O Mali é um barril de pólvora novamente pronto a explodir

Os islamistas do Mali estão novamente bem organizados, bem armados e muito motivados — como disse François Hollande quando justificou a intervenção militar francesa de 2013.

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Um homem tenta salvar manuscritos do centro de investigação Ahmed Baba, em Timbuktu ERIC FEFERBERG/

Os analistas já tinham avisado — o acordo de paz assinado em Maio pelo Governo do Mali e por alguns grupos políticos e armados era demasiado frágil para criar unidade no país e enfraquecer os combatentes islamistas. Estes estão novamente a expandir o seu campo de acção e o ataque desta sexta-feira a um hotel da capital, Bamaco, é prova disso.

O ataque é também visto como uma reacção à declaração de guerra que, depois dos atentados de 13 de Novembro, a França fez contra o terrorismo islâmico — o assalto ao hotel é um exemplo da unidade, ou da afinidade, nos objectivos de grupos como o Estado Islâmico (responsável pelos ataques de Paris) e a Al-Qaeda do Magrebe Islâmico, com quem estão relacionados os grupos que actuam no Mali.

Mas do ponto de vista interno, a tomada de reféns é a prova de que apesar das negociações de paz, das intervenções militares estrangeiras ou da presença de missões internacionais, a estabilidade não chega a este país africano. Na verdade, em 55 anos de História independente (até 1960 foi uma colónia de França), o Mali viveu em paz apenas por breves instantes.

A instabilidade só acabou com a eleição de Alpha Oumar Konaré como Presidente, nas primeiras eleições democráticas, em 1992. Sucedeu-lhe, dez anos depois, Amadou Toumani Touré, um antigo militar. Mas foi derrubado em 2012 por um golpe de militares descontentes com a incapacidade dos políticos e do Exército em evitar a progressão de grupos armados jihadistas que, a partir do inóspito Norte (deserto e um íngreme terreno montanhoso) avançavam rumo ao Sul e à capital. Os militares assumiram o poder mas, como noutras ocasiões de instabilidade e vazio de poder, os islamistas fizeram avanços rápidos.

A rebelião tuaregue de 2012 agravou a instabilidade. Foi uma guerra de independência travada de Norte para Sul, liderada pelo Movimento Nacional de Libertação do Azawade (MNLA, tuaregue; Azawade é o nome do território que engloba Tombuctu, Gao e Kigali). Amadou Toumani Touré foi deposto, um mês antes das eleições presidenciais, e os militares assumiram de novo o poder, ao mesmo tempo que os islamistas do grupo Ansar Dine assumiram o controlo de grande parte do território e cidade importantes, como Tombuctu, Kigali e Gao. Chegou a ser proclamada uma república Azawad do Mali, com os tuaregues a firmar alianças com islamistas que tinham objectivos bem diferentes e acabaram por combater entre eles.

Mais uma vez, a confusão, profusão de grupos e ausência de uma liderança centralizada foi terreno fértil para a progressão islamista. O país estava virtualmente dividido entre Norte e Sul.

No Norte, os islamistas decidiram criar uma estrutura baseada numa visão radical da sharia (a lei islâmica), e proibiram tudo o que consideraram não puro — a música foi proibida, por exemplo, assim como os telemóveis. E em Tombuctu, os jihadistas do grupo Ansar Dine destruíram, com picaretas e machados, santuários, mausoléus e sepulturas - consideraram os monumentos históricos ofensivos da fé islâmica, tal como o Estado Islâmico que tem destruído património da humanidade no Iraque e na Síria. E queimaram documentos insubstituíveis, por exemplo os manuscritos guardados no centro de documentação e investigação Ahmed Baba.

É neste contexto que, em Janeiro de 2013, as autoridades pedem a intervenção da antiga potência colonizadora, a França, que envia uma missão militar para impedir a progressão islamista. Libertar o Norte era o grande objectivo do Presidente francês, François Hollande, que disse que os franceses permaneceriam no Mali enquanto fosse necessário — a missão de manutenção da ordem seria depois passada às Nações Unidas (MINUSMA).

Os analistas explicam que além da pacificação do Mali, a França teve outros objectivos. Hollande queria impedir que o Mali se transformasse num refúgio para os radicais, um quartel-general e base segura para os grupos que procuravam abrir terreno nos países vizinhos, alguns já em guerra com o islamismo radical, com a Nigéria assolada pelo Boko Haram. Nas preocupações da França estava sobretudo o Níger, a principal fonte de urânio das suas centrais nucleares.

Com a intervenção francesa, os islamistas recuaram no terreno — saíram de Gao, Tombuctu, Kigali. Mas a paz nunca chegou. Os atentados terroristas passaram a fazer parte do quotidiano do Mali. A grande questão passou a ser até quando os jihadistas se iriam manter longe da capital, Bamako.

Em Março deste ano, o grupo Al-Mourabitoun atacou um restaurante no coração da capital, frequentado por ocidentais (cinco mortos). Em Julho, seis capacetes azuis da MINUSMA — a quem foi dada a missão de pôr em prática o frágil acordo de paz assinado por apenas alguns em Maio e depois pela rebelião tuaregue — foram mortos em Tombuctu num ataque reivindicado pela Al-Qaeda no Magrebe. Em Agosto, 12 soldados foram mortos em Tombuctu e um comando assaltou um hotel em Sévaré (Centro do país, 13 mortos).

Esta sexta-feira, um comando Al-Mourabitoun tomou de assalto um hotel frequentado por ocidentais em Bamaco. Uma represália contra França e uma mensagem a dizer que os islamistas do Mali estão novamente bem organizados, bem armados e muito motivados — como disse Hollande quando justificou a intervenção militar de 2013.

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