Um combate de golpes sujos e facadas ideológicas

Duelo entre os socialistas e a direita começou doutrinário mas depressa deslizou para um confronto amargo.

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Nuno Ferreira Santos

O debate foi longo e permitiu que tanto os sociaslistas como a coligação tivessem tempo para recorrer a todo o arsenal político. Se o braço de ferro até começou no ambiente abstracto da ideologia, o passar das horas acabou fazê-lo resvalar para as tiradas mais duras.

A responsabilidade para esse arranque mais programático foi do socialista Pedro Nuno Santos. O deputado começou na Europa, passou pela Saúde e Educação e foi até à classe média.

“Mesmo sobre a Europa as nossas visões são diferentes”, afirmou Pedro Nuno Santos, sustentando que o seu partido pretendia uma evolução na União Europeia, por oposição ao imobilismo do PSD e CDS. “Não se trata de defender a Europa, trata-se de defender Portugal na Europa”, argumentava o socialista.

Mas a maior parte da intervenção foi centrada no ataque da “agenda liberal” de Passos Coelho à “grande realização histórica da social-democracia”. E foi sobre essa “outra grande maioria” na sociedade portuguesa que Pedro Nuno Santos assinalou a maior divergência com a direita.

Na sua primeira reacção, Passos Coelho segurou a sua resposta nesse nível. Pegando na ideia da “maioria” na sociedade portuguesa, o primeiro-ministro classificou a questão europeia como a “maioria maior”, acusando o PS de se afastar do centro. “Ao recusar a maioria maior, é o PS que está a afastar-se do centro político, é o PS que está a radicalizar a sua posição”, respondeu Pedro Passos Coelho.

Ainda houve quem tentasse aguentar o debate aí. “Aquilo que pretendem não é mais do que promover transferências nunca antes registadas do Estado para instituições privadas na saúde, educação, e isso é a antecâmara da privatização da segurança social”, disse Helena Roseta.

Mas, mesmo no combate ideológico, os argumentos começaram a deslizar. Por exemplo, João Galamba acusou Passos Coelho de aplicar austeridade “por gosto”.

Por essa altura, já uma sucessão de deputados da direita tinha acusado António Costa de deserção parlamentar. E Galamba ficou igualmente revoltado ao ouvir a centrista Cecília Meireles a sugerir que a “mesquinhez” socialista se preparava para – caso chegassem ao Governo – “elevar o défice de 2015”. Pelo meio classificou um Executivo Costa como “ilegítimo”. A ex-ministra Paula Teixeira da Cruz falou mesmo num "embuste".

Foi Rocha Andrade quem respondeu a Meireles para dizer que a verdadeira “traição” era outra. “A minha consciência diz-me que os meus eleitores não compreenderiam que, havendo uma alternativa, eu com o meu voto viabilizasse este Governo.”

De mal com a democracia
Mas foi com a intervenção do líder parlamentar do PS que a clivagem mais se notou. Às críticas de ilegitimidade da solução governativa liderada pelos socialistas, Carlos César reagiu de forma dura: “Só a direita que se dá mal com a democracia não se dá bem com a maioria. Só a direita que se dá mal com a democracia não aceita as opiniões contrárias.”

A resposta gerou uma forte reacção, tanto na bancada do PS como nas da direita. Ao mesmo tempo que os socialistas aplaudiam, os deputados do PSD e CDS patearam ruidosamente o ataque do chefe da bancada socialista.

Depois do ataque, o ex-presidente do Governo Regional dos Açores elencou, numa lista longa, as questões da “incompatibilidade persistente” entre o seu partido e a coligação de direita. Falou no “percurso constante de debilitação planeada do Estado” e no “experimentalismo perturbador” do Governo de Passos Coelho.

E numa breve referência, avançou com o pecado original de Passos Coelho para que a negociação social-democrata com o PS tivesse fracassado. “A direita portuguesa reconfigurou-se e radicalizou-se. A prova é que procurou o CDS e não o PS logo após as eleições”.

Carlos César teve ainda tempo para responder aos que denunciavam as divergências entre PS  e restantes partidos da esquerda sobre os compromissos internacionais. “Os compromissos não são dos partidos, são do Estado, vinculam-nos, quer concordemos, quer não”, disse.

A reacção de Telmo Correia esteve quase ao nível dos apartes que se iam ouvindo ao longo do debate. Atirou sal para a ferida inegável que a perda das eleições representava para os socialistas. Espetou o dedo numa série de páginas de jornais, onde por baixo da foto de António Costa surgia a palavra “perdedor”: “O vosso resultado foi muito poucochinho, Dr. António Costa”, gritou para gáudio das bancadas da direita. E rematou com as notícias do fim-de-semana para aconchegar um futuro Governo Costa “nas mãos do comité central do PCP”.

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