Bernardino, na Califórnia, em que os atiradores Syed Farook e Tashfeen Malik mataram 14 pessoas.

Mas Ted Cruz manteve-se fiel à sua estratégia inicial de não hostilizar publicamente Donald Trump, e parece começar a colher os primeiros frutos. Não por acaso, na semana passada começaram a ser divulgadas declarações do senador do Texas, gravadas sem o seu conhecimento durante uma acção de campanha de fundos, em que ele questionou o "discernimento" de Donald Trump.

Como tem sido hábito, o magnata correu para o Twitter e disparou contra o agora ameaçador Ted Cruz: "Fiquei desiludido com o Ted Cruz por ele ter sido apanhado a falar nas minhas costas e depois ter desmentido. Bem-vindos ao maravilhoso mundo da política!"

Antes da mensagem de Trump, Ted Cruz tentara apagar o fogo logo no início, mostrando mais uma vez que a sua estratégia é colar-se ao magnata, não fazer muitas ondas, e esperar o momento em que os barões do Partido Republicano não tenham outra opção que não seja atirar todo o seu apoio para cima dele, como se fosse o menor dos males: "A única esperança do establishment: eu e Trump numa arena de combate. Lamento desapontar – o Donald Trump é sensacional."

Mas a troca de Donald Trump por Ted Cruz é um cenário muito mais difícil de engolir para o Partido Republicano do que uma troca de Donald Trump por Jeb Bush ou por Marco Rubio, ambos mais alinhados com o núcleo do partido.

Cruz, de 44 anos, é o candidato preferido do movimento conservador Tea Party, e em 2012 obteve o apoio de Sarah Palin na corrida para um lugar no Senado. Considerado um orador brilhante e profundo conhecedor da Constituição – que gosta de levar à letra, principalmente a emenda sobre a posse de armas –, foi o congressista republicano que mais se destacou na crise de Outubro de 2013, que levou à paralisação do Governo federal durante duas semanas (o shutdown).

A Casa Branca acabou por vencer esse braço-de-ferro, chegando a acordo com o Partido Republicano na Câmara dos Representantes, algo que Ted Cruz nunca perdoou aos seus próprios líderes. Desde então, ele e outros congressistas próximos do Tea Party lutaram para afastar o republicano John Boehner da liderança da Câmara dos Representantes – o que acabou por acontecer há menos de dois meses, com a substituição de Boehner por Paul Ryan, um dos ideólogos do Tea Party, que foi perdendo muito do apoio dessa ala mais conservadora (por ter liderado compromissos com o Partido Democrata), mas que ainda assim é respeitado.

Num mundo em que o outrora vencedor antecipado Jeb Bush quase desapareceu das sondagens, e em que outros candidatos mais próximos do núcleo dos republicanos não descolam (como Marco Rubio), o partido começa a resvalar lentamente para um pesadelo. Se cerra fileiras à volta do candidato que lhes restar para além de Donald Trump, arrisca-se a ver o magnata sair da corrida e a voltar a entrar como candidato independente – neste cenário, a popularidade de um terceiro candidato tão poderoso como Donald Trump pode dispersar ainda mais os votos e entregar de bandeja a Casa Branca novamente ao Partido Democrata.

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