Como vive um país com os bancos fechados

Com duas semanas de bancos fechados e sem ideia de quando poderão reabrir, Atenas mantém-se calma, embora os efeitos do controlo de capitais se sintam aqui e ali para além das filas.

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Yannis Behrakis/Reuters

Como vive um país com os bancos fechados? Um bancário desdramatiza, um actor fala das consequências. Há espectáculos cancelados em Atenas, mas não faltam bens essenciais. Ninguém sabe quando acabará o controlo de capitais. Há quem fale em dias ou semanas, há quem fale em meses ou anos.

Apesar do limite de levantamento de 60 euros por dia – que são na verdade 50 na maioria das caixas automáticas, que só têm notas de 50 – há muito mais dinheiro a circular. “Operações de ebanking são possíveis, assim como transferências, pagamento de impostos e a fornecedores, desde que na Grécia, etc. Até depósitos”, conta um bancário, que pede para não ser identificado porque precisaria de autorização especial para falar a um jornal – vamos chamar-lhe Angelos. “Há pessoas a depositar dinheiro para depois fazerem pagamentos ou transferências, e não são assim tão poucas”, comenta. Também é possível fazer compras com cartão de débito ou crédito.

O controlo de capitais não foi sempre igual desde que os bancos fecharam há quase duas semanas. Receber dinheiro do estrangeiro, por exemplo, já foi um problema para quem usasse o Western Union, que a dada altura fechou. Entre os afectados estavam refugiados sírios nas ilhas, alguns deixaram de conseguir pagar hotéis com as verbas enviadas pelas famílias. Asma Drebas, ouvida pelo Financial Times na ilha de Kos, não conseguia receber o dinheiro que a família lhe tinha enviado pelo Western Union. “Está fechado. Até na Síria funciona”. Mas os serviços reabriram esta semana, tal como o serviço de pagamentos PayPal, e já permite que verbas do estrangeiro cheguem à Grécia, apenas não permite que saiam (por isso é impossível comprar bilhetes de avião em companhias estrangeiras, aplicações para smartphones, etc).

Em relação às exportações não há “qualquer dificuldade”, garante Angelos, o dinheiro do estrangeiro chega facilmente . “E isso vai ajudar a reabrirmos”, nota.

Outra coisa que mudou da semana passada para esta foi a possibilidade de usar cartões de crédito gregos no estrangeiro (os estrangeiros na Grécia não têm quaisquer problemas quer com cartões quer com levantamentos nas caixas multibanco, que são feitos com maior ou menos facilidade conforme a fila). Na primeira semana de encerramento de bancos, havia relatos de muitos gregos no estrangeiro que não conseguiam voltar, ou estudantes que não conseguiram receber a mesada enviada pelos pais. A televisão privada Skai fez uma acção integrada na sua campanha de solidariedade e, em parceria com uma agência de viagens, criou como que uma “conta aberta” e trouxe entre 30 a 45 pessoas que não conseguiam voltar, contou Yannis Spanolios, o director da campanha “Juntos podemos”, ao PÚBLICO.

O bancário Angelos nota ainda que, mesmo em relação às importações - o ponto mais sensível, porque é preciso comida e medicamentos (a Grécia importa 70% dos alimentos consumidos no país e muitos medicamentos são também importados) -, há uma comissão especial que tem autorizado alguns pagamentos ao estrangeiro em casos de importação de alimentos e fármacos “Temos tido transacções destas todos os dias, ainda que quantias baixas”, comenta.

Na sua farmácia, Anna (prefere não dizer o apelido) queixa-se de estar a receber apenas uma pequena parte do que pede nas encomendas aos fornecedores. Mostra a folha que recebeu hoje e as quantidades: um, um, três, um, cinco, um, dois… “Peço dez, e recebo isto”, queixa-se. “Ainda assim tenho sorte, porque o meu marido, que está a trabalhar numa ilha, mandou-me dinheiro para comprar mais medicamentos, porque os fornecedores estão a pedir para ser tudo pago em dinheiro”, diz.

Mas o marido também está a ter dificuldades no seu trabalho, uma empresa de aquacultura. Grande parte da comida para os peixes é importada, e neste momento ele não consegue comprar mais. A parte da comida para os peixes que é produzida na Grécia também depende de matérias-primas importadas, diz. “É como um dominó, e é difícil encontrar algo que não tenha a ver com importações”, comenta Anna. “Se isto não for resolvido rapidamente, vamos ter muitos problemas”, antevê.

Também o actor Nestor Kopsidas, 40 anos, está incomodado. No festival de Atenas, um dos maiores eventos culturais da cidade, há várias performances canceladas ou adiadas, como a ópera Carmen. O dinheiro dos bilhetes será devolvido, informa o site do festival, quando terminar o controlo de capitais. “A cultura está como que congelada”, comenta Nestor. “O festival é muito importante para os artistas gregos porque é possível ter uma produção que dê algum dinheiro”, conta. “Este ano, depois de os bancos fecharem o festival ficou sem dinheiro e várias produções não puderam ser concluídas ou foram-no com um grande desconto por parte dos artistas”, queixa-se.

Tania, 22 anos, que trabalha numa empresa de anúncios online para hotéis, conta que o patrão prefere pagar em dinheiro, e assim todos os empregados estão a receber o ordenado aos poucos. Ela acha melhor assim do que por transferência. “Se transferir, depois só podemos levantar 50 euros por dia. Aqui na Grécia estamos muito habituados a dinheiro.”

Como trabalham com sites internacionais, tem sido um problema pagar os anúncios a empresas como a Google – só conseguem nos casos em que já havia pagamentos pré-feitos - “o que quer dizer que estamos a racionar”, explica Tania. Os hotéis, com medo de confiar em dinheiro de hóspedes que possam não chegar, também não pagam. “É um círculo vicioso”. Uma comparação: “No mês passado, em dez dias tivemos 69 reservas por dia. No mesmo período de Julho, depois do controlo de capitais, tivemos apenas 33”, queixa-se.

Para ela o mais preocupante é haver menos pessoas de férias. “Não temos exportações, não temos agricultura, não temos indústria… Não podemos perder o turismo”, diz assustada.

E ninguém sabe quando é que o controlo de capitais vai ser suavizado ou terminar. No caso de haver acordo, poderão ser dias, ou semanas, “ninguém pode prever”, comenta Angelos. O centro de estudo Oxford Economics falou ontem em “anos”.  Isto, caso haja acordo. “Está tudo em aberto”, diz o bancário. “A outra hipótese prefiro não pôr.” Trabalhar num banco durante estas duas semanas começou “com o choque nos dois primeiros dias”, conta. “Mas agora tudo está como normal. Nós já tivemos um susto muito grande em 2012, quando achámos que estávamos perto de sair do euro. Agora talvez seja pior, mas recuperámos do choque e continuámos.”

Há, como sempre, quem continue a fazer humor com a situação. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra uma caixa multibanco com um ecrã em que está a passar um vídeo com um cantor grego e seus acompanhantes, cantando qualquer coisa como “vou queimar o meu dinheiro”.

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