Volkswagen reserva 6,5 mil milhões para custos com escândalo das emissões

Grupo pôs de lado 6500 milhões para despesas relacionadas com o caso. Fabricantes de automóveis caem nas bolsas europeias.

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Futuro do CEO da VW, Martin Winterkorn, pode estar em risco AFP / ODD ANDERSEN

“Fizemos asneira”. Foi com estas palavras, sem rodeios, que o director-geral da Volkswagen América, Michael Horn reconheceu a fraude detectada no final da semana passada nos Estados Unidos em milhares de automóveis da marca alemã. As declarações foram proferidas na segunda-feira à noite, em Nova Iorque, durante o lançamento do novo Volkswagen Passat 2015. Já nesta terça-feira, a empresa anunciou que vai reservar 6,5 mil milhões de euros no terceiro trimestre do ano para fazer face às irregularidades detectadas nos motores de 11 milhões de veículos em todo o mundo, um escândalo está a levar as acções da empresa a afundar e motivou também uma tomada de posição da chanceler alemã Angela Merkel.

“A nossa empresa foi desonesta com a EPA (Agência de Protecção Ambiental) e com a CARB [o organismo equivalente à EPA no estado da Califórnia), assim como com todos vós. Em alemão diríamos que fizemos asneira”, reconheceu.

Já depois destas declarações e num comunicado divulgado nesta terça-feira, a Volkswagen admitiu que 11 milhões de veículos em todo o mundo estavam equipados com um software que permite falsificar os testes anti-poluição.

A empresa garante que está a trabalhar “para esclarecer as irregularidades relativas ao software especial usado em motores a diesel” e lembra que em causa estão apenas os motores Type EA 189, envolvendo “cerca de 11 milhões de veículos em todo o mundo”. “Um desvio assinalável entre os resultados dos testes e a utilização em estrada foi demonstrado exclusivamente neste tipo de motor. A Volkswagen está a trabalhar intensamente para eliminar esses desvios através de medidas técnicas”, refere o comunicado.

O gigante da indústria automóvel lembra ainda que os novos veículos da marca com motores a diesel EU 6, que estão disponíveis nos países da União Europeia, cumprem os “requisitos legais e as normas ambientais”. “O software em questão não afecta a manipulação, consumo ou emissões”, o que dá segurança aos consumidores e revendedores, diz a empresa.

A provisão de 6,5 mil milhões de euros, esclarece a Volkswagen, servirá para custear as medidas necessárias para recuperar a confiança dos clientes e terá impactos negativos nas contas do terceiro trimestre do fabricante de automóveis alemão, obrigando a rever a estimativa de lucros para 2015. E acrescenta que, devido às investigações em curso, “os valores em causa podem ser sujeitos a uma reavaliação”.

O escândalo rebentou na sexta-feira passada, quando a Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos revelou que quase 500 mil veículos Volkswagen e Audi, construídos entre 2009 e 2015 e vendidos naquele país, tinham um software que  permitia falsificar o desempenho dos motores quando eram sujeitos a controlo de emissões de gases poluentes, violando propositadamente as normas ambientais daquele país. A multa para estas situações pode chegar aos 18 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros).

As autoridades norte-americanas já abriram um inquérito criminal contra a construtora automóvel, que está a ser conduzido pela divisão do Departamento de Justiça encarregue das questões relacionadas com os recursos naturais.

Nesta terça-feira, a imprensa alemã dava conta de que o responsável do grupo Martin Winterkorn poderia ser substituído ainda esta semana pelo CEO da Porsche, Matthias Müller, mas a empresa desmentiu essa possibilidade. Um porta-voz Volkswagen citado pela Reuters classificou essas notícias como "um disparate".

Merkel exige transparência e explicações

Em reacção ao escândalo numa conferência de imprensa, em Berlim, a chanceler alemã Angela Merkel exigiu à empresa “total transparência” e que explique, o mais depressa possível, todo o processo.

“Agora [a empresa] tem de dar provas de uma total transparência, de explicar todo o processo e espero que os factos sejam colocados me cima da mesa o mais depressa possível”, disse Merkel, citada pela France Press, acrescentando que o ministro dos Transportes, Alexander Dobrindt , está a acompanhar todo o processo.

Ao início da tarde desta terça-feira, o ministro anunciou que vai enviar uma comissão de inquérito à sede da empresa, em  Wolfsburg, na Alemanha, para tentar apurar todos os factos. Os membros da comissão deverão reunir com os responsáveis executivos da empresa e pedir o acesso a documentos importantes. “ O comité vai verificar se os veículos em causa foram construídos e testados de acordo com as normas alemãs e europeias e se isso está de acordo com o registo dos veículos”, disse o governante.

Também o ministro das Finanças francês pediu que seja realizada uma investigação "em toda a Europa". Para “tranquilizar” os cidadãos é “necessário” controlar as viaturas dos outros fabricantes europeus, adiantou Michel Sapin em declarações à rádio Europe 1.

Questionado sobre a necessidade de levar a cabo um inquérito na Europa e em França, o ministro lembrou que são as regras europeias que devem ser respeitadas. “Mesmo que seja para tranquilizar uns e outros, acho que é necessário fazê-lo também para os fabricantes franceses”, disse Michel Sapin, acrescentando, contudo, que não tem qualquer razão para pensar que a indústria automóvel francesa teve uma conduta semelhante à da Volkswagen.

“Não se trata de assuntos menores. Não estamos a falar da velocidade ou da qualidade do couro. Trata-se de evitar que as pessoas sejam envenenadas pela poluição”, reforçou.

Nesta terça-feira, as acções da Volkswagen abriram em queda na Bolsa de Frankfurt e, pelas 16h00, sofriam uma desvalorização em torno de 19%. Na segunda-feira já tinham afundado 19%. A derrapagem bolsista está a estender-se também a outros fabricantes de automóveis, que poderão vir a ser alvo de maior escrutínio na Europa. A Daimler (fabricante dos Mercedes) caía 6%, ao passo que a BMW estava a desvalorizar 5%. Em Paris, a cotação da Peugeot estava a descer 7%, depois de o Governo francês ter defendido uma inspecção a todos os veículos, incluindo os da marca francesa.

O escândalo é um revés para a empresa que ambicionava aumentar a sua presença nos Estados Unidos, o segundo maior mercado automóvel do mundo. com João Pedro Pereira

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