Deste Governo não rezará a História

Em termos de equipa, este Governo não vai merecer sequer um rodapé nas páginas de um qualquer livro de História e o primeiro-ministro sabe disso.

Este não é nitidamente o Governo com que Pedro Passos Coelho gostaria de se despedir enquanto primeiro-ministro. O que ele desejaria, e que, de resto, se compreende, seria chegar ao Parlamento no dia da apresentação do seu programa, rodeado de um naipe de figuras suficientemente impressivo e capaz de demonstrar aos partidos que daqui a duas semanas o vão derrubar naquela mesma sala que a sua governação está longe de esgotada e tem ainda capacidade de mobilizar vontades e de gerar confiança. Mas não é isso que vai acontecer. Por um lado, compreende-se. É muito difícil conseguir convencer alguém a sair do seu conforto profissional para entrar numa aventura sem qualquer perspectiva de êxito. E, no entanto, nas actuais (e excepcionais) circunstâncias, é impossível Passos Coelho não sentir um travo amargo face ao um povo de direita que, pelos vistos, não está para grandes sacrifícios, nem que seja para marcar uma posição.

Isto explica esta composição do Governo, em que, no fundamental, se limitou a recorrer à militância, embora nem aí o recrutamento tenha conseguido surpreender ou trazer mais-valias. Manteve Rui Machete, uma das saídas previstas, mas não conseguiu convencer Paulo Macedo a ficar, apesar de todas as tentativas nesse sentido – o que não deixa de ser significativo. Reforçou a componente política do Governo, sobretudo com a atribuição de uma pasta ministerial aos Assuntos Parlamentares, mostrando, assim, ter compreendido que estes são tempos de combate político e que muito do que se vai passar e decidir passa pela Assembleia da República. Aliás, não é por acaso que Passos não dispensou a experiência de Luís Montenegro à frente da bancada do PSD, em S. Bento, quando nos bastidores da constituição da equipa se falava na hipótese da sua ascensão ao Governo. Outro aspecto que Passos quis assinalar foi a sua abertura em áreas tradicionalmente mais caras ao PS e à esquerda, criando um ministério da Cultura, Igualdade e Cidadania, cujo objectivo se percebe, mas sem coerência no conjunto de áreas abrangidas. Mas, num governo a prazo, talvez o mais interessante tenha sido a criação de um novo ministério – o da Reforma Administrativa, entregue ao independente Rui Medeiros. Sim, é verdade que também pode ser a simples importação de uma ideia do PS, mas Passos Coelho não dá ponto sem nó e há outras interpretações possíveis, tendo em conta a história negra da reforma da administração nesta legislatura. O reconhecimento do falhanço da sua equipa nesta área? A prova de que o CDS (e Paulo Portas) ficaria sem esta tutela?

Em termos de equipa, este Governo não vai merecer sequer um rodapé nas páginas de um qualquer livro de História e o primeiro-ministro sabe disso. Ora, é impensável que ele aceite sair pela porta baixa, sem dar luta até ao último minuto em nome de um legado que acredita recolher um apoio considerável dos portugueses. Resta-lhe um último debate na casa da democracia capaz de tornar memorável o dia da sua queda no Parlamento e é óbvio que não vai faltar à chamada nessa hora da despedida – porque o que se vai passar, a partir daí, mudará para sempre o funcionamento do nosso sistema político. E isso sim não escapará aos compêndios.

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