Ofensiva terrestre de Assad pode seguir-se aos bombardeamentos russos

Os alvos da Rússia são o “Estado Islâmico, a [Frente] al-Nusra e outros grupos terroristas", afirma Serguei Lavrov, que abre porta à oposição moderada anti-Assad no processo político sírio.

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Bombardeamento numa zona controlada por grupos islamista anti-regime Khalil Ashawi/REUTERS

Os bombardeamentos aéreos da Rússia na Síria poderão, em breve, ser acompanhados de acções no terreno de forças governamentais apoiadas por soldados iranianos, que terão chegado nos últimos dez dias ao país, e pelos seus aliados libaneses do Hezbollah.

A informação de que está a ser preparada uma ofensiva terrestre com o objectivo de recuperar território perdido pelo Presidente Bashar al-Assad foi avançada à Reuters por duas fontes libanesas familiarizadas com a evolução política e militar do conflito. 

“A vanguarda das forças terrestres iranianas começou a chegar à Síria: soldados e oficiais para participarem especificamente nesta batalha. Não são conselheiros”, disse uma das fontes. As forças iranianas que estarão a chegar serão, para já, contabilizadas em centenas de soldados.

No terreno, esta quinta-feira, aviões russos atacaram pelo segundo dia consecutivo, em vários momentos ao longo do dia. O Ministério da Defesa de Moscovo disse que, em vários bombardeamentos, foram atingidas posições do autoproclamado Estado Islâmico (EI) e da Frente Al-Nusra, ligada à Al-Qaeda. Foi uma clara resposta às dúvidas que os EUA e a França levantaram sobre os alvos russos.

Mas, segundo outra fonte da Reuters, "os ataques aéreos serão no futuro acompanhados por avanços no terreno”. “É possível que as próximas operações se concentrem em zonas rurais de Idlib e Hama”, acrescentou.

O Hezbollah, uma milícia xiita libanesa apoiada pelo Irão, está ao lado de Assad desde o início da guerra. Mas o apoio de Teerão incluía sobretudo conselheiros militares, a mobilização de outras milícias xiitas, incluindo iraquianos e afegãos. A confirmar-se, a convergência de esforços entre o regime, a Rússia, o Irão e os seus aliados configura uma aliança de novos contornos.

Uma questão que sobrou do primeiro dia de bombardeamentos russos, na quarta-feira, foi a dúvida dos EUA e dos seus aliados sobre os seus alvos. Logo depois de terem caído as primeiras bombas, o secretário norte-americano da Defesa, Ashton Carter, disse que os ataques “provavelmente não visavam” os jihadistas e advertiu que a abordagem de Moscovo poderia “correr mal” se tivesse como único objectivo defender o regime. O ministro dos Negócios estrangeiros francês, Laurent Fabius, afirmou ter indicações de que os alvos não teriam sido do EI.

Fontes oficiais norte-americanas, e também o senador John McCain, disseram mais tarde que foram atacadas unidades treinadas e armadas pela CIA, serviços secretos dos Estados Unidos. O mesmo foi declarado por Hassan Haj Ali, comandante de um dos grupos que integra o Exército Livre da Síria, anti-Assad. Mas Moscovo desmente.

Para as dúvidas ocidentais, que o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, considera “infundadas”, contribui o facto de esses primeiros ataques terem ocorridos nas províncias de Hama, Homs e Latakia, onde o exército de Assad “sofreu derrotas” e – disse à AFP o politólogo libanês Zyad Majed – o EI ou não tem qualquer presença ou tem uma presença limitada.

Ajudar Assad
A Rússia não esconde que entrou na guerra “para ajudar as forças do regime de Bashar al-Assad – como disse esta quinta-feira o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. E, garante, como fez Lavrov, que os seus alvos são o “Estado Islâmico, a [Frente] al-Nusra e outros grupos terroristas” - os mesmos, acrescentou, da coligação liderada pelos EUA.

Nega também estar a escolher os alvos e a atacar rebeldes apoiados pelos Estados Unidos em vez de se concentrar no inimigo comum de ambos – o EI, que o Presidente Vladimir Putin anunciou querer combater depressa e destruir na Síria para que não chegue à Rússia. Desmente ainda que a acusação do líder da oposição síria no exílio, Khaled khoja, de que foram mortos 36 civis “inocentes”.

As primeiras informações sobre o envolvimento russo – o primeiro assumido no exterior desde a invasão soviética do Afeganistão, em 1979 – só vieram confirmar que, como já se sabia, Moscovo e os países ocidentais têm entendimentos diferentes sobre quem são os “terroristas”.

Washington e seus aliados distinguem entre os rebeldes moderados anti-regime, que apoiam, e o EI ou a Frente Al-Nusra. O posicionamento de Moscovo tem sido associado ao discurso de Assad, para quem todos os que o combatem são “terroristas”.

Mas o ministro russo introduziu no discurso o que pode ser uma nuance importante: “Não consideramos o Exército Livre da Síria um grupo terrorista. Acreditamos que deve ser parte do processo político, tal como outros grupos armados”, disse, citado pela agência estatal russa Sputnik (ex-RIA), numa conferência de imprensa nas Nações Unidas.

Num cenário em que os céus da Síria são agora sobrevoados por aviões da coligação liderada pelos norte-americanos, que há um ano bombardeiam os jihadistas, e aparelhos russos – para além da aviação do regime – as duas partes concordaram na necessidade de um encontro “entre militares, o mais depressa possível” para estabelecerem uma coordenação que evite incidentes.

A braços, também ele, com a ameaça jihadista, o Iraque abriu a porta a bombardeamentos sobre o EI no seu território. Mas a possibilidade, admitida pelo primeiro-ministro, Haider al-Abadi, em declarações à televisão France 24, foi afastada por Lavrov, que disse não haver “intenção de alargar os ataques aéreos ao Iraque”.

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