“Até breve, na Europa com que todos sonhamos”

Michael Kountouris acabou de vencer um prémio no World Press Cartoon, mas não quis sair da Grécia para ir a Portugal recebê-lo. “Não posso estar longe do meu país, do meu trabalho, e da minha família.”

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O cartoon com que Michael Kountouris ganhou primeiro prémio a categoria Desenho de Humor do World Press Cartoon
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Kountouris venceu também um prémio em 2013

A par da ira, o sentido de humor. É isto que a crise faz aos gregos, e em especial aos que desenham cartoons. O alvo é cada vez mais quem manda instruções de fora. Pode ser um desenho de um carro com um condutor cego em que todos os passageiros apontam para direcções diferentes (Michael Kountouris). Ou uma reunião de europeus cinzentos em que um se levanta a vai à casa de banho, e a casa de banho é a Grécia (Petros Servos).

Telefonamos ao cartoonista veterano Michael Kountouris, tentando marcar uma entrevista em Atenas. Ele está com pouco tempo e tem medo de não se expressar bem em inglês, mas promete que falamos por email. Passados uns minutos, é ele quem telefona: soube que é um dos distinguidos no World Press Cartoon (primeiro prémio na categoria Desenho de Humor), que será entregue em Cascais. Mas não vai recebê-lo pessoalmente. “Com o país como está, não consigo sair daqui”, explicou.

Na nota que escreveu para ser lida na entrega do prémio, este sábado, lembrou que em 2013 venceu o grande prémio do concurso com um cartoon sobre a crise: “Na altura dediquei o prémio às vítimas da crise e desejei que a Europa se pudesse tornar uma Europa de povos e não de bancos”, dizia o texto.

“Infelizmente, dois anos depois, as coisas ainda não mudaram e no meu país estão ainda pior, especialmente durante os últimos dias e depois do referendo”. Por isso, Kountouris sentiu que não pode deixar o seu país, o seu trabalho, a sua família. Mas termina com optimismo renovado: “Tenho a certeza de que iremos encontrar-nos em breve na Europa com que todos sonhamos: a Europa da dignidade, da solidariedade e da democracia.”

Apoiar os mais fracos
Petros Servos, também entrevistado por email (os acontecimentos frenéticos dos últimos dias deixaram os cartoonistas mais atarefados do que o costume), sublinha o duplo efeito da crise nos cartoonistas. É certo que é algo bom em certo sentido, “doce em cima do nosso pão”, trazendo assunto sem fim – “embora a realidade muitas vezes ultrapasse a nossa imaginação!”, diz. Mas eles não são observadores não participantes nem estão imunes ao que se passa: “Nestes cinco anos, muitos dos meus colegas foram despedidos, quem trabalha recebe muito menos pelo mesmo trabalho, muitos colegas foram censurados num terreno de polarização ideológica e política dos media que apoiam a visão monetária da Europa”.

Ambos os cartoonistas trabalham com várias publicações, mas têm em comum publicar no jornal Efimerida Ton Sindakton, o “jornal dos jornalistas”, fundado depois do encerramento do Eleftherotypia, de orientação de esquerda, e baseado no princípio de que todos participam nas decisões e todos ganham o mesmo.

Explicando o que faz há 25 anos, Kountouris defende que “é sátira, e sátira foi sempre contra os poderosos, apoiando os mais fracos”. Com a crise, “é a mesma coisa, mas o número de mais fracos é cada vez maior”.

A atenção dos cartoonistas saiu entretanto do interior da Grécia para os meandros da política opaca de Bruxelas. “Gradualmente os nossos lápis começaram a focar-se nos líderes europeus, especialmente alemães, que controlam de modo catastrófico a economia europeia. A crise ajudou muitos gregos, incluindo os cartoonistas, a perceber melhor os jogos de poder e interesses económicos que estão a ser jogados na Europa.”

Também é por lidarem com o que está no centro de questões globais que os cartoons gregos vão saindo das fronteiras.

Provocações
O trabalho dos colegas estrangeiros também é visto com atenção aqui. “Através dos cartoons é possível perceber se os outros países entenderam o problema grego e quanto é que o seu trabalho é afectado por estereótipos”, diz Michael Kountouris.

Para ele, é possível apreciar um cartoon discordando da sua posição política. Mas por vezes acontece-lhe ver exemplos de cartoons injustos e ofensivos, o que o deixa triste e zangado. “Havia um de um colega holandês que mostrava um mapa da Grécia como um vómito a sair da boca de um homem que é a Europa. Com este exemplo, poderia dizer que fazer cartoons não devia ser só um exemplo de visões políticas mas de ética pessoal – insultar assim um país que enfrenta uma grave crise humanitária não é sátira, é provocação.”

Petros Servos sublinha que a maioria dos seus colegas estrangeiros tem uma percepção clara do que acontece na Grécia. “Mas outros têm uma ideia dos gregos preguiçosos, ignorando que milhares se suicidaram, que há um milhão e meio de desempregados, centenas de sem-abrigo, que cerca de 400 mil jovens com cursos universitários deixaram a Grécia nos últimos quatro anos, que a classe média desapareceu e que a economia grega é uma catástrofe.”

A Alemanha tem sido, de modo mais ou menos polémico, presença assídua nos cartoons nos jornais gregos. É retratada muitas vezes como a potência que quer uma Europa à sua imagem, ou que quer dominar a Grécia. Um cartoon com uma imagem do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, com um uniforme nazi causou polémica e levou até a uma condenação do primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Já comparações de acções alemãs com agressões ou tentativas de domínio e paralelos com a II Guerra são mais frequentes. Um dos últimos cartoons de Servos mostra aviões da Luftwaffe atacando a Grécia com caixas multibanco com as palavras controlo de capitais.

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