Turquia promete combater jihadistas e curdos “sem distinção”

Forças de segurança detêm quase 300 pessoas em operação contra Estado Islâmico e rebeldes curdos.

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Funeral do militar Mehmet Yavuz Nane, morto no ataque ao posto fronteiriço turco junto a Kilis Bulent Kilic/AFP
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Polícias turcos escoltam suspeitos de serem membros do Estado Islâmico Ozan Kose/AFP

Um dia depois de ter atacado pela primeira vez os jihadistas do autodesignado Estado Islâmico, a Turquia anunciou a detenção de 297 pessoas numa operação antiterrorista em todo o país. O alvo não é apenas o grupo radical que combate na Síria e no Iraque mas também os rebeldes curdos turcos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que esta semana reivindicaram o assassínio de dois polícias em protesto pela falta de acção do Governo contra os jihadistas.

Esta sexta-feira, em poucas horas, as autoridades detiveram quase 300 pessoas, incluindo 37 cidadãos estrangeiros, em 13 das 81 províncias do país. De acordo com a agência Dogan, só em Istambul a polícia foi a 140 locais e cinco mil polícias foram mobilizados, assim como helicópteros. Uma mulher foi morta num raide.

Na quinta-feira, militares turcos envolveram-se em confrontos com o Estado Islâmico (EI), que atacou um posto fronteiriço, matando um oficial e ferindo dois soldados; o Exército respondeu com tanques a abrir fogo contra os jihadistas. Um combatente dos radicais foi morto e três das viaturas que usavam foram destruídas, disse o Estado-maior turco.

Três caças F16 bombardearam posições dos radicais na zona de Kilis, em território sírio. O primeiro-ministro Ahmed Davutoglu garante que o seu país não informou o regime de Bashar al-Assad sobre os raides.

Esta operação é lançada quatro dias depois do atentado suicida que fez 32 mortos e uma centena de feridos num encontro de activistas pró-curdos em Suruç, no Sul, junto à fronteira com a Síria. O ataque foi atribuído pelo Governo ao EI: o atacante foi identificado como Seyh Abdurrahman Alagöz Seyh, um turco de 20 anos que terá passado uma temporada a lutar com o grupo radical na Síria.

As vítimas estavam reunidas em Suruç para planear iniciativas de reconstrução em Kobani, a cidade curda síria que os jihadistas tentaram durante meses controlar face à resistência das milícias curdas.

“As operações iniciadas hoje não são pontuais, vão continuar”, disse aos jornalistas em Ancara o primeiro-ministro. O Presidente Recep Tayyip Erdogan garantiu que que todos os grupos armados na Turquia só têm uma opção: baixar as armas ou “enfrentar as consequências”.

Um comunicado do gabinete Davutoglu horas antes já dizia que o Governo está decidido a combater o EI e os curdos “sem distinção”. Ancara não quer que os curdos beneficiem da decisão turca de começar a dar luta aos jihadistas. “Ancara quer travar as aspirações autonómicas curdas, e garantir o seu domínio sobre os grupos armados da oposição na Síria”, sublinha o especialista em Turquia Ege Seckin, numa análise difundida pelo Instituto de Estudos Geopolíticos IHS.

O discurso é diferente do adoptado pela liderança turca até há alguns meses, quando decorriam ainda as negociações de paz iniciadas em 2012 com o PKK para pôr fim à guerra civil que fez 40 mil mortos desde 1984. Mas com as legislativas de Junho, o AKP, no poder, perdeu a maioria absoluta, por culpa do HDP (Partido Democrático do Povo), a formação pró-curda que irrompeu na Assembleia Nacional com 13% e 80 lugares entre 550 deputados.

O resultado não só travou os planos de Erdogan para mudar a Constituição e fortalecer os poderes da presidência como impediu até agora a formação de um novo Executivo.

Pôr travões
É neste quadro de tentar travar tanto jihadistas como as aspirações curdas que Ancara quer criar uma zona de exclusão área na Síria, junto à fronteira com a Turquia. O jornal turco Hürriyet Daily News diz que terá acordado com os Estados Unidos, que lideram a coligação contra o EI, a sua criação, ao longo dos 90 km entre Marea e Jarablus, com uma largura de 40 a 50 km.

Ancara não integra a coligação de dezenas de países contra o Estado Islâmico, é apenas um país parceiro. Mas, com estas acções, entra efectivamente na guerra contra os jihadistas. “Até agora, a Turquia dava prioridade à luta contra as forças do Presidente Bashar al-Assad, mais do que à luta contra o Estado Islâmico. Os desenvolvimentos dos últimos dias mostram que a estratégia mudou”, comentou Ege Seckin.

Erdogan confirmou entretanto que Ancara autorizou Washington a usar várias das bases militares de que dispõe na Turquia, incluindo a de Incirlik, cujo acesso era há muito reivindicado pelos norte-americanos para melhorar a capacidade lançar ataques contra os radicais. Em vez de levantarem voo a 2000 km de distância, de bases e de porta-aviões estacionados no Golfo Pérsico, os caças poderão iniciar as missões a apenas 400 km de Raqqa, na Síria, que o EI designou sua capital.

No entanto, o primeiro-ministro Davutoglu não assume que a Turquia tenha entrado na guerra contra o EI: nada disto significa que a Turquia “esteja a tomar parte numa guerra que dura há mais de quatro anos na Síria”, assegurou. A questão é outra: “O mínimo movimento que ameace a Turquia provocará a mais séria das reacções” e “serão tomadas todas as medidas para proteger as fronteiras”.

A Turquia foi dos primeiros países a condenar Assad em 2011, quando este reprimiu brutalmente os protestos pacíficos contra o Governo. Os turcos também foram dos primeiros a sofrer com a fuga dos sírios: actualmente há 1,7 milhões de refugiados em toda a Turquia. Durante muito tempo, Ancara apoiou a oposição no exílio. 

Mas manteve-se fora da guerra. No entanto, disse à AFP Michael Stephens, do think tank britânico Royal United Services Institute, no Qatar, “chegou o momento em que o EI se tornou demasiado importante para que a Turquia continue a tentar ignorá-lo”. Para Didier Billion, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), em Paris, tudo mudou agora: “A Turquia entrou realmente na coligação” internacional contra o EI. “Os bombardeamentos turcos não são um mero aviso, mas um novo acto político”, sublinhou.

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