Nepal: um país sob ameaça de um grande sismo

O terramoto do Nepal tem sido estudado pelos cientistas – tanto o que se passou como o que se pode fazer no futuro. Uma equipa de portugueses pretende melhorar as construções da cidade de Katmandu, com soluções que poderão ser úteis para outros países com risco sísmico, como Portugal.

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No sismo de 25 de Abril no Nepal foram destruídas mais de 600.000 casas AFP

O sismo que abalou Katmandu, a capital do Nepal, a 25 de Abril deste ano, e que matou mais de oito mil pessoas, foi monitorizado em tempo real por estações de GPS e radares associados a satélites. E os dados agora analisados indicam a possibilidade de novos terramotos ocorrerem no mesmo local, com igual ou ainda maior magnitude. Para melhorar as construções em Katmandu e torná-las mais resistentes, uma equipa de cientistas co-liderada pelo português André Barbosa, e com a qual colabora a Universidade do Porto, recebeu financiamento da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NSF, na sigla em inglês).

Dois estudos liderados pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, publicados nas revistas Science e Nature Geoscience, trouxeram recentemente novas informações sobre o sismo de Katmandu. Jean-Philippe Avouac, geólogo do Caltech e um dos autores dos artigos, já estava a estudar há mais de 20 anos os Himalaias, em colaboração com o Departamento de Minas e Geologia do Nepal. A 25 de Abril, as estações de GPS instaladas por esta equipa registaram em tempo real o sismo de 7,8 de magnitude, que destruiu a cidade de Katmandu.

Seis segundos foi quanto durou a ruptura da falha geológica, propagando-se em direcção a Katmandu a 3,3 quilómetros por segundo. O tempo total que a terra tremeu – suficiente para causar mais de 8898 mortos, 22.000 feridos e destruir 90% dos locais classificados como Património da Humanidade no Vale de Katmandu – foi de apenas 70 segundos. O epicentro localizou-se no distrito de Gorkha, a 75 quilómetros oeste-noroeste de Katmandu e apenas a 15 quilómetros de profundidade, o que explica a forte intensidade sentida na região.

A monitorização foi feita a partir de estações de GPS do Nepal, estações sísmicas de todo o mundo e ainda através de satélites, que recolheram imagens de radar da região. Foi a primeira vez que se reuniram dados tão completos sobre um sismo e captados em tempo real.

O artigo na Nature Geoscience, que se baseia na análise de dados recolhidos até mais de mil quilómetros do epicentro, mostra que o sismo ocorreu na Falha Inversa Principal dos Himalaias, onde estão a convergir a placa tectónica da Índia e a placa da Eurásia. Numa falha inversa, o material rochoso está sujeito a uma tensão compressiva, e o bloco que é deslocado movimenta-se acima do plano original. Naquela falha, a placa da Índia desloca-se cerca de dois centímetros por ano para baixo da placa da Eurásia.

Com os dados recolhidos, os investigadores verificaram que a maior parte da Falha Inversa Principal dos Himalaias ainda se mantém bloqueada, e que o sismo de 25 de Abril atingiu apenas uma pequena fracção dessa zona, não desbloqueando o resto. As zonas bloqueadas são locais em que a resistência à fricção é superior à pressão exercida na crosta terrestre, não havendo um deslocamento. Quando a pressão se torna superior, a resistência é vencida e a falha desbloqueia-se, ocorrendo um sismo. 

Como a maior parte da falha dos Himalaias está ainda bloqueada, o último sismo veio aumentar a pressão na porção adjacente da falha, junto a Katmandu. Por esta razão, os cientistas alertam que a probabilidade de voltar a ocorrer um novo terramoto e de ele atingir uma grande magnitude se tornou iminente.

As surpresas deste terramoto
Calcula-se que a cada 70 anos, aproximadamente, Katmandu sofra um grande terramoto. O último mais forte foi em 1934, e atingiu 8,4 de magnitude. Mais de 80.000 edifícios foram então destruídos e morreram cerca de 8500 pessoas. Depois do sismo de Abril deste ano, o povo nepalês viveu já novamente, no dia 12 de Maio, outro grande sismo, de magnitude 7,3.

“Com o contexto geológico do Nepal, este é um sítio onde esperamos grandes terramotos. Tendo em conta os dados de GPS das duas últimas décadas, que mediram o movimento das placas, já sabíamos quão bloqueada esta falha estava – portanto, o sismo não foi uma surpresa”, diz Jean Paul Ampuero, professor de sismologia no Caltech e também autor do estudo na Nature Geoscience. “Mas como em todos os sismos, há sempre surpresas.”

Efectivamente, olhando para a magnitude de 7,8 atingida, os cientistas esperavam mais estragos. Mas o facto de a ruptura da crosta terrestre não ter chegado à superfície, como já aconteceu anteriormente naquela zona (no terramoto de 1934), ajudou a minimizar a intensidade do sismo.

“No início, quando vi as notícias a chegar de Katmandu, pensei que deveria haver um problema de comunicação, que não estaríamos a ouvir a extensão completa dos danos”, diz Jean-Philippe Avouac, num comunicado de imprensa do Caltech. “Como se pôde ver, houve poucos danos nos edifícios mais pequenos e, felizmente, também menos mortes do que aquelas que eu tinha previsto antes.”

