Figuras públicas aderem a movimento para despenalizar morte assistida

António-Pedro Vasconcelos, Júlio Machado Vaz, João Semedo, Alexandre Quintanilha, Francisco Louçã e José Júdice apoiam movimento. Reunião marcada para sábado é “histórica”, diz Laura Ferreira dos Santos.

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Há vários anos que existem associações “right to die” mesmo em países onde a eutanásia é proibida PHILIPPE WOJAZER/REUTERS

“Acha que tenho o direito legal de me matar? Queria terminar com a minha vida, sabe onde posso obter o produto?” Ao e-mail de Laura Ferreira dos Santos, autora de vários livros sobre morte assistida, têm chegado múltiplas perguntas deste género. Consciente de que há muitas questões que ficam sem resposta e de que há muitas pessoas a precisar de informação e de apoio, a professora aposentada da Universidade do Minho aceitou o desafio de lançar a base para a criação de um movimento cívico para a despenalização e regulamentação da morte assistida em Portugal.

Ao convite para aderir à reunião para definir o embrião deste movimento que se prevê polémico já disseram que sim António-Pedro Vasconcelos, Júlio Machado Vaz, João Semedo,  Alexandre Quintanilha, Francisco Louçã e José Júdice, entre outras personalidades conhecidas, num grupo de inscritos que ultrapassa a meia centena. É um caminho que faltava fazer em Portugal, quando na Europa, lembra Laura Ferreira dos Santos, desde há vários anos existem associações “right to die” (direito a morrer), mesmo em países onde a morte assistida (que inclui a eutanásia e o suicídio medicamente assistido) não está legalizada, como Espanha e França. “Em Itália até há duas”, diz.

Ainda sem nome – "Ajuda-me a morrer" ou "Última liberdade" são duas das hipóteses –, o movimento, prevê-se, vai criar um portal web,  lançar uma petição pública, pedir audiências a grupos parlamentares e a outras entidades. Além de Laura, que acaba de publicar A Morte Assistida e Outras Questões de Fim-de-Vida (Almedina), é promotor da reunião o médico nefrologista João Ribeiro dos Santos que há quatro anos lançou uma petição para que a Ordem dos Médicos (OM) debatesse o tema.

Eventualmente, o movimento poderá evoluir para associação, se para isso houver vontade e meios. “Pensamos ser tempo de passar de peças avulsas, onde se defende a despenalização e a regulamentação da morte assistida, para uma actuação mais consistente e organizada”, explica-se na convocatória do encontro, que está marcado para sábado às 14h30 na sede da Ordem dos Médicos, no Porto (a sala é cedida sem qualquer tipo de envolvimento da instituição).

“Que fazer quando o doente, de forma informada, esclarecida e reiterada, solicita ao médico que o ajude a morrer porque padece de sofrimento insuportável, físico ou psicológico, e que não é susceptível de ser aliviado ou suavizado?”, permuta-se na convocatória. Laura Ferreira dos Santos defende mesmo que “não dar essa escolha final à pessoa é uma tirania do Estado”.

Alterar o Código Penal
Do ponto de vista jurídico, para que a morte assistida seja despenalizada é necessário alterar o Código Penal, mas não a Constituição da República, explicam os promotores. “Temos o direito de viver e não o dever de viver”, justificam, defendendo que cabe a cada um “deliberar (…) sobre o tempo e a forma de viver” e que não podem ser sempre os médicos a ter a última palavra.

Mas falar de morte assistida ainda é uma espécie de tabu em Portugal. “Esta é uma reunião histórica”, assume a professora aposentada, enquanto recorda o encontro que há alguns anos reuniu várias personalidades na Ordem dos Médicos (OM), em Lisboa, justamente para debater as questões de fim-de-vida. “A sala estava cheia, mas não houve quase perguntas nenhumas, quando esta é uma questão de direitos fundamentais”.

“Este silêncio onera as pessoas que se vêem a braços com situações graves. Um exemplo: um doente tem um cancro que estava em remissão, o cancro volta mas ele não quer tratar-se, a família pressiona-o imenso e ele suicida-se. Se houvesse abertura para falar disto, ele poderia ter discutido o assunto com os médicos”, lamenta.

“Na nossa tradição judaico-cristão, a vida é vista como um bem inalienável”, observa João Ribeiro dos Santos, para quem, "em termos éticos, esta discussão até é mais simples de fazer” do que a da despenalização da interrupção voluntária de gravidez, que foi aprovada no último referendo e agora é permitida, desde que feita até às dez semanas de gestação.

Sem querer expressar a sua posição pessoal sobre “um problema tão complexo”, o bastonário da OM, José Manuel Silva, lembra que o Código Deontológico dos médicos não permite a eutanásia, mas entende que “é saudável” promover este debate. “Nós não temos tabus quanto à discussão de determinado assunto. Este tem sido pouco discutido porque colide com as convicções religiosas de muitas pessoas”, acredita.

Aos detractores da despenalização da morte assistida, que costumam argumentar que os cuidados paliativos oferecem uma panóplia de meios e de medicação eficazes no alívio da dor física e do sofrimento psicológico, os promotores do movimento para a despenalização da morte assistida respondem esta é uma “falsa questão”. A eutanásia e o suicídio medicamente assistido não são uma alternativa aos cuidados paliativos nem os antagonizam, alegam.

Na Europa, a morte assistida está legalizada na Holanda e na Bélgica, há mais de uma década, e o Luxemburgo também a legalizou, entretanto. Nos Estados Unidos, o suicídio medicamente assistido é permitido nos estados norte-americanos de Oregon, Washington e Vermont e, na Europa, não é punido na Suiça. O Canadá “avança no próximo mês”, diz Laura Ferreira dos Santos.

Há também  países e estados onde, “pontual e casuisticamente”, os tribunais não têm condenado os autores ou os assistentes de alguma forma de morte assistida. É o caso da Colômbia, do Uruguai e do estado norte-americano de Montana.

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