Doentes devem continuar terapêuticas do colesterol prescritas pelos médicos

A Sociedade Portuguesa de Cardiologia aconselha os doentes vasculares e/ou hipercolesterolémicos a continuarem as terapêuticas prescritas pelos médicos que os assistem.

Um artigo recente, publicado pelo Público a 26/7/2015, apresenta, sob a forma de opinião, um conjunto de conceitos cientificamente corretos, bem como outros, menos aceitáveis, baseados nas evidências científicas disponíveis.

Considerando poder haver risco para a saúde pública, se doentes acreditarem e seguirem as opiniões do autor, entendeu a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, por intermédio do Grupo de Estudo de Risco Cardiovascular, ter a obrigação de esclarecer os portugueses e clarificar os aspetos menos claros, ou até cientificamente menos corretos, do referido artigo.

O que é certo ou errado na medicina atual

Numa era de Medicina Baseada na Evidência, há três níveis de evidência: classe 1, em que a abordagem ou terapêutica é claramente eficaz, e deve ser feita; classe 2, em que há dúvidas quanto à eficácia da terapêutica; e classe 3, em que a terapêutica é desaconselhada/nociva.

Assim, quando as evidências são de classe 1 ou 3 há pouco espaço para a opinião individual, já que há resultados claros, baseados na terapêutica de milhares de doentes. Nas situações de classe 2, não havendo certezas, há espaço para opiniões e decisões baseadas na experiência pessoal. Estas evidências estão organizadas pelas várias sociedades científicas em normas de atuação (guidelines).

As normas (guidelines) de atuação, antes de mais, baseiam-se nos resultados de ensaios clínicos, que avaliam, em grupos de doentes, os resultados de determinadas terapêuticas. Se um determinado tipo de doentes beneficia no ambiente de ensaio clínico de uma determinada terapêutica, alarga-se essa terapêutica a outros doentes semelhantes da população, na expectativa de resultados/benefícios idênticos.

Especificamente no papel do colesterol e nos resultados da sua intervenção os documentos padrão são as normas da Sociedade Europeia de Cardiologia, quer para a abordagem das dislipidemias (colesterol), de 2011, quer as genéricas, de prevenção cardiovascular, publicadas em 2012. São normas que estão disponíveis para quem as quiser ler (escardio.orq), baseadas nas evidências mundiais nas várias situações.

Papel do colesterol nos acidentes vasculares

As evidências clínicas de que dispomos revelam que o colesterol elevado constitui indiscutivelmente um poderoso fator de risco cardiovascular. Não é único – está acompanhado por outros fatores muito importantes, como hipertensão arterial, tabagismo e diabetes, bem como por vários fatores de importância menos marcada, como as inflamações crónicas dentárias e a obesidade. Assim, um doente pode ter um acidente vascular (enfarte ou AVC), sem ter colesterol elevado, ou pressão arterial elevada – basta ter outros fatores de risco – conhecidos ou não.

Para controlo do colesterol elevado, inicialmente, e perante os indivíduos de risco vascular baixo ou intermédio, devemos promover medidas de saúde geral, como alimentação correta (quantidade – calorias adequadas e qualidade – menos gorduras saturadas... ), atividade física regular e adequada à capacidade física do indivíduo, deixar de fumar, ter boa integração social… São os aspetos do artigo considerados corretos.

No entanto, particularmente após acidente vascular, e também nos indivíduos de risco cardiovascular elevado que não conseguem controlar os níveis de colesterol com dieta e exercício, a terapêutica, nomeadamente com estatinas, é indiscutível, com grande eficácia quer na redução dos eventos cardiovasculares (enfartes, AVC, necessidade de cirurgia, entrada em insuficiência cardíaca), quer na diminuição da mortalidade cardiovascular e global.

Dizendo de outra forma, se um doente de alto risco cardiovascular, ou após um acidente vascular, fizer terapêutica com uma estatina, tem menos probabilidades de ter complicações cardiovasculares (novos enfartes, AVC...) e tem menos probabilidade de morrer precocemente.

São evidências esmagadoras, baseadas em centenas de milhares de doentes, consistentes em vários ensaios em todo o mundo, e com várias moléculas independentes e desenvolvidas por várias companhias.

Nestas circunstâncias, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia aconselha os doentes vasculares e/ou hipercolesterolémicos a continuarem as terapêuticas prescritas pelos médicos que os assistem.

MD, PhD, FESC, coordenador do GE Risco Cardiovascular da SPC

Artigo escrito segundo as regras do novo acordo ortográfico

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