França e Reino Unido criam polícia conjunta para travar imigrantes em Calais

Vigilância permanece a prioridade. Pela primeira vez, há planos para proteger alguns dos que sobrevivem em condições desumanas. Mas Calais é um grão de areia na crise de imigração e de refugiados.

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O Reino Unido contribuirá com um total de 35 milhões de euros para Calais ao longo de três anos Philippe Huguen/AFP

Três semanas depois, Calais voltou a fazer manchetes no Reino Unido e em França. No fim de Julho, dois jovens morreram quando, em duas noites seguidas, mais de 2000 tentaram passar os túneis do canal da Mancha – habitualmente eram uns 500, agora o número desceu para 200. Na altura, Londres prometeu milhões em cercas e câmaras de vigilância, Paris enviou mais polícias. Esta quinta-feira, com a visita da ministra do Interior, Theresa May, os dois países anunciam a criação de um comando policial conjunto.

O Reino Unido comprometeu-se com um investimento de 35 milhões de euros ao longo de três anos concentrado nesta cidade do Norte da França. “Há um ano era zero”, disse ao Le Monde um orgulhoso responsável do Ministério do Interior francês, encabeçado por Bernard Cazeneuve, que acompanhou May na visita.

Repetindo as palavras do primeiro-ministro David Cameron, a sua ministra insistiu que a maioria dos estimados 8000 imigrantes que estão na região de Calais - outros números falam em muito menos, 2800 - e sonham chegar ao Reino Unido são pessoas à procura de trabalho e de uma vida melhor: “Há muitos e muitos imigrantes económicos” e só alguns refugiados, afirmou, citada no Twitter pela jornalista do diário The Guardian Alexandra Topping.

As prioridades – vigilância e repatriamento – baseiam-se neste argumento. O grande problema é que este não corresponde à realidade: segundo um inquérito realizado em 2014 pela ONG Secours Catholique, uma das associações mais presentes em Calais, mais de dois terços dos imigrantes que vivem na Selva, o maior dos campos improvisados por quem chega, decidiram fugir do seu país depois de terem enfrentado perseguições ou por recearem ser vítimas de conflitos. Para além disso, 48% dos habitantes da Selva eram de classes sociais superiores antes da fuga.

Entre as medidas de segurança destinadas a “dissuadir e erradicar as actividades criminosas” na cidade, como o tráfico de pessoas, e a “reduzir o número de passageiros em situação irregular no túnel que liga os dois países”, contam-se, do lado francês, um reforço policial, com “unidades extra e equipas de busca adicionais, incluindo cães de alarme”, e, do ladro britânico, vedações, câmaras de vigilância, iluminação e mecanismos de detecção por infravermelhos para o túnel subaquático.

Ao mesmo tempo, será criado o tal “centro de controlo integrado”, um comando policial conjunto, com membros dos dois países. O acordo visa ainda “aumentar as capacidades de processamento de pedidos de asilo”, sem deixar de promover o regresso dos imigrantes aos seus países, a juntar-se aos frequentes desalojamentos forçados (mil pessoas desde o início do ano, segundo o Libération). O objectivo, lê-se no documento, é diminuir a “pressão migratória” na região.

Holanda e Bélgica
Para impedir a chegada de mais imigrantes ao país, o Reino Unido iniciou já contactos com as autoridades holandesas e belgas – a ideia é prevenir o surgimento de novas rotas face ao aumento da segurança em Calais. “Estamos muito conscientes da possibilidade de deslocação”, disse May. “O ministro da Imigração já teve discussões com as autoridades da Holanda e da Bélgica para identificar os portos onde seja preciso trabalhar.”

Os novos planos incluem pela primeira vez projectos para a protecção dos imigrantes, um trabalho que actualmente é assegurado quase em exclusivo por ONG e voluntários particulares. Em concreto, os ministros anunciaram o financiamento de mil camas para requerentes de asilo, “a uma distância significativa de Calais” – hoje, um candidato a asilo espera “três a seis meses para aceder a um alojamento”, lembrou à imprensa francesa Pierre Henry, director da ONG France Terre d’Asile –, e ainda “um apoio às pessoas vulneráveis”.

Neste momento, existe apenas um centro de acolhimento, ao lado da Selva, com cem mulheres e crianças. Há semanas que está sobrelotado e quem lá está vive em condições “desumanas e indignas”, considerou em Julho a Comissão Nacional Consultiva dos Direitos Humanos francesa.

A visita de May a Calais acontece um dia depois da Frontex, a agência que controla as fronteiras externas à União Europeia, ter anunciado um recorde de 107.500 imigrantes a chegarem aos estados-membros em Julho.

A Amnistia Internacional lembra que a Europa não pode evitar “a maior crise global de refugiados” desde a Segunda Guerra e a maior crise de deslocados desde que há registo – 60 milhões de pessoas estão hoje deslocadas dentro dos seus países ou são refugiadas (os sírios encabeçam a lista). Das que conseguiram sair do seu país, 85% estão em países em desenvolvimento. Todos gostariam de chegar à Europa, mas as centenas de milhares que o fizeram desde o início do ano são uma gota desta crise. Calais não é mais do que um grão de areia.

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