“É assustador, é. Mas devemos continuar”

Bruxelas acordou para um sábado muito diferente, com o metro encerrado e militares a patrulharem o centro.

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Soldados e militares em patrulha no centro de Bruxelas Reuters/Youssef Boudlal

O soldado está em patrulha na zona de Louise. Nesta tarde de sábado, são tão menos do que o habitual as pessoas que passeiam numa das mais famosas avenidas comercias de Bruxelas, a capital belga. “Esta noite e domingo à noite é muito, muito perigoso”, diz o militar belga.

As autoridades belgas estão em alerta máximo desde a uma da manhã deste sábado. De acordo com o primeiro-ministro, Charles Michel, há “informações precisas” que apontam para o risco de ocorrer em Bruxelas um ataque semelhante ao que vitimou 130 pessoas na semana passada em Paris.

Bruxelas preveniu-se fechando o metro, bem como vários centros comerciais. Alguns eventos desportivos foram cancelados, vários concertos, incluindo dois de Johnny Haliday. Museus e galerias não chegaram a abrir as portas.

Todos os habitantes foram aconselhados a evitar espectáculos e grandes concentrações de pessoas. O resultado foram as ruas visivelmente mais vazias.

“Hoje tivemos menos clientes. Normalmente o café está cheio aos sábados, mas creio que por causa da ameaça terrorista muitas pessoas preferiram evitar este café,” diz uma empregada numa das mais frequentadas cadeias de café na cidade. “E estamos a fechar mais cedo porque a polícia nos pediu,” explicou, dizendo que as autoridades tinham passado há poucos minutos a pedir que fechassem mais cedo.

Com os autocarros e os comboios a funcionarem, alguns mercados de rua abriram durante a manhã e a maioria das lojas também. Mas a meio da tarde metade já tinham fechado. E ao final do dia, a tendência era para encontrar não só as lojas, mas os bares e restaurantes encerrados. Halles Saint-Géry, o centro nocturno de Bruxelas, estava completamente deserto.

Pelo menos mil soldados foram mobilizados para patrulhar o centro comercial de Bruxelas, onde eram visíveis viaturas blindadas. Nalgumas praças, viam-se militares no telhado de edifícios públicos, com armas de mira telescópicas.

O restaurante de fast-food Quick — também ele com diversos edifícios pela capital — foi encerrado. Lojas como H&M e Zara na rue Neuve — o grande centro comercial ao ar livre da cidade — também foram fechadas pelas autoridades.

Comerciantes espalhados um pouco por toda a capital descreveram um sábado — um dia típico para compras, visto que a maior parte das lojas fecha ao domingo — diferente.

Xavier Maurissen, dono de uma sapataria, falou num dia fraco para o negócio. “Porque o nível de alerta é alto e o metro está fechado é também difícil para as pessoas se movimentarem pela cidade.” O mau tempo, com muito frio e neve, também não ajudou, diz.

Até a típica carrinha de waffles no centro de Louise não chegou a ter a fila de turistas de sempre. “Claro que tive menos clientes, as lojas estão fechadas,” queixou-se o vendedor. “Mas amanhã estou cá outra vez. Tenho de trabalhar. Poucos clientes é melhor do que não ter nenhuns clientes.”

Fechar tudo
Vários habitantes de Bruxelas e turistas não deixaram o medo tomar conta dos seus planos. “Sinto-me segura e não vamos alterar o fim-de-semana planeado”, diz uma jovem francesa de visita com o namorado à capital belga. “Apenas lamento ter vindo neste fim-de-semana pelo tempo.”

Muitos habitantes continuam a sentir-se seguros e a recusar alterar o seu quotidiano. “Não, não me sinto inseguro. E não vou alterar a minha rotina,” afirmou, decidido, Xavier, da loja de sapatos. “Vivo em Bruxelas desde que nasci, não me parece que a cidade esteja diferente, que esteja mais insegura.”

Também Bianca Baumler, uma jovem alemã que trabalha em Bruxelas há quatro anos, decidiu “não mudar os planos para este fim-de-semana.” “A decisão das autoridades de fechar lojas e transportes públicos é bastante exagerada”, considera a gestora, à conversa enquanto tomava café numa das zonas mais frequentadas da capital. “Eu não creio que fechar tudo na cidade seja a melhor e a mais eficiente resposta” a uma ameaça, disse, com firmeza.

No entanto, quando questionada se se sente segura, respondeu hesitante: “Nunca se sabe... Mas com o metro fechado e neve a cair há maiores probabilidades de eu ter um acidente de carro.”

“Ninho de terroristas”
Outros tentam resistir e continuar com as suas rotinas, mas confessam que, por estes dias, só vão a locais onde sabem que não haverá muitas pessoas. “Evito qualquer evento com muita gente, daí que desde o fim-de-semana passado não tenha saído sequer uma vez à noite,” diz Rosana Branco, uma enfermeira portuguesa há seis meses na cidade.

Quando chegou a Bruxelas para trabalhar, Rosana começou por viver em Molenbeek – o bairro dos subúrbios da capital de que todos falam. Vários dos terroristas envolvidos nos ataques a Paris têm origem nesta zona e não é a primeira vez que o nome Molenbeek surge relacionado com ataques terroristas.

“Saber que vivi um mês no maior ninho de terroristas da Europa deixa-me ainda mais insegura,” revela a jovem de 25 anos. A Bélgica é o país da União Europeia que mais cidadãos tem em termos per capita a combater na Síria com o autoproclamado Estado Islâmico, que reivindicou os atentados de Paris. A maioria vivia em Molenbeek.

Para a recém-chegada a Bruxelas toda a instabilidade que a Bélgica vive por estes dias leva-a a considerar até quando ficará longe de Portugal. “Claro que penso se devo ir embora ou não. Pelo menos em Portugal, apesar da crise económica e política, estas situações de terrorismo iminente e medo não existem de momento.”

Tantos soldados
Também Sandra, uma belga funcionária pública que viu o jogo de basquetebol do seu filho pequeno cancelado este sábado, acredita que é preciso tomar precauções. “Se há um aumento do nível de alerta é porque a ameaça é real. Não há razão para a Bélgica ser poupada.”

Apesar da resistência dos habitantes, Bruxelas não é hoje aquilo que era há pouco mais de uma semana. Desde os ataques em Paris que o ambiente é de algum sobressalto. As autoridades conduzem rusgas quase todos os dias. Já houve diversas ameaças de bomba. Soldados e viaturas militares tomam conta das principais avenidas. A paisagem calma e fria de Outono na capital belga está diferente.

“Ver tantos soldados na rua é tranquilizador, mas ao mesmo tempo lembra que a situação é grave,” diz Sandra.

Ainda que alguns prefiram evitar locais demasiado frequentados e outros não pensem tanto sobre onde vão, há algo que une todos os habitantes de Bruxelas – a vontade de enfrentar o medo e resistir à ideia de que o coração da Europa está em perigo. Para Sandra, “a vida não deve parar, mesmo por causa dos terroristas, pois seria uma vitória para eles”.

Uma recepcionista num dos maiores hotéis da capital saía do trabalho e punha-se a caminho de um bar com um amigo. “É assustador, é. Mas devemos continuar. Há que continuar.”

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