A culpa é dos refugiados? Nada de conclusões apressadas

Os líderes dos países europeus que têm recusado receber os que fogem da guerra da Síria apressaram-se a apontar culpados e a pedir o fecho de fronteiras

Foto
Campo de refugiados em Lampedusa, em Março de 2011, então já repleto com pessoas em fuga da revolta na Tunísia Antonio Parrinell/Reuters

Junto ao corpo de um dos homens que atacaram Paris, foi encontrado um passaporte sírio. O número corresponde ao de um refugiado que chegou à ilha grega de Leros a 3 de Outubro, confirmou à AFP Nikos Toscas, vice-ministro grego do Interior. Mas os passaportes sírios são traficados a preço de ouro, pois são praticamente porta aberta para obter asilo na União Europeia – por isso, não está ainda confirmado que este terrorista veio misturado com os milhares de pessoas que procuram refúgio da guerra da Síria na Europa.

Políticos populistas sempre acenaram com a possibilidade de penetrarem terroristas na Europa, entre os muitos refugiados que fogem à morte e a miséria da guerra – à perseguição do regime do Presidente Bashar al-Assad, cuja permanência no poder origina a guerra que destrói o país e envia uma torrente de refugiados para Ocidente, e ao Estado Islâmico (EI), a força mais poderosa da oposição, que por sua vez conquista território e impõe uma interpretação medieval da lei islâmica.

Os especialistas de segurança, no entanto, nunca deram grande apoio a esta ideia. “Seria uma forma muito desajeitada de os terroristas entrarem no espaço Schengen. Há maneiras mais fáceis”, comentou Magnus Ranstorp, director para a investigação do Centro de Estudos de Ameaças Assimétricas do Colégio Nacional de Defesa, citado pelo site Euractiv em finais de Agosto. Essas formas mais fáceis, enumerou, seriam o uso de documentos forjados ou passaportes roubados.

Claro que também há outra hipótese: o EI, que reivindicou os atentados em Paris, não precisa propriamente de introduzir estrangeiros para cometer atentados em países europeus, pois as suas fileiras estão recheadas de estrangeiros, nascidos na Europa, na América, na Ásia, e que foram para a Síria lutar. Veja-se o caso de Jihadi John, o carrasco do EI cuja morte os EUA anunciaram na sexta-feira, ainda antes dos atentados de Paris, que era cidadão britânico.

“Há cinco a seis mil europeus que estão, ou estiveram na Síria, e outros que estão em movimento. Por isso é difícil perceber qual seria a vantagem do EI em exportar sírios ou iraquianos para cometer atentados. Precisam mais que as pessoas que falam árabe e conhecem o território fiquem no Iraque e na Síria”, explicava ao Euractiv Claude Miniquet, um ex-agente dos serviços secretos franceses que actualmente dirige o Centro de Informações Estratégicas e de Segurança em Bruxelas.

Mas estes raciocínios razoáveis esbarram de frente comos discursos securitários dos Estados da Europa central que já não estavam nada dispostos a participar no sistema de quotas que Bruxelas e Berlim pretendem impor à UE para distribuir os refugiados. O novo Governo polaco, agora nas mãos do Partido eurocéptico e anti-imigração Lei e Justiça, foi o mais veemente este sábado.

Konrad Szymanski, o novo ministro dos Assuntos Europeus, que tomará posse na segunda-feira, afirmou a um site noticioso próximo do seu partido que a Polónia nunca aceitará o sistema de quotas. “Perante os trágicos actos de Paris, não vemos quaisquer possibilidades políticas de pô-lo em prática”, afirmou, citado pela Reuters. O Governo anterior tinha-se comprometido a receber 7000 refugiados.

Robert Fico, o primeiro-ministro da Eslováquia, outro país que se tem mantido contra as quotas para relocalizar 160 mil dos mais de 800 mil refugiados que chegaram à Europa este ano, levantou alto as suspeitas de que entre as pessoas que fogem da guerra estejam jihadistas. “Temos alertado para os enormes riscos de segurança relacionados com a migração. Espero que as pessoas abram os olhos agora”, sublinhou o político que tem alinhado com o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, que acusa a chanceler Angela Merkel de ter desencadeado uma enchente com a sua política de portas abertas para os refugiados sírios na Alemanha.

O vice-primeiro-ministro da República Checa, Andrej Babis, avisou que este ataque tem de servir para levar a UE a agir. “A Europa tem de começar a fazer alguma coisa. Estamos em guerra contra o terrorismo. Acho que será preciso encerrar as fronteiras Schengen”, afirmou, citado pelo Financial Times.

Apesar de a UE querer manter-se aberta para os refugiados, após um mês de Outubro em que o movimento de entrada acelerou em vez de abrandar, como se esperava, até os países mais solidários estão a impor controlos nas fronteiras. Sigmar Gabriel, o vice-chanceler alemão, afirmou que os que procuram refúgio na Europa não devem sofrer “porque vêm das regiões de onde o terror está a ser exportado para todo o mundo”. Mas o ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière, anunciou o reforço dos controlos fronteiriços.

Na verdade, Merkel tem enfrentado uma guerra no interior do seu próprio partido e do seu próprio Governo contra a continuação da política de portas abertas – Maizière e o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, são mesmo os seus dois principais críticos – que deverão trazer cerca de um milhão de refugiados para a Alemanha até ao fim do ano.

Quanto à Áustria, anunciou que ia encerrar uma secção da sua fronteira com a Eslovénia, erguendo uma vedação com 2,2 metros de altura ao longo de 3,7 km na zona de Spiefled. O objectivo, argumenta, é garantir “uma passagem organizada”.

Ao longo das fronteiras europeias que se vão fechando, relata a Associated Press, os refugiados da guerra na Síria foram demonstrando este sábado o seu repúdio pelos ataques em Paris. “São os mesmos actos de terrorismo que fazem na Síria e no Iraque”, disse o iraquiano Zebar Akram, de 29 anos. “Agora os refugiados vão ser considerados como os prováveis atacantes”, receava Abdul Selam, de 31 anos.

Corrigido o cargo de Konrad Szymanski: ministro dos Assuntos Europeus e não primeiro-ministro

Sugerir correcção
Ler 12 comentários