Grécia vai ter de reforçar medidas de austeridade e privatizar ainda mais

Para além de ter de aprovar já até quarta-feira várias medidas importantes no Parlamento, Alexis Tsipras comprometeu-se a reforçar a austeridade e as reformas quando negociar o programa de resgate com a troika. E só depois, haverá lugar a reestruturação da dívida.

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Alexis Tsipras na cimeira da zona euro em Bruxelas REUTERS/Philippe Wojazer

O acordo obtido na maratona negocial que só terminou na manhã desta segunda-feira na cimeira da zona euro exige que a Grécia não só faça aprovar quatro novas leis até quarta-feira e mais duas até 22 de Julho, como também obriga o Governo de Alexis Tsipras a “reforçar as medidas de reforma” que apresentou na sua proposta da semana passada e a colocar activos num valor de 50 mil milhões de euros num fundo independente para serem privatizados.

As exigências feitas pelo Eurogrupo no final da manhã de domingo acabaram por estar quase integralmente no documento final que saiu da cimeira de líderes da zona euro, ao fim de 17 horas de negociação.

A primeira das exigências é a de que, mesmo antes de receber algum dinheiro, o Parlamento grego aprove rapidamente seis medidas, com legislação que entre imediatamente em efeito. Esta é uma das formas encontradas pelos outros líderes europeus para fazerem face ao que dizem ser a sua perda de confiança no Governo grego.

São quatro as medidas que têm de ser aprovadas já até quarta-feira:

— Simplificação do IVA e o alargamento da base de tributação para aumentar a receita;

— Melhoria da sustentabilidade de longo prazo do sistema de pensões como parte de um programa abrangente de reforma da Segurança Social;

— Defesa da independência total do organismo responsável pelas estatísticas oficiais na Grécia;

— Introdução de mecanismos quase automáticos de cortes da despesa em caso de não cumprimento das metas orçamentais, após recomendação do conselho das contas públicas grego, que terá de ser posto a funcionar.

Depois há mais duas medidas para serem aprovadas no Parlamento até 22 de Julho:

— Adopção de um novo código do procedimento civil que ajude a acelerar o sistema de justiça;

— Adopção da directiva para a resolução bancária, o que altera as consequências de uma falência bancária na Grécia.

Só depois destas medidas serem tomadas é que as três instituições da troika (BCE, FMI e Comissão Europeia) ficam autorizadas a negociar com o Governo grego um novo programa de resgate para os próximos três anos, que garantirá um financiamento situado entre os 82 mil e os 86 mil milhões de euros.

Dessas negociações futuras entre a troika e a Grécia, contudo, deverá sair a imposição de condições à Grécia que vão além das que foram propostas por Atenas na semana passada. No texto final da cimeira é dito que “a proposta grega de medidas de reforma tem de ser seriamente reforçada para levar em conta a deterioração da posição orçamental e económica do país durante o último ano”.

O documento diz ainda que “o Governo grego precisa de comprometer-se formalmente a fortalecer as propostas numa série de áreas identificadas pelas instituições, com um calendário claro e satisfatório para a aprovação de legislação e para a implementação”. As áreas referidas são as pensões, as reformas dos mercados de produto, a privatização do operador de rede eléctrica, a revisão e modernização da contratação colectiva e outras medidas no mercado de trabalho.

Este reforço de medidas trará certamente a Alexis Tsipras mais uma série de problemas para aprovar dentro do seu próprio partido, o que pode forçar a alterações políticas significativas nas próximas semanas na Grécia.

O fundo de privatização
Os líderes políticos da zona euro, e em particular a Alemanha, queriam, no entanto, ainda mais garantias de que a Grécia irá fazer tudo para pagar de volta o empréstimo que virá a ser concedido. Por isso, numa proposta apresentada por Wolfgang Schäuble na reunião do Eurogrupo, e aceite depois na cimeira, a Grécia compromete-se a alargar o seu plano de privatizações através da transferência para um “fundo independente” de activos na posse do Estado grego num valor que se pretende que seja de 50 mil milhões de euros.

A ideia é que este fundo consiga transformar em dinheiro estes activos, seja através da sua venda a privados, seja pela sua rentabilização por via de concessões, por exemplo.

Os montantes obtidos serão depois usados para três fins. Metade servirá para pagar pagar os montantes disponibilizados para a recapitalização dos bancos. No programa de resgate, está previsto que possa ser adiantada uma verba entre 10 mil e 25 mil milhões de euros que terá como função recapitalizar a banca grega. A ideia de usar metade do fundo de privatizações para devolver esse dinheiro terá, garantiu o primeiro-minsitro Pedro Passos Coelho no final da cimeira, partido do Governo português.

Os restantes 50% serão usados em partes iguais para amortizar dívida e para financiar investimento público.

Na proposta inicial alemã, o fundo ficaria sedeado no Luxemburgo, numa instituição criada em 2014 pelo Governo grego e alemão para estimular o investimento na Grécia. Nas negociações, este foi o último tema a ser acordado, com a delegação grega a conseguir que a sede do fundo ficasse dentro do país.

Ainda assim, para um Governo que tinha no seu programa uma travagem do programa de privatizações que estava a ser implementado, estes novos 50 mil milhões de activos a serem colocados em venda durante os próximos três anos também prometem criar atritos internos sérios.

As vitórias gregas
Com os seus bancos à beira da falência e perante o risco de o BCE cortar já esta segunda-feira os empréstimos de emergência que tem vindo a conceder, parece evidente que Alexis Tsipras cedeu em larga escala às exigências apresentada pelos seus parceiros europeus e, nomeadamente, pela Alemanha. São poucas as vitórias que poderá apresentar no seu regresso a Atenas, quando tiver de convencer os deputados a começar rapidamente a aprovar medidas no Parlamento.

Ainda assim, o primeiro-ministro grego tentou nas suas primeiras declarações após a cimeira dar destaque a dois pontos do acordo que não estavam presentes na proposta que foi levada a referendo: os parceiros da Grécia na zona euro fizeram um compromisso para o alívio de dívida pública grega e aceitaram avançar para um financiamento de curto prazo.

No caso da reestruturação de dívida, o compromisso existe, mas é feito com o máximo de prudência possível. Em primeiro lugar, esta será feita não por via de um perdão da dívida nominal, mas sim por um alargamento dos prazos de pagamento e do período de carência (o período em que a Grécia fica isenta de pagar juros).

O documento esclarece que uma efectiva decisão de reestruturação apenas será decidida e acontecerá depois de uma primeira avaliação positiva da troika à execução do terceiro programa da Grécia, ou seja, só lá mais para o final do ano.

No caso do financiamento que é imediatamente necessário para que o Estado grego não entre em incumprimento já no próximo dia 20 de Julho, o acordo reconhece a necessidade de, mesmo antes de assinado o novo programa, ser disponibilizado financiamento suficiente para pagar ao BCE 7000 milhões de euros a 20 de Julho e mais 5000 milhões  em meados de Agosto. Os valores exactos e o formato do empréstimo serão discutidos esta segunda-feira à tarde pelo Eurogrupo.

Para os gregos, no entanto, a consequência mais bem recebida da cimeira poderá ser o facto de o Banco Central Europeu poder, perante a obtenção de um acordo, voltar a aumentar o financiamento de emergência que concede aos bancos gregos, permitindo que, embora ainda com controlos de capital apertados, a normalidade comece a regressar ao sistema financeiro do país.

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