Ministros da UE adiam decisão sobre redistribuição de refugiados

Mantém-se o impasse após a cimeira extraordinária sobre a crise de refugiados em Bruxelas. Alemanha, Áustria, Eslováquia e Holanda recuperam controlos fronteiriços, e o primeiro-ministro da Hungria sobe a parada: a partir desta terça-feira, a passagem não autorizada dará direito a prisão.

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Centenas de pessoas estão acampadas nas proximidades da Comissão Europeia, em Bruxelas Yves Herman/Reuters

Indiferentes às críticas dos manifestantes que denunciaram o falhanço da Europa na resposta à crise de refugiados, os ministros do Interior e Administração Interna da União Europeia (UE), reunidos nesta segunda-feira numa cimeira extraordinária em Bruxelas, concordaram em financiar a construção de novos campos de acolhimento longe do continente, para travar o afluxo, mas não conseguiram consenso para a redistribuição de milhares de pessoas que já fizeram a viagem.

A cimeira de "emergência" foi convocada há mais de duas semanas para discutir o êxodo das populações em fuga da guerra na Síria, da ameaça do Estado Islâmico no Iraque e na Líbia, da violência dos taliban no Afeganistão ou da pobreza extrema e repressão política na Eritreia, e que buscam santuário, asilo político ou abrigo nos países mais ricos da Europa – o maior movimento de refugiados no continente desde a Segunda Guerra Mundial, que dividiu a "Velha" e a "Nova" Europa e expôs enormes fracturas entre os Estados-membros.

Se ninguém criticou os planos e as políticas pensadas para fortalecer as fronteiras, como se esperava, os ministros dividiram-se quanto à proposta da Comissão Europeia para a redistribuição de 160 mil requerentes de asilo político actualmente em Itália, na Grécia e na Hungria, as três principais portas de entrada na UE: o sistema de quotas, de aplicação obrigatória, é ferozmente criticado pelos Estados do Leste (Polónia, República Checa, Eslováquia, Roménia e Hungria) e merece sérias reservas aos bálticos.

Em Bruxelas para pressionar os dirigentes da UE, o Alto-comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres, aconselhou os ministros a acertar finalmente uma estratégia que permita pôr fim ao sofrimento de milhares de pessoas. “Vivemos numa situação de caos e de confusão no interior da UE, e é absolutamente necessário que este Conselho seja um passo decisivo para pôr a casa em ordem e permitir à Europa dar uma resposta adequada aos desafios colocados por esta crise migratória e de refugiados”, considerou.

O máximo que a Comissão conseguiu arrancar aos líderes no encontro foi o “compromisso” para um acordo nos termos definidos por Jean-Claude Juncker – além de terem adiado uma decisão formal sobre os detalhes desse plano para 8 de Outubro, os ministros desvalorizaram a proposta actual como um “rascunho”. Em conferência de imprensa, o ministro francês, Bernard Cazeneuve, e o seu congénere alemão, Thomas de Maiziere, informaram que “não foi tomada nenhuma decisão em termos de quotas ou de redistribuição” para além do acordo de princípio. "Uma grande maioria dos Estados está comprometida com os princípios para uma relocalização [dos refugiados], mas nem todos estão para já a bordo", admitiu o ministro luxemburguês Jean Asselborn, que presidiu à reunião.

Entre as ideias apreciadas na reunião estavam planos (descritos como “radicais”) para a detenção de “migrantes irregulares”, bem como a organização de “unidades de recepção e acolhimento temporário” para a rápida identificação e registo dos candidatos a asilo que chegam à Grécia e a Itália através do mar Mediterrâneo – mas nada de concreto para além da garantia de relocalização dos indivíduos com direito à protecção internacional e da deportação daqueles fora dessa categoria. “O controlo efectivo da fronteira [exterior da EU] é um imperativo para a gestão migratória”, insistia o documento apresentado aos ministros.


Antes de se sentarem à mesa em Bruxelas, vários governos suspenderam a livre circulação prevista nos acordos de Schengen e reintroduziram controlos nas fronteiras que, em caso de emergência, podem manter-se em vigor por um período máximo de dois meses.

