UE que "fica aquém das suas ambições" só chega a acordo mínimo sobre refugiados

As quotas caíram, ficam as promessas de acolhimento de 64 mil requerentes de asilo, incluindo 40 mil que estão na Grécia e em Itália. Um penso rápido numa crise de dimensões inéditas, saído de um encontro com trocas de palavras acesas.

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Refugiados sírios na fronteira com a Turquia, de onde vem a maioria dos que tentam entrar na Hungria e na Grécia UYGAR ONDER SIMSEK/AFP

A discussão acabou de madrugada e reuniões nocturnas, disse no final o presidente da Comissão Europeia, “não permitem tomar boas decisões”. Num tom só comparável ao do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, Jean-Claude Juncker lamentou o acordo mínimo alcançado pelos líderes dos Estados-membros para fazer frente à crise de refugiados, um “esforço modesto” de uma Europa que “não está à altura das ambições que reclama”.

Depois de um Conselho Europeu que durou 12 horas, a maioria dedicadas à crise na Grécia e a um novo adiamento de uma solução, Iverna McGowan, directora em funções da ONG Amnistia Internacional, ficou “desiludida” mas não surpreendida. “O principal ponto a unir a crise financeira grega e a crise de refugiados, de que a Grécia é um país central na União Europeia, é que os governos recusam ver a necessidade de encontrar soluções sustentáveis e duradouras”, diz, ao telefone de Bruxelas.

“Tal como temos a certeza de que daqui a uns meses os líderes europeus vão voltar a reunir-se em Bruxelas para debater a Grécia, sabemos que o mesmo acontecerá para discutir esta tragédia”, diz McGowan. Entretanto, a maior crise de refugiados (60 milhões de deslocados e refugiados no mundo, mais do que alguma vez na história registada pelas Nações Unidas) não vai parar de crescer. “Países em desenvolvimento, como o Líbano e a Jordânia, vão continuar a abrigar quatro milhões de sírios” e “os líderes europeus vão continuar a discutir como é que dividem 20 mil pessoas entre si”.

O que saiu de Bruxelas não era o que Juncker desejava e tinha proposto: quotas obrigatórias que garantissem a distribuição de 40 mil pessoas que estão na Grécia e Itália (sírios e eritreus, quase todos) e ali pediram asilo, para além de 24 mil refugiados identificados pela ONU (sírios e iraquianos na maioria). Agora, cada país tem até Julho para formalizar a sua oferta através dos ministérios do Interior e dois anos para pôr em prática o que ficar acordado.

Até lá, milhares de pessoas vão tornar-se refugiadas – em 2014, o ritmo foi de 42 mil por dia – e muitas chegarão à Europa ou alcançarão a Líbia, a tentar atravessar o Mediterrâneo.

Os milhares que já o conseguiram vão permanecer onde estão, em centros de acolhimento (ou às vezes, acampados à porta destes) que em muitos casos não têm condições. Nas ilhas gregas, por exemplo, a AI encontrou há dias crianças que chegaram sem acompanhantes adultos entregues a si próprias e muitos sobreviventes de naufrágios a quem não tinha sequer sido dada uma muda de roupa ou um cobertor. Também para isto a Grécia e a Itália precisam de ajuda e da solidariedade que reclamam.

“A discussão foi difícil. Teria gostado que todos tivessem concordado com o esquema proposto pela Comissão [com quotas obrigatórias definidas segundo critérios como a dimensão da população ou o produto interno bruto]. Se o for o mesmo… O essencial é que se dê resposta à situação destas 60 mil pessoas”, afirmou Juncker. Se isso acontecer, ironizou, “vamos chegar ao fim e nada será muito diferente do que tínhamos proposto” em Maio.

Valores ou orçamentos?
Matteo Renzi, o principal impulsionador da urgência de um verdadeiro esforço comum para fazer face à crise – se os países em desenvolvimento são os que mais carregam o peso desta crise, na UE, são os Estados onde os refugiados chegam que mais se sentem abandonados pelos parceiros – não escondeu o seu descontentamento. Durante a reunião à porta fechada, acusou alguns líderes de “não serem dignos” de se considerarem parte da Europa; conhecem-se os principais destinatários: Polónia, Hungria, Eslováquia, República Checa ou Letónia.

Na conferência de imprensa que se seguiu, Renzi foi menos emotivo, mas manteve o tom crítico. “Se pensamos que a Europa é um lugar de ideias e de valores, estamos dispostos a trabalhar com os nossos parceiros, mas se pensamos que a Europa é um lugar que só serve para discutir problemas orçamentais, então esta não é a Europa que concebemos em 1957, em Roma.”

A Hungria e a Bulgária - um dos países mais pobres da UE - vão ficar de fora e não terão de conceder nenhum asilo. As autoridades húngaras anunciaram a semana passada a intenção de construir um muro de quatro metros de altura ao longo dos 175 quilómetros da sua fronteira com a Sérvia, para assim impedir a entrada de potenciais imigrantes ou requerentes de asilo vindos através da já perigosa rota os Balcãs.

A Hungria, para além da excepção, reclamava ajuda dos Estados-membros por considerar que recebe a maior entrada de imigrantes indocumentados – mais de 50 mil, este ano, a maioria destes, segundo a agência europeia de fronteiras (Frontex), chegam ali por terra depois de terem alcançado as costas da Grécia.

A conclusão é que a urgência está no Mediterrâneo, já que é ali que desembarcam a maioria dos que fogem dos conflitos sírio ou iraquiano, ou os que esperam pelos barcos na Tunísia ou na Líbia depois de terem percorrido milhares de quilómetros desde a Eritreia ou Sudão.

Intrusos ou vítimas
Sábado, no Dia Mundial dos Refugiados, o líder do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, António Guterres, lembrou uma vez mais que são “os países com menos recursos que acolhem 86% dos refugiados do mundo” e pediu às “nações mais ricas que reconheçam os refugiados como vítimas”. Que “alguns dos mais ricos entre nós desafiem o antigo princípio de tratar os refugiados como merecedores de protecção, apresentando-os, pelo contrário, como intrusos, desempregados ou terroristas, demonstra uma visão curta, moralmente errada e – nalguns casos –, em violação das obrigações internacionais”, disse.

A “Europa fortaleza, que ergue muros e vedações, como as que vemos na Turquia e na Espanha” nunca conseguirá resolver este problema, sublinha a directora da Amnistia. “Esta é uma crise global e tem de ser vista como o que é. Estas pessoas não vão desaparecer e a melhor forma de lutar contra o tráfico e os contrabandistas que actuam no Mediterrâneo, como a UE agora vai fazer, seria oferecer a quem foge rotas seguras e legais para fazer o caminho”, defende Iverna McGowan.

Até lá, haverá dias em que três ou quatro mil pessoas serão resgatadas no mar, e dias em que 900 vão morrer afogadas, como aconteceu num domingo de Abril.

Como este Conselho Europeu mostrou, a solidariedade não se impõe. Mas a recusa da solidariedade contraria leis e princípios, lembra McGowan, citando o artigo 2 do Tratado Europeu, onde se lê que “a União é fundada nos valores do respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, o Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos”. Estes valores, “são comuns a todos os estados-membros numa sociedade em que o pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça e a solidariedade” prevalecem.

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