Alemanha em "modo de emergência" para acolher os milhares fugidos à guerra

Munique, porta de entrada na Alemanha, admite que não há um fim à vista para este êxodo. Garantir alojamento para os refugiados é a principal prioridade das autoridades.

Foto
Dos milhares que chegaram nos últimos dias à Alemanha muitos são crianças Ina Fassbender/Reuters

Ainda não é o fim da viagem, mas para milhares de refugiados, na sua maioria sírios, a chegada à Alemanha é sentida como o fim de uma epopeia, dolorosa mas bem-sucedida. Há lágrimas, sorrisos e até espanto com a recepção calorosa dada por gente que sentiu que tinha de vir ajudar, entregar um brinquedo ou apenas aplaudir. Amid Mohammed, um sírio que fugiu com a mulher e a filha de meses através da Turquia, Grécia, Macedónia e daí para a Sérvia e a Hungria, contou ao jornal britânico Independent que ficou sete dias acampado às portas da estação de comboios de Budapeste. “Foi terrível”, recorda, antes de acrescentar: “Adoro a Alemanha”.

Os comboios não param de chegar à estação de Starnberger, em Munique, transformada no primeiro porto de abrigo de uma Alemanha que decidiu abrir os braços à vaga de refugiados – cerca de 30 mil atravessaram a fronteira com a Hungria desde sábado, depois de a chanceler alemã, Angela Merkel, ter anunciado que acolheria todos os sírios em busca de asilo. Sábado e domingo chegaram 20 mil pessoas, na segunda-feira mais 4400.

Dali, são encaminhadas para centros de acolhimento por toda a Baviera, entre eles o centro internacional de feiras e convenções de Munique, onde três pavilhões albergam agora duas mil camas de campanha e um enorme espaço de refeições. Crianças brincam com brinquedos recebidos à chegada enquanto os pais tentam orientar-se neste início de vida nova. “Para as famílias é mais difícil. Para os solteiros é bom e se alguém tiver dinheiro ou passaporte ainda melhor”, diz à Reuters Hassan Halabi, vindo de Alepo, a cidade que já foi a capital económica da Síria e hoje é o seu mais empedernido campo de batalha.

Muitos outros seguem de imediato, de autocarro ou comboio, para outros estados da Alemanha, cumprindo um sistema de quotas na distribuição de migrantes que o governo federal criou há mais de duas décadas. Será só aí que cumprirão as primeiras formalidades, da identificação à apresentação dos pedidos de asilo.

“Não há um fim à vista para este êxodo”, admitiu aos jornalistas Christoph Hillebrand, presidente da região administrativa da Alta Baviera e que tem a seu cargo a coordenação do programa de acolhimento e transporte de refugiados. “Estamos a fazer tudo para fazer de Munique um exemplo para a Alemanha”, afirmou, explicando que a prioridade é aumentar a capacidades de alojamento.

Foi o que aconteceu em Landshunt, uma cidade de 70 mil habitantes, onde a tenda da cerveja das festas de Verão foi reerguida para albergar 250 refugiados que chegaram no fim-de-semana. Thomas Link, o presidente da câmara explicou ao Guardian, que foi preciso encontrar à pressa os equipamentos para transformar o local numa zona habitável. “Não havia mais chuveiros portáteis na Baviera e só umas quantas casas de banho. Nem sei dizer exactamente como conseguimos arranjar tudo”, diz. O alojamento é temporário, mas os primeiros ocupantes não se queixam. “Estamos satisfeitos por ter um tecto sobre a nossa cabeça. Há muito tempo que dormíamos ao ar livre”, disse ao jornal britânico Bashar Alwardad, um antigo guia turístico sírio.

Tal como noutras cidades, voluntários de todas as idades acorreram a ajudar, numa cidade que acolheu 12 mil alemães expulsos dos países de Leste após a derrota nazi. “Ainda me lembro de cada pormenor”, contou Konrad Sickau, de 77 anos, que compara o sofrimento das crianças sírias à sua experiência de refugiado no final da II Guerra Mundial.

Na segunda-feira, ao desbloquear mais seis mil milhões de euros para lidar com a crise dos refugiados, Merkel congratulava-se por a Alemanha “se ter tornado num país que as pessoas associam à esperança” e as sondagens indicam que 95% dos alemães estão felizes com o movimento de solidariedade que tomou conta da Alemanha. Mas dentro da própria coligação de Merkel há quem avise para a insustentabilidade deste esforço a longo prazo e os ataques contra centros de acolhimento atribuídos à extrema-direita estão a ser levados a sério.

No entanto, um alto funcionário do governo alemão, citado pelo jornal francês Le Monde, diz que “a curto prazo o desafio é sobretudo logístico”. Para lhe responder, Governo federal e estados estão a passar por cima de regras e a esquecer burocracias. “Estamos em modo de emergência”, disse uma responsável da administração de Berlim ao jornal Handelsblatt, que adianta que regulamentos de construção estão a ser temporariamente postos de parte, a fim de transformar todas as infra-estruturas disponíveis – do velho aeroporto de Tempelhof a uma prisão da antiga Berlim Leste – em centros de acolhimento.

Os refugiados prometem não esquecer. “Angela Merkel é muito boa. É como uma mãe para nós”, disse ao Bild Nada Adel. A família desta professora de inglês fugida da cidade Deir-Ezzor tornou-se um ícone da crise humanitária quando um jornalista do New York fotografou o desespero estampado no rosto do marido, Laith Majid, ao abraçar os filhos na chegada da jangada em que viajaram até à ilha grega de Kos. Milhares de dólares e de quilómetros de uma viagem de pesadelo terminaram agora em Berlim, onde a família foi de novo fotografada. Agora de sorriso rasgado.   

Sugerir correcção
Ler 1 comentários