As linhas vermelhas com que se poderá coser uma coligação à esquerda

Austeridade, não obrigada, dizem CDU e Bloco de Esquerda. Para isso, o PS que se entenda com a direita.

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Passos Coelho e Paulo Portas não se cansam de agitar o fantasma da coligação de esquerda no Parlamento caso nenhuma força política alcance a maioria absoluta. Se os dois partidos à esquerda do PS com assento parlamentar não fecham a porta a entendimentos, a verdade é que também não a escancaram.

Na CDU ninguém quer falar em quaisquer cenários pós-4 de Outubro. "Deixemos os eleitores decidir no domingo", é o que se limita a dizer a coligação PCP/PEV. Jerónimo de Sousa não se tem cansado de dizer que tem a convicção profunda de que a direita vai sofrer uma pesada derrota.

Apesar das críticas cerradas aos socialistas, Jerónimo nunca fechou (nem abriu) a porta a diálogos ou entendimentos. Sempre disposto a conversar, coloca antes uma pergunta: entendimentos para quê e para quem? Tem insistido que a bola está no campo do PS, porque é o partido de António Costa que tem que repensar se está disposto a discutir quatro temas imprescindíveis para os comunistas: a renegociação da dívida, o Tratado Orçamental, o futuro da Segurança Social e o mercado de Trabalho. Palavras que, na coligação de direita, são entendidas como o caderno de encargos para o PCP fazer um acordo com o PS.

Na equação do líder do PCP sobre o pós-eleições entram alguns números: quantos deputados a CDU consegue (ou não) eleger além dos actuais 16 e quantos o CDS-PP perde dos actuais 24. Porque se ambos tiverem o mesmo peso, poderá ser mais fácil uma aproximação entre socialistas e centristas do que com comunistas, como a história política nacional já mostrou e Jerónimo de Sousa fez questão de lembrar há poucos dias.

O facto de António Costa ter ontem criticado a CDU e o Bloco por continuamente atacarem o PS foi pretexto para Jerónimo de Sousa pedir “ponderação”. Até porque rejeita que o PS seja seu adversário. “Os meus adversários estão claros. O adversário principal é a política de direita e essa expressão de António Costa deveria ser ponderada.”

Mas também não vê neste pedido público de António Costa um piscar de olho para um eventual entendimento pós-eleitoral: “Estranha forma de o fazer. Quando não reconhece esta força combativa, de afirmação, de propostas e de luta ao longo destes anos tão difíceis…”, vincou Jerónimo.

Que mantém, apesar desta espécie de facadinha nas costas dada por Costa, a “disposição de sempre para um diálogo sincero, com substância”. Mas avisa: é preciso também que o PS tenha a “preocupação de dizer aos portugueses se quer repetir, no essencial, aquilo que fez”. A tal política de direita, o seu adversário.

Bloco quer medidas concretas
O nó entre Bloco de Esquerda e PS não está ainda desatado. A porta-voz Catarina Martins insiste que já mostrou ao líder socialista disponibilidade para uma solução de Governo, desde que respeitando algumas “linhas vermelhas”, como salários ou pensões. A candidata garante que até agora não teve uma resposta concreta e o facto de o líder socialista já ter demonstrado disponibilidade para dialogar com a esquerda e chumbar um orçamento de direita não é suficiente para o BE, que quer medidas concretas em cima da mesa.

O PÚBLICO perguntou à porta-voz até onde estava o Bloco disposto a ir nas negociações com os socialistas caso estas venham a acontecer. Catarina Martins devolve a questão: “Mas o problema é que [o PS] ainda não falou de nenhuma medida concreta!”, exclama. “Eu propus ao António Costa medidas concretas, linhas vermelhas concretas, e do lado do PS não houve nada de concreto. Uma coisa muito assustadora é que o PS, sempre que quer falar de uma política, fala numa orgânica governamental, nunca fala de nada concreto. E nós precisamos de coisas concretas. O Bloco fala da vida das pessoas”, acrescenta.

Mas o BE está disponível para se sentar com o PS e ouvir o que tem para dizer? “Eu já disse a António Costa, ele não me respondeu, desconversou.” Tal não faz, porém, a porta-voz voltar atrás: “O BE não faltará a uma solução de Governo que proteja salários, pensões, o emprego.” Desde que estas linhas vermelhas não sejam ultrapassadas. Mesmo que em troca o PS peça aos bloquistas que cedam noutros temas? “Uma negociação é uma negociação. Mas o BE não faltará a uma negociação que faça a diferença concreta na vida das pessoas. Nunca fará parte de uma solução que faça mais austeridade. Quem vota no BE sabe que o seu voto significa defesa do emprego, dos salários e das pensões”, diz.

Para Catarina Martins, “se o PS quiser cortar pensões, pode aliar-se ao PSD, não precisa do Bloco para nada”. Ou seja, pode falar com a direita. O Bloco “está disponível para uma solução de esquerda”, não para uma solução de direita.

Catarina Martins repete: “Nós temos toda a disponibilidade para negociar um Governo que salve o país, que proteja as pensões, que não as corte, chame-se ele congelamento, redução, que proteja quem contribuiu e descontou toda uma vida, respeite essas pessoas, que não descapitalize a Segurança Social, que proteja o emprego, que não facilite os despedimentos, nem baixe mais os custos do trabalho, porque isso tem sido o que causa a crise no país. 

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