Países dividem-se ainda na estratégia para combater um inimigo comum

Hollande prometeu intensificar operações na Síria e pediu "uma única coligação" contra os jihadistas. Putin lamenta que ocidentais só agora reconheçam que Assad não é o seu principal inimigo.

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Dez aviões franceses lançaram 20 bombas sobre Raqqa na noite de domingo Ministério da Defesa francês/Reuters

Os ataques de Paris, com toda a sua carnificina, desafiam os líderes internacionais a procurarem consensos – tanto para resolver uma guerra que em quatro anos e meio se mostrou irresolúvel, como para unir as potências desavindas na luta contra o Estado Islâmico, um inimigo que é cada vez mais comum. Mas se há declarações que sugerem vontade de aproximação, seja na frente diplomática seja na guerra aos jihadistas, pouco ainda parece ter mudado nas estratégias de fundo dos principais intervenientes.

Às bombas contra civis em Paris, a França respondeu com bombas contra o bastião dos jihadistas. Na noite de domingo, 48 horas depois dos ataques que fizeram mais de 130 mortos na capital francesa, dez aviões da Força Aérea francesa largaram 20 mísseis sobre Raqqa, a cidade no nordeste da Síria a que o EI chama capital do seu autoproclamado califado. O Ministério da Defesa francês anunciou que foi atingido um centro de comando, um depósito de munições e um campo de treino dos jihadistas, mas da cidade – onde os radicais cortaram a electricidade e proibiram a circulação – não chegou qualquer informação sobre o número de mortos que os bombardeamentos causaram.

Há já dois meses que os aviões franceses bombardeiam os jihadistas em território sírio, juntamente com americanos e árabes, mas até aos atentados tinham efectuado apenas cinco missões. Só que agora a França “está em guerra” com os extremistas, repetiu nesta segunda-feira o Presidente François Hollande e, por isso, “vai intensificar as suas operações na Síria”, país que é “a maior fábrica de terrorista que o mundo já conheceu”. O porta-aviões Charles de Gaulle, navio estandarte da Marinha francesa, vai partir quinta-feira para o Mediterrâneo oriental, o que “triplicará as capacidades de acção” militar do país na região, explicou Hollande, assegurando no Parlamento que “não haverá repouso nem tréguas” na luta contra o extremismo.

Mas Hollande, sob pressão da oposição para rever aquela que tem sido a sua política para a Síria, reconheceu que algo tem de ser feito de forma diferente. “Precisamos de unir todos os que lutam contra este exército terrorista numa única coligação”, declarou, anunciando que se vai reunir nos próximos dias, em separado, com os Presidentes da Rússia e dos EUA. Há mais de um ano que Washington, à cabeça de uma coligação internacional, começou a bombardear os jihadistas, primeiro no Iraque e depois na Síria. Há um mês e meio, Moscovo foi em socorro do Presidente Bashar al-Assad, numa ofensiva que tem visado tanto os jihadistas como as forças da oposição apoiada por árabes e ocidentais. Não é claro como será possível conciliar duas missões com objectivos tão díspares, mas o Presidente francês diz que é imperativo “unir esforços para atingir um resultado que tarda em chegar”.

Putin critica opções francesas
Os ocidentais têm insistido que a Rússia deve concentrar as suas operações nos jihadistas – um apelo que subiu de tom face às suspeitas de que o avião russo que se despenhou no Sinai a 31 de Outubro foi alvo de um atentado bombista, possivelmente perpetrado pelo braço egípcio da organização. No final da cimeira do G20, reunida durante dois dias na Turquia, a escassos 500 quilómetros da fronteira com a Síria, o Presidente russo revelou que Moscovo entrou em contacto com alguns grupos da oposição síria e que está disponível para coordenar com eles ataques aéreos que visem, não o regime, mas os jihadistas. Lembrou, no entanto, que há meses desafia os ocidentais a unirem-se à Rússia e ao Exército sírio no combate ao Estado Islâmico, mas que vários países, incluindo a França, “adoptaram uma posição muito rígida”, insistindo “na saída do Presidente Assad como condição prévia a uma solução política” para a guerra. “Será que isso protegeu Paris contra o terrorismo? A resposta é não.”

Hollande, tal como nenhum dos ocidentais, não admite ainda que a guerra na Síria pode chegar ao fim sem que Assad abandone o poder. Mas num sinal de aproximação de posições, o Presidente francês deixou claro no Parlamento que o afastamento do Presidente sírio “não pode constituir a essência” do envolvimento francês no conflito. “O nosso inimigo é o Daash”, sublinhou.

A determinação francesa coloca os Estados Unidos sob pressão, mas na Turquia o Presidente Barack Obama defendeu com unhas e dentes a sua estratégia, ao repetir que seria um erro mandar tropas de combate para a Síria e insistindo que, apesar de o EI ter demonstrado em Paris (como já antes tinha feito na Tunísia ou na Turquia) ser capaz de atacar fora do seu território, o grupo “controla agora menos território do que antes” do início dos ataques aéreos. Prometeu, assim, que vai coordenar com a França o reforço das operações militares, ao mesmo tempo que quer aproveitar a repulsa gerada pelos ataques de Paris para dar um novo impulso às negociações políticas.

Nesse sentido, Obama saudou os “progressos modestos” que foram feitos sexta-feira em Viena, numa reunião em que, pela primeira vez, os aliados de Assad e os que apoiam a oposição chegaram a acordo sobre um calendário para a transição política – um cessar-fogo, seguido de negociações, sob o auspício da ONU, entre o regime e os grupos da oposição sem ligações ao terrorismo, que culminaria num governo de transição e a realização, no prazo de ano e meio, de eleições livres.

Washington está em contacto com Coligação Nacional Síria, que não fechou a porta a uma participação nestas negociações. Mas quer a oposição quer os seus aliados mais próximos dizem que é irrealista querer pôr em marcha um plano sem antes definir que papel terá (ou não) Assad nessa transição. O jornal Le Monde revelou que a Turquia e as monarquias árabes exigiam que o plano discutido em Viena especificasse um calendário para o afastamento do Presidente, mas o Irão e a Rússia recusaram liminarmente a ideia. “Só Assad pode decidir se se candidata a eleições e só o povo sírio pode decidir se vota ou não nele”, disse ao jornal o representante iraniano nas negociações.

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