UE paga a Erdogan para tentar travar os “milhões de refugiados” da Síria

Bruxelas propõe-se pagar para criar melhores condições de vida na Turquia para os que fogem da guerra, tornando este país uma espécie de segunda fronteira do espaço europeu. Donald Tusk faz previsões dramáticas.

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Imigrantes a dormir junto a um graffiti no porto de Mytilene, na ilha grega de Lesbos ARIS MESSINIS/AFP

A Comissão Europeia compromete-se a canalizar mil milhões de euros suplementares para ajudar a Turquia, nos anos de 2015 e 2016, a lidar com os mais de 2,2 milhões de refugiados, a maioria dos quais sírios, que tem no seu território. Em troca, a Turquia deverá registar todos os refugiados que entram no seu território, facilitar a sua inclusão na sociedade turca – o acesso à educação, ao emprego – e participar em operações conjuntas contra o tráfico de seres humanos, por exemplo. Tudo isto com assistência financeira da UE.

Estes são alguns dos pontos do projecto de acordo entre a UE e a Turquia divulgados esta terça-feira, depois das conversações em Bruxelas entre o Presidente turco Recep Tayyip Erdogan e os líderes europeus, que se divide em duas partes: por um lado, apoiar os refugiados e as comunidades em que se inserem na Turquia e, por outro, reforçar a cooperação com Ancara, para tentar estancar a onda migratória para a UE que, de Janeiro a Setembro, trouxe 630 mil pessoas para os Vinte e Oito, em busca de uma nova vida.

Os alarmes sobre o número de refugiados que podem continuar a chegar sucedem-se, numa escalada em que já não se percebe quem exagera ou quem peca por defeito: o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, avançou os mais assustadores: “As estimativas turcas são que há três milhões de potenciais refugiados que podem vir da região de Alepo”, afirmou no Parlamento Europeu, citando como sua fonte o próprio Erdogan. “Hoje, milhões de potenciais refugiados estão a sonhar com a Europa. E o mundo à nossa volta não tem a intenção de nos ajudar”, afirmou em Estrasburgo, num discurso marcado pelo tom dramático.

Em Ancara, no entanto, o vice-primeiro-ministro Numan Kurtulmus disse ao jornal Hürriyet que as previsões do Governo turco eram que os bombardeamentos russos podiam levar mais um milhão de pessoas a fugir para a Turquia. “O Ocidente da Síria é onde há mais população – Damasco, Homs, Hama, Alepo e Latákia. Até agora, havia um equilíbrio, uma guerra civil multilateral”, disse. “Mas os bombardeamentos da Rússia em locais onde vivem dissidentes moderados vão dar força ao regime, que vai aumentar a opressão e os ataques. Assim sendo, o equilíbrio há-de mudar nestas cidades muito povoadas e haverá um fluxo de centenas de milhares, talvez mais de um milhão de pessoas para a Turquia.”

Nada sobre a guerra

O documento revelado pela Comissão Europeia nada diz sobre o que o origina esta fuga de pessoas – que deixam para trás a guerra na Síria e um país destruído, mas também o Iraque, para onde transbordou já este conflito. Erdogan exortou os europeus a envolverem-se activamente na resolução da guerra na Síria, e Donald Tusk, o presidente do Conselho, afirmou que a UE “concorda com a na necessidade de lutar contra o Daesh [a designação do EI nos países islâmicos].” Mas não há qualquer referência a acções desse tipo neste projecto de acordo.

Em preparação desde Maio, o documento também não tem nem uma palavra sobre a criação de uma zona-tampão e de exclusão aérea no Norte da Síria, para onde a Turquia gostaria de enviar parte substancial dos refugiados da guerra da Síria que actualmente tem no seu território. Na véspera, com Erdogan ao lado, Tusk reconheceu que a UE “está pronta a discutir” a criação desta zona, que não agrada nem aos EUA, nem à Europa, nem à Rússia. Mas isso ficará para mais tarde.

O projecto de acordo é uma base de negociações, que promete canalizar muito dinheiro europeu para a Turquia, para “criar melhores condições de vida e perspectivas de médio e longo prazo para os refugiados”, esperando assim que não venham para a Europa em busca de melhor sorte. Por outro lado, tentará criar programas de reinstalação de alguns refugiados nos países-membros da UE de “forma ordenada”, sem arriscarem a vida em embarcações precárias no Mediterrâneo, exploradas por traficantes.

Por outro lado, a Turquia deverá entrar para a lista de países de origem seguros, aceitando a devolução de migrantes que os países da UE consideraram não caber na definição de refugiado. “A Turquia tem de entrar nesta lista. Se não, mais vale pararmos com as negociações para a adesão à UE”, afirmou Jean-Claude Juncker no Parlamento Europeu.

Em troca, para a Turquia poderão ser facilitadas as viagens dos seus cidadãos para o espaço europeu, e também relançadas as negociações de adesão à União Europeia, há muito paralisadas.

Deve ser também reforçada a cooperação com as autoridades turcas, para lutar contra os traficantes e em especial com guarda costeira, para efectuar missões de vigilância e salvamento. Segundo os últimos números da Organização Internacional de Migrações, quase 560 mil pessoas chegaram desde o início do ano à Europa através do Mediterrâneo, mar que foi fatal para 2987 pessoas – quase três quartos do total de 4093 migrantes que morreram em todo o mundo em 2015, até agora. O alerta sobre os últimos mortos conhecidos foi dado pelo Crescente Vermelho esta terça-feira: mais de 100 pessoas morreram afogadas ao largo da Líbia.

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