EUA atacam "Jihadi John", o homem que ameaçava o Ocidente com uma faca

A confirmação oficial da morte de uma das caras mais conhecidas do Estado Islâmico ainda vai demorar. O cidadão britânico foi atingido por um drone na capital dos jihadistas na Síria.

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Uma fonte citada pela Associated Press garante ter "99% de certezas" de que “Jihadi John” está morto REUTERS

Os Estados Unidos bombardearam na noite de quinta-feira o carro em que dizem que viajava “Jihadi John”, uma das caras mais conhecidas do autoproclamado Estado Islâmico. É o homem de negro e pronúncia britânica que nos vídeos do grupo apontava a sua faca ao Ocidente antes de decapitar alguns dos mais conhecidos reféns dos jihadistas. A confirmação oficial da sua morte parece ser só um detalhe. Nesta sexta-feira, os líderes discursaram e congratularam-se, responsáveis norte-americanos, atrás de portas e do anonimato, disseram que foi um ataque exemplar, a sua morte uma certeza quase absoluta. “Tenho 99% de certeza que o apanhámos”, disse um militar à Fox News.

O ataque foi filmado pelo drone que atingiu o carro numa das ruas mais movimentadas e centrais de Raqqa, a cidade que os jihadistas reclamam como sua capital, no Nordeste da Síria. O míssil Hellfire destruiu por completo a viatura, assegurou em Bagdad Steve Warren, um dos coronéis norte-americanos presentes na campanha aérea contra o Estado Islâmico. Falta apenas confirmar que quem realmente estava lá dentro era “Jihadi John”, nome pelo qual ficou conhecido Mohammed Emwazi, cidadão britânico nascido no Kuwait em 1988 e fugido do Reino Unido em 2013 para se juntar à jihad na Síria. Primeiro, como carcereiro e, mais tarde, como arma de propaganda usada para recrutar muçulmanos no estrangeiro.

“Vamos demorar algum tempo para declararmos formalmente que tivemos sucesso”, disse Warren aos jornalistas. Não há razões para crer que o bombardeamento em Raqqa tenha atingido civis, adiantou, embora Emwazi viajasse com mais um combatente do Estado Islâmico no momento do ataque. Seria um assistente ou um condutor. Um dos seus “piores melhores amigos”, segundo o coronel norte-americano. Activistas em Raqqa deram conta de um grande aparato de segurança na rua do bombardeamento, mas não conseguiram confirmar a morte do jihadista. Warren diz que as fontes de informação que tem em Raqqa dão “grande confiança”. “Estamos razoavelmente certos de ter matado o alvo que queríamos matar.”

Fora do radar

Desde que, em Fevereiro, a identidade de “Jihadi John” foi revelada pelo Governo britânico que o combatente desapareceu do radar mediático do grupo. O seu papel era quase só propagandístico e a sua morte é, por isso, pouco mais do que simbólica. Mesmo assim, os serviços de informação britânicos deram-se a grandes esforços para o localizar. Para o Reino Unido, Emwazi é mais do que um popular instrumento para o Estado Islâmico recrutar jovens fora do Médio Oriente – é uma fonte de discórdia sobre a acção dos seus serviços secretos e uma lembrança incómoda de que, na Europa, não há outro país de onde mais pessoas tenham abandonado uma vida no Ocidente pela jihad.

O primeiro-ministro britânico justifica o ataque a Emwazi como um gesto em defesa própria – uma explicação que um porta-voz do partido nacionalista UKIP comparou à justificação dada por Tony Blair para invadir o Iraque, quando era chefe do Governo. “[Emwazi] representava uma ameaça séria e continuada a civis não só na Síria, mas também em todo o mundo e no Reino Unido também”, disse David Cameron, em Downing Street, poucas horas depois do ataque ter chegado a público. O ataque, assegura, atingiu o “coração do Estado Islâmico”. “Demonstrará àqueles que querem causar danos ao Reino Unido, à sua população e aliados, que temos um alcance extenso, temos uma determinação inabalável.”

Radicalização

Os media britânicos tentaram exaustivamente encontrar pistas na infância de Emwazi que pudessem sugerir que um dia o rapaz pequeno e tímido – “dolorosamente tímido”, nas palavras de um colega da escola primária – se viria a tornar um dia no carniceiro do Estado Islâmico. Esse caminho parece ter começado a desenhar-se na adolescência, quando Emwazi se ligou a outros futuros jihadistas. Em todo o caso, o gatilho para a sua radicalização é causa de cisma no Reino Unido e divide as águas entre os que defendem uma acção mais musculada dos serviços secretos e os que acreditam que essa resposta é parte do problema.

O MI5 interceptou e interrogou várias vezes Emwazi em viagens para a África e oKuwait, dando-o como suspeito de estar ligado a grupos extremistas de inspiração islâmica. Em 2010, Emwazi foi impedido de viajar para o seu país natal, onde então trabalhava e dizia ter encontrado uma noiva. Queria casar-se, segundo ele, mas os serviços secretos impediram-no de ir. Contactou uma organização de activistas sediada em Londres, a Cage, crítica da “guerra ao terror” do Ocidente e dedicada a investigar casos de abusos das autoridades contra comunidades islâmicas.

Esta organização acusa o Governo britânico de ter radicalizado Emwazi com a sua vigilância apertada. O próprio Emwazi escreveu à Cage dizendo que se sentia excluído da sociedade por acção dos serviços secretos – disse também a um jornalista britânico que se sentia “um condenado no corredor da morte”, temendo ser assassinado pelo MI5. Cameron defendeu então as medidas aplicadas pelos seus serviços secretos, quando tinha do outro lado um coro que condenava a falta de vigilância que permitiu a Emwazi viajar para Turquia em 2013 e, dali, para a Síria. Nesta sexta-feira, a Cage lamentou que “Jihadi John” tivesse sido abatido sem ter direito a um julgamento. O líder do Partido Trabahista disse algo semelhante. “Teria sido melhor para todos nós se ele tivesse sido responsabilizado por um tribunal”, afirmou Jeremy Corbyn.

 

 

 

 

 

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