Outro facto que surpreendeu os cientistas, segundo o artigo na Science, foi o de os edifícios mais pequenos terem resistido relativamente bem ao sismo. As ondas sísmicas de alta frequência, com períodos curtos de vibração de menos de um segundo, são as que geralmente afectam os edifícios mais pequenos. Através dos dados de GPS, a equipa descobriu que estas ondas de alta frequência foram bastante suaves em Katmandu, devido ao deslizamento das placas não ter sido muito abrupto.

“Seria muito boa notícia se um deslizamento suave inicial – e, portanto, uma vibração induzida limitada – fosse uma propriedade sistemática da Falha Inversa Principal dos Himalaias, ou das falhas principais em geral”, diz Jean-Philippe Avouac. “Com base nestas observações e noutras de terramotos em falhas principais, esta é uma possibilidade.”

Por outro lado, as ondas de baixa frequência, com longos períodos de vibração de cinco segundos, afectam os edifícios mais altos. E foram precisamente as que se produziram em maior quantidade no sismo de 25 de Abril. Além disso, estas ondas foram ainda amplificadas devido ao facto de o Vale de Katmandu estar localizado sobre um antigo leito de um lago e que, durante o sismo, produziu ainda mais vibrações. Foi esta a causa da destruição de uma grande parte das estruturas de Katmandu, tal como a histórica torre Dharahara de 60 metros, que já havia resistido a outros grandes terramotos em 1833 e 1934.

Entre os monumentos que fazem parte do património destruído no Vale de Katmandu, a UNESCO destacou dois palácios históricos na capital nepalesa (Patan e Bhaktapur), dois centros hindus (Pashupatinath e Changu Narayan) e dois centros budistas (Swayambunath e Boudhanath). De um total de mais de 602.000 casas completamente destruídas e 285.000 parcialmente afectadas, resultaram em 2,8 milhões de pessoas desalojadas.

Durante um sismo, cerca de 80% das mortes são causadas pela destruição dos edifícios, e Katmandu tem uma avaliação do parque edificado muito negativa: cerca de 93% dos edifícios da cidade não têm projecto de engenharia, segundo uma análise recente do Comité Internacional da Cruz Vermelha sobre a legislação relativa à redução de risco de desastres no Nepal. Ainda sem grandes soluções efectivas, a reconstrução não parece estar para breve, até porque são necessários muitos fundos.

Entre os Estados Unidos e o Porto
Para ajudar neste processo, a NSF lançou as Bolsas para Resposta de Investigação Rápida, uma das quais atribuída ao português André Barbosa, engenheiro civil e professor na Universidade Estadual do Oregon, nos Estados Unidos, em conjunto com Michael Olsen, professor na mesma universidade. No valor de 57.286 dólares, o financiamento já permitiu aos investigadores avaliar o tipo de construções de Katmandu e estudar formas de as melhorar, para que, num tempo futuro, a população possa recuperar mais rapidamente e com menos danos de um terramoto.

“O projecto iniciou-se oficialmente a 23 de Junho, embora a nossa equipa tenha chegado ao Nepal a 5 de Junho. E estivemos até 8 de Julho a recolher dados”, conta ao PÚBLICO André Barbosa. “O tratamento dos dados, para futuramente partilhar com a comunidade científica, vai demorar cerca de um ano.”

A equipa liderada pelo português, e que conta ainda com a colaboração da Universidade do Porto, está a estudar diversos edifícios, entre os quais alguns do centro histórico de Katmandu, como templos, escolas e hospitais. “Vamos dar sugestões sobre que soluções podem ser encontradas para o Nepal – soluções que não serão necessariamente novas para Portugal ou para os Estados Unidos, mas que façam sentido para um país com algumas dificuldades”, explica André Barbosa.

O grupo liderado por Humberto Varum, na Universidade do Porto, teve a tarefa de inspeccionar os edifícios de betão armado com paredes de alvenaria. “A parceria entre os grupos dos Estados Unidos e os europeus foi muito importante para aumentar o impacto do trabalho que fizemos.”

No local, a Sociedade Nacional para Tecnologia de Terramotos do Nepal, uma organização não-governamental, também colaborou com os investigadores, facilitando o acesso a escolas e hospitais, através de contactos com o Governo e outras agências do Nepal.

A equipa realizou ensaios de caracterização dinâmica nos diversos edifícios e estudou os danos provocados pelo sismo de 25 de Abril. “Os ensaios de caracterização permitem-nos conhecer as frequências de vibração das estruturas. Tal como uma corda de uma viola vibra de maneira diferente quando está danificada, assim, a partir das alterações nas frequências e modos de vibração, também conseguimos estimar os danos nas estruturas.”

E que soluções se podem encontrar para minimizar os efeitos dos sismos? “Essas soluções passam por permitir que as estruturas se deformem, sem que haja ruptura dos elementos que resistem às cargas verticais – o peso da estrutura e dos seus ocupantes”, explica André Barbosa. “O que podemos fazer é dimensionar novas estruturas para serem mais resilientes aos sismos. Para as estruturas existentes, há que reforçá-las.”

Através do Programa Nacional de Redução de Riscos de Terramotos e do Programa Aprender a partir dos Terramotos, a NSF partilhará as informações. Os resultados do estudo disponibilizados à comunidade científica poderão ser úteis para encontrar soluções noutros países com risco sísmico, tais como Portugal ou os Estados Unidos.

Texto editado por Teresa Firmino

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