O fim do sistema Schengen?
À Alemanha, que tomou essa decisão no domingo, alegando uma pressão incomportável após a chegada de mais de 12 mil refugiados a Munique na véspera, seguiram-se esta manhã a Áustria, que mobilizou as Forças Armadas para uma missão de auxílio humanitário na fronteira com a Hungria, e a Eslováquia, que chamou a polícia para "detectar a presença de contrabandistas", justificou o ministro do Interior, Robert Kalinak. "Não se trata de controlo de fronteira no sentido clássico", acrescentou. Na Alemanha, em menos de 24 horas, foram detidos  25 indivíduos sob suspeita de tráfico de seres humanos.

Também a Holanda recuperou as inspecções aleatórias nas regiões fronteiriças – uma medida "preventiva" depois de 3000 refugiados terem procurado abrigo no país na semana passada (o dobro da semana anterior). Pelas estimativas do Governo, os centros de abrigo atingirão a capacidade máxima antes do fim do mês. A primeira-ministra da Polónia, Ewa Kopacz, confirmou que não hesitará em fechar as fronteiras assim que forem detectadas "ameaças externas" à segurança nacional, uma definição ambígua que se recusou a explicitar.

Pelo seu lado, o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, explicou que Paris poderia replicar a iniciativa germânica e suspender a livre-circulação na fronteira em caso de prolongamento do impasse em Bruxelas – levando vários analistas a vaticinar o fim do sistema de Schengen, considerado o elemento mais significativo da integração europeia.

Na Hungria, não só foi dada como terminada a construção de um novo muro de quatro metros de altura para travar entradas clandestinas, como – nesta meia-noite – entrou em vigor a nova lei que criminaliza a transposição da fronteira sem autorização ou visto de passagem, aprovada à pressa pelo Parlamento de Budapeste. Mas antes disso, no domingo, já foram detidas 5809 pessoas que entraram no país sem documentos.

A polícia foi destacada para bloquear a fronteira com a Sérvia, onde, a partir de agora, qualquer travessia ilegal "será um crime punível com pena de prisão ou deportação", lembrou o primeiro-ministro Viktor Orbán, que terá pedido às autoridades para reduzir o uso da força ao mínimo "indispensável" mas para estarem preparadas para qualquer "complicação". Numa entrevista à TV2 húngara, o primeiro-ministro anunciou ainda que deverá declarar o estado de emergência na zona da fronteira, e confirmou a intenção de recusar os pedidos de asilo que vierem a ser apresentados a Budapeste. "Nós consideramos a Sérvia um país seguro, e nesse sentido rejeitaremos todos os pedidos que dali vierem", justificou.

Entretanto, segundo denúncias das Nações Unidas, o Governo húngaro terá organizado transportes "especiais" de refugiados desde a localidade de Röszke, na fronteira com a Sérvia, até à fronteira com a Áustria, antes que as novas medidas entrassem em vigor. "A situação no ponto de registo em Röszke é que nenhum dos procedimentos oficiais está a ser realizado, as pessoas estão a ser reunidas na estação de comboios e enviadas em autocarros", disse o porta-voz do Alto-comissariado para os Refugiados, Erno Simon, citado pela Reuters.

Budapeste garantiu que estavam a ser cumpridas "todas as obrigações europeias e internacionais, incluindo o registo" dos refugiados, precisando que esse protocolo estava agora a decorrer noutros pontos, nomeadamente em Szentgotthard, para aliviar a pressão no Sul do país. Mas Simon contrapôs que pessoal enviado a esses pontos de registo constatou que se encontravam vazios.

Repórteres da agência britânica confirmaram in loco a partida de um comboio de 15 carruagens com centenas de refugiados da estação de Röszke para Hegyeshalon, na fronteira com a Áustria. Do outro lado da fronteira, na Sérvia, também viram a polícia a reunir refugiados para o transporte por autocarro. A chegada de milhares de pessoas à Áustria durante a noite – "esgotando" a lotação de abrigos e centros de acolhimento e forçando as autoridades a improvisar campos de refugiados com tendas montadas em parques de estacionamento – foi invocada pelo Governo de Viena para a reintrodução dos controlos fronteiriços, especialmente depois de Berlim ter feito o mesmo.

Pelo menos 23 mil pessoas em trânsito para a Alemanha ficaram "retidas" na Áustria desde domingo. "Os centros de Nickelsdorf, Parndorf e da área circundante estão totalmente repletos. Não temos onde instalar quem chega", informou um porta-voz da polícia, acrescentando que as autoridades transportariam refugiados de autocarro para o caminho-de-ferro assim que um comboio especial fosse autorizado.

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