Sporting, música, lutas, política: aos 65, Ferro é a segunda figura do Estado

No agora ISEG, Ferro Rodrigues foi presidente da associação de estudantes, que fazia cursos livres e que até criou as chamadas anti-sebentas, nas quais se compilavam, antes de 25 de Abril de 1974, textos que não faziam parte dos currículos.

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Ferro Rodrigues foi eleito nesta sexta-feira presidente da AR Enric Vives-Rubio

Na juventude, teve programas de música, um deles foi elogiado pela crítica e depois silenciado pela PIDE. Já foi ministro, deputado, activista estudantil. Na biografia de Ferro Rodrigues não faltam cargos públicos, nem episódios da vida política portuguesa. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues, licenciado em Economia e professor no ensino superior, acaba agora, no arranque desta nova legislatura, de ser eleito presidente da Assembleia da República. A poucos dias de completar 66 anos – nasceu a 3 de Novembro de 1949 em Lisboa – o socialista somou 120 votos, depositados em urna pelos deputados que se levantaram um a um, numa votação secreta.

Fernando Negrão, nome proposto pelos sociais-democratas e apoiado pelos centristas, somou 108. Houve dois votos em branco. Na cadeira de presidente da Assembleia da República estava nesta sexta-feira o socialista Alberto Martins, como presidente interino. Alberto Martins que também foi, como Ferro Rodrigues e na mesma época, dirigente estudantil. O primeiro em Coimbra, onde pediu “em nome dos estudantes” para usar a palavra, desencadeando a célebre crise académica de 69, o segundo em Lisboa.

Ferro Rodrigues já conhece os cantos à casa, já foi deputado em várias legislaturas. Já ocupou, de resto, o lugar de vice-presidente da Assembleia da República entre 2011 e 2014.

Foi há três décadas que chegou pela primeira vez ao Parlamento, eleito deputado em 1985. Foi ministro de governos liderados por António Guterres (1995-2001); foi secretário-geral do PS, entre 2002 e 2004, e viu a sua liderança abalada quando rebentou o escândalo Casa Pia.

Foi ainda vice-presidente do grupo parlamentar entre 1991 e 1995 e líder parlamentar nos últimos meses da legislatura anterior. O socialista, que se inscreveu no PS em 1986, é um sportinguista ferrenho – o pai fê-lo sócio quando nasceu.

Estudou no Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa. Ao Expresso, em 1998, explicou que os pais consideraram que lá o ensino “era mais aberto, com convivência entre rapazes e raparigas, ideias mais progressistas, maior arejamento".

Nesta sexta-feira, Ferro Rodrigues chegou a segunda figura do Estado português, numa altura em que a situação política portuguesa está particularmente polarizada, em função dos resultados das eleições legislativas de 4 Outubro.

Ferro Rodrigues já passou por outros momentos políticos particulares como o que, em 2004, o levou a demitir-se da liderança socialista. Na altura, o social-democrata Durão Barroso deixou o cargo de primeiro-ministro que ocupava para ser presidente da Comissão Europeia. O então Presidente da República Jorge Sampaio convidou o PSD a formar Governo (era líder Pedro Santana Lopes). Ao contrário da decisão do Chefe de Estado, Ferro Rodrigues entendia que a Assembleia da República devia ser dissolvida e convocadas eleições antecipadas. E demitiu-se por isso.

Luta estudantil
No ano passado, apoiou o nome de António Costa para líder socialista, contra a candidatura de António José Seguro. Casado e com dois filhos, envolveu-se em lutas políticas, de contestação à ditadura, e no movimento associativo e estudantil, quando era ainda jovem. Perseguido pela PIDE, chegou a ser preso, ia a caminho do Rossio, no 1º de Maio de 1973 – passou 12 dias no forte de Caxias.

A agência Lusa lembra ainda que um dos acontecimentos mais marcantes para Ferro Rodrigues, e que lhe despertou a consciência política, foi ter assistido à carga policial da GNR sobre os apoiantes de Humberto Delgado, que se juntavam no liceu Camões, em Lisboa, para assistir a um comício do “general sem medo”. Tinha apenas oito anos. Ferro Rodrigues foi também um dos fundadores do Movimento de Esquerda Socialista e chegou a fazer parte do movimento Nova Esquerda.

No agora chamado ISEG (na altura chamava-se Económicas), Ferro Rodrigues foi presidente da associação de estudantes, na década de 1970. Era aquela associação que organizava cursos livres sobre diferentes temas e que criou também as chamadas anti-sebentas nas quais se compilavam textos que não faziam parte dos currículos, isto antes do 25 de Abril de 1974. No ISEG, eram então professores o actual Presidente da República, Cavaco Silva, e a antiga líder do PSD Manuela Ferreira Leite.

Num artigo d’O Independente de 2002, lê-se que “rezam crónicas menos confirmadas que [Ferro Rodrigues] terá provocado um desmaio a Cavaco Silva, assistente nas matérias financeiras. Nesse dia, como noutros, o tímido [aluno] terá posto em causa os métodos pedagógicos e os programas de ensino ‘capitalistas’, que apenas serviam as ‘classes dominantes’, provocando o mal-estar ao exigente professor”.

Ferro Rodrigues foi dirigente daquela associação pouco depois do Maio de 68 e chegou mesmo a ir até Paris, um mês depois das célebres lutas estudantis. Passou pela Sorbonne, ficou alojado no Quartier Latin. Já conhecia bem a capital francesa – desde a adolescência que viajava pela Europa.

É também nesta época que faz dois programas no Rádio Clube Português: um de música anglo-saxónica; outro de música portuguesa de intervenção, que chegou a ser considerado uma revelação pelo caderno cultural do Diário de Notícias, mas acabaria por ser silenciado pela censura.

Do currículo de Ferro Rodrigues, a quem já reconheceram um feitio reservado, timidez, mas pragmatismo, humor e gosto por festas, fazem ainda parte funções na OCDE e várias obras e artigos na área da Economia e das Finanças, como Políticas Sociais e Estado Providência: O Financiamento da Segurança Social; Emprego e Desemprego, Factos e Argumentos; A Propósito da especialização Internacional da Economia Portuguesa, entre muitos outros.

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