Europa recolocou apenas 116 refugiados dos 160 mil que quer acolher

Partiu da Grécia o primeiro grupo de refugiados pelo progama europeu de asilo. Europa não está à medida dos seus próprios planos de asilo e muito menos ao fluxo de chegadas ao continente.

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A partida dos 30 refugiados foi acompanhada no aeroporto por várias figuras da política europeia. Gabinete do primeiro-ministro da Grécia

Pela primeira vez nesta quarta-feira saíram refugiados da Grécia para serem recolocados num outro país europeu através do programa de Bruxelas para a distribuição de 160 mil asilados. Quatro famílias sírias e duas iraquianas, 30 pessoas ao todo, viajaram ainda de madrugada para o Luxemburgo desde Atenas, acompanhados no aeroporto por uma comitiva que incluía o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Shulz, comissários e ministros da União Europeia. A sua viagem foi difundida em directo na televisão grega.

Com graus diferentes de optimismo, os decisores europeus repetiram a mesma mensagem: a viagem destas 30 pessoas é um primeiro passo na resposta europeia à crise dos refugiados, mas é ainda pouco. “Trinta na face de milhares que fugiram das suas casas na Síria e Iraque é uma gota no Oceano”, disse Tsipras. “Mas esperamos que isto se torne numa corrente e depois num rio de humanidade e de responsabilidade partilhada, porque esses são os princípios sobre os quais a União Europeia foi construída.”

A discrepância nos números da resposta europeia é gritante. Contando já com estas seis famílias, a Europa recolocou apenas 116 refugiados dos 160 mil a que se propõe dar asilo. Da Itália partiram 38 refugiados para a Suécia e outros 48 para a Finlândia, e não sem protestos quanto à sua integração. Muitos dos Estados-membros não abriram sequer um dos lugares de acolhimento exigidos por Bruxelas. Dos que já o fizeram, só parte está disponível: 1418 espaços de acolhimento dos 160 mil, segundo os últimos números da Comissão Europeia.

São números que não têm comparação com a dimensão real do fluxo de migrantes e refugiados pela Europa. Ao mesmo país de onde partiram nesta quarta-feira seis famílias, chegaram em cada dia da última semana 6200 pessoas, em média. Em meados de Outubro, este número chegou a atingir 10 mil novas chegadas diárias. No total do mês chegaram 210 mil pessoas à Grécia, a maioria sírios que fogem da guerra civil, segundo as Nações Unidas. Desde o início do ano, mais de 610 mil pessoas chegaram à Grécia de barco. Viajam em condições cada vez mais difíceis, agora que o Inverno chega à Europa, e com eles há cada vez mais menores. Durante a noite morreram mais cinco pessoas no Mediterrâneo. Três eram crianças.

Os problemas na distribuição de refugiados pela União Europeia começam logo à chegada. Só quem é recebido e identificado num dos centros de acolhimento na Grécia e Itália, ou hotspots, pode entrar no programa. Muitos dos que chegam à Europa, no entanto, preferem não o fazer. Em parte porque os traficantes lhes dizem que esse é o primeiro passo para o repatriamento, porque temem não acabar nos seus países preferidos, não querem esperar pelo demorado processo de recolocação ou simplesmente porque não têm capacidade de acolhimento. Em Lesbos, na Grécia, cada um dos dois centros tem lugar para menos de 800 pessoas, embora cheguem milhares todos os dias à ilha.

Grécia e Itália não insistem na sua passagem pelos centros, o que lhes tem valido críticas na UE. Há só três países de origem que garantem entrada no sistema de distribuição europeia: Síria, Iraque e Eritreia. A razão reside no facto de estes serem os três únicos países em que a taxa de sucesso dos pedidos de asilo supera os 75% – quem é recolocado ainda tem de passar por um processo de validação e a Europa quer reduzir o número de possíveis repatriamentos. Cidadãos de outros países evitam por isso passar pelos centros, seguindo caminho para Norte. Para Atenas e Roma, tanto melhor, que evitam ter de lidar com os milhares de pessoas a quem será recusado o pedido de asilo. 

Jogo de culpas
Estes pontos de identificação estão no centro do jogo de culpas europeu. A Alemanha e os países do Norte insistem em dizer que cabe à Grécia e Itália fazer a triagem entre refugiados e migrantes. Os países dos Balcãs, que se queixam do mesmo, preferem direccionar os seus protestos contra a política de portas abertas de Berlim e aceleram a viagem de quem entra nas suas fronteiras. Grécia e Itália, por sua vez, dizem que já fazem o suficiente e que não têm meios para lidar com todas as chegadas. Nesta quarta-feira, aliás, Alexis Tsipras sugeriu algo que há muito faz parte das propostas das agências de migração: deslocar os centros de triagem europeus para a Turquia, de onde chegam os barcos no Mediterrâneo, e, de lá, fazer a recolocação pela Europa.

O Governo grego já gastou 1500 milhões de euros este ano em centros de recepção e, segundo fontes ouvidas pela Reuters, vai precisar no mínimo de mais 100 milhões. Está previsto que Atenas receba apoio de outros Estados-membros, sobretudo para a construção da sua quota-parte dos 50 mil novos lugares de acolhimento anunciados em Outubro, mas apenas algum do material e dinheiro chegou já à Grécia. “Quem protege as fronteiras externas da UE está a desempenhar uma tarefa comunitária”, disse Martin Shulz. “É por isso lógico que recebam ajuda financeira e de pessoal.”

Esta ajuda não virá da parte dos credores da Grécia, que insistem em que o terceiro programa de assistência financeira se mantenha intacto apesar dos esforços que Atenas tem feito para fazer frente ao inesperado fluxo de migrantes e refugiados. A recolocação dos 30 refugiados nesta quarta-feira coincidiu com a primeira revisão do programa de reestruturação grego e, em Atenas, o comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, foi claro: “A Comissão [Europeia] tem apenas uma bússola, a do pacto de estabilidade e crescimento e regras que devem ser aplicadas”, disse.

Suécia quer ajuda
Há uma novidade nas contas da distribuição de refugiados na Europa. A Suécia anunciou esta quarta-feira que quer juntar-se à Grécia e Itália no grupo de países com pedidos para recolocação de refugiados noutros Estados-membros. A decisão foi anunciada dias depois de o Governo minoritário de centro-esquerda ter chegado a um acordo com a oposição para endurecer as regras de asilo. “Há longo tempo que a Suécia aguenta muita da responsabilidade em relação a outros países da UE e estamos agora numa situação extremamente tensa”, explica numa carta o primeiro-ministro sueco, Stefan Löfven, que ainda esta semana criticou os países do Leste pelas suas políticas pouco inclusivas face ao êxodo de refugiados.

Tendo em conta os seus 10 milhões de habitantes, a Suécia é quem mais pedidos de asilo espera receber de todos os Estados-membros: Já 86 mil pessoas pediram, e a conta receber 190 mil até ao final do ano, mais do que o dobro do que Estocolmo antecipava há cinco meses. Em termos de comparação, seria o mesmo que a Alemanha receber 1,6 milhões de pessoas.

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