O cérebro dos ataques a Paris escapou várias vezes à vigilância europeia

Abaaoud é o jihadista mais conhecido da Bélgica e só no último ano teve mão em alguns dos atentados mais conhecidos na Europa. Fez várias viagens entre a Síria e a Europa, mas nunca foi apanhado.

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O belga Abdelhamid Abaaoud estará actualmente na Síria DR
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Polícias junto ao Bataclan na manhã seguinte ao ataque Charles Platiau/Reuters

As autoridades francesas e belgas mantiveram-se nesta segunda-feira no rasto cada vez mais frio do presumível oitavo atacante de Paris. Chegou a anunciar-se a sua captura, mas a notícia foi rapidamente desmentida. Em Bruxelas, uma equipa altamente armada de forças especiais invadiu uma casa em busca do suspeito. Ao fim de quase quatro horas foi detida uma pessoa, mas de Salah Abdeslam não havia sinais. O homem “perigoso” que conseguiu fugir de Paris depois do maior ataque terrorista da história moderna no país continua a monte.

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Mas as investigações avançaram para além de Salah e chegaram nesta segunda-feira àquele que se agora acredita ter sido o grande cérebro da operação. É Abdelhamid Abaaoud, um conhecido jihadista belga que vive actualmente na Síria. Foi para lá que fugiu depois de ter escapado por pouco a uma operação que evitou em Janeiro um grande atentado a Bruxelas. Seria executado por ele e por dois cúmplices em nome do grupo Estado Islâmico, poucos dias depois dos ataques ao Charlie Hebdo e ao supermercado kosher, em Paris. Os dois jihadistas morreram em Verviers numa troca de tiros com a polícia. Mas Abaaoud conseguiu escapar da Bélgica e da Europa, mesmo que a sua cara estivesse em todas as televisões e jornais. Como está agora a de Salah.

É ainda difícil avaliar exactamente a importância deste homem para os atentados de Paris. Em todo o caso, o Le Monde é peremptório. A ligação “está estabelecida” e os investigadores têm “a certeza” de que, “de uma forma ou de outra”, Abaaoud participou na elaboração dos ataques de sexta-feira. Era próximo de Salah, com quem esteve detido na Bélgica por assalto à mão armada. E o New York Times adianta que esteve recentemente em contacto com o bombista de mãe portuguesa que fez parte da carnificina do Bataclan.

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A história quase cinematográfica de Abdelhamid Abaaoud transformou-o numa das figuras mais mediáticas no movimento jihadista global. Fez também dele uma recordação incómoda para os sistemas de informação europeus, que em vários momentos o deixaram escapar por entre a rede. Desde que Abaaoud foi pela última vez para a Síria, há menos de um ano, planeou ou ajudou a planear pelo menos cinco ataques em solo europeu. Falhados, ou não.   

Teve mão num primeiro, em Abril, contra uma igreja em Villejuif, na França. O atentado seria executado por um estudante argelino, que já tinha consigo uma espingarda automática Kalashnikov, da mesma marca das que foram usadas nos atentados em Paris. A polícia travou-o a tempo, como a um segundo homem com um plano para atacar uma sala de espectáculos francesa. Algo que já trazia pistas sobre o que viria a acontecer no Bataclan. Há um terceiro plano falhado que contou com Abaaoud num dado momento do seu planeamento: o atentado a um comboio de alta-velocidade Thalys que fazia a viagem entre Bruxelas e Paris, em Agosto.

Haveria uma operação bem-sucedida com o toque deste jihadista ainda antes dos atentados de Paris. A polícia sabe que o presumível culpado do ataque ao museu judaico de Bruxelas, em Maio, esteve em contacto de Abaaoud antes de matar quatro pessoas a tiro. Esta operação, tal como a que falhou a bordo do Thalys, tem raízes em Molenbeek, uma comuna empobrecida, segregada e radical de Bruxelas, e uma das grandes plataformas na Europa para atentados terroristas. Foi lá que nasceu Abaaoud e também onde os atentados de sexta-feira foram organizados.  

Idas e vindas

A investigação aos atentados de Paris fez uma primeira ligação à Bélgica e chega agora à Síria. Disse-o nesta segunda-feira em Versalhes o Presidente francês, François Hollande. “[Os ataques] foram planeados na Síria, organizados na Bélgica e perpetrados no nosso território com cumplicidade francesa.” Não seria a primeira vez que o braço de Abaaoud chegaria tão longe e com ordens semelhantes. Em Agosto, a polícia francesa capturou um homem francês que vinha da Síria e fora comandado pelo belga para atacar uma sala de espectáculos e “fazer o maior número de vítimas”. Dera-lhe 2000 euros e uma pen USB com um programa de mensagens encriptadas.

As idas e voltas de Abaaoud entre Síria e Bruxelas iludiram sempre as autoridades europeias. O belga partiu pela primeira vez para a Síria no início de 2013. Regressou no final do mesmo ano, mas por pouco tempo. Partiu novamente para a jihad, levando desta vez consigo o seu irmão mais novo, que então tinha apenas 14 anos e que acabou por morrer em combate. Abaaoud contou recentemente à revista oficial do Estado Islâmico que a última viagem para a Bélgica demorou alguns meses. Viajava com dois companheiros para “aterrorizar os cruzados”. Quando o atentado que preparavam a Bruxelas falhou, Abaaoud conseguiu escapar de novo para a Síria. “Alá cegou-lhes a visão e consegui sair”, contou à revista Dabiq. “O meu nome e fotografia estavam em todas as notícias e ainda assim consegui ficar na terra natal deles [europeus], planear operações contra eles e sair a salvo quando isso se tornou necessário.”

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