Polícia angolana diz que não deteve manifestantes, só os “recolheu” temporariamente
Detidos na quarta-feira foram soltos horas depois. Os que estão em prisões de Luanda há mais de um mês continuam na cadeia, sem acusação formada.
Mais de três dezenas de angolanos detidos em Luanda no protesto de quarta-feira contra a detenção de activistas foram libertados no mesmo dia. A Polícia Nacional negou ter feito quaisquer detenções e deu a sua versão: disse que foram “recolhidos” porque estariam a tentar “alterar a ordem” na cidade.
Trinta e três activistas e quatro jornalistas foram detidos, segundo o site Maka Angola, do jornalista e activista Rafael Marques. “Crime?" Protestarem, ou noticiarem o protesto, convocado para o Largo da Independência, contra a detenção, sem acusação formada, há mais de um mês, de dezena e meia de activistas a quem as autoridades atribuem a intenção de fazer um golpe de Estado.
Contactado pelo PÚBLICO esta quinta-feira, Rafael Marques disse ter indicação de que todos tinham sido deixados em liberdade “em zonas distantes”, logo no dia da detenção, o que confirma a versão policial.
“Depois de identificados numa unidade nossa foram mandados embora. Não, não foram detidos, foram recolhidos só para prevenir alguma alteração da ordem que eles tentavam fazer”, disse à Lusa Engrácia Costa, porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, que não adiantou números.
“Não detivemos ninguém. Estavam a ser recolhidos e a ser direccionados para a casa do David Salei [um activista]”, disse ao Maka Angola o comandante provincial de Luanda, comissário-chefe António Sita.
Os activistas “recolhidos” na quarta-feira, pertencentes ao Movimento Revolucionário, foram abordados pela polícia em momentos e locais diferentes – os primeiros 15 foram interceptados quando estavam a preparar cartazes para o protesto que decorreria a partir das 15h. Mais tarde, ainda antes da hora prevista para a concentração, foram detidos outros 11.
“A maior parte das detenções não foi no Largo da Independência”, disse ao PÚBLICO Rafael Marques,
Mas foram também feitas detenções depois de a polícia ter carregado, recorrendo a cães, sobre algumas dezenas de manifestantes nas imediações do Largo da Independência – para onde fora, paralelamente, convocada uma concentração da JMPLA, organização juvenil do partido governamental, e mobilizado forte aparato policial. O site Rede Angola noticiou que várias pessoas ficaram feridas.
Ao fim da tarde foram igualmente detidos três jornalistas, o que fez subir para quatro o número de detenções de profissionais da informação. Nessa altura foram conduzidos a um posto de polícia o correspondente da Reuters e dois repórteres da Rádio Despertar – estação ligada ao principal partido da oposição, UNITA. Um outro repórter da emissora, destacado para acompanhar os preparativos da manifestação tinha já sido detido, de manhã. A emissora esteve cercada durante parte do dia.
A eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes, que esta semana se deslocou a Angola a convite da Associação Justiça Paz e Democracia, passou pelo Largo da Independência perto da hora marcada para o início do protesto para exigir a libertação de 16 activistas detidos a 20 de Junho, na capital, e de um em Cabinda, há mais de quatro meses. “Não fui, nem vim para ir à manifestação por libertação [de] presos políticos. Mas por acaso passei [pela] Praça às 14h15”, escreveu na rede social Twitter, onde publicou diversas imagens.
Esta quinta-feira, no seu editorial, o Jornal de Angola acusou-a de “apadrinhar os novos planos de subversão contra Angola” e de “interferir em assuntos do foro único do poder judicial angolano e dos órgãos de soberania nacionais”.
Num comentário ao PÚBLICO, a eurodeputada disse que foi convidada a deslocar-se a Angola em Maio e que tem falado com angolanos “de todos os quadrantes e do próprio Governo”,com o qual disse ter tido “discussões francas e substantivas".
Recordou que foi ela quem no PS propôs a adesão do MPLA à Internacional Socialista, o que lhe traz "responsabilidade acrescidas". Mas considera-se “insuspeita de querer interferir na vida interna angolana”. “Se há algumas pessoas que estão a fazer esse tipo de acusações, só demonstram insegurança e inquietação com a situação em Angola.”