“Não perco o sono com potenciais ameaças à venda da TAP”

O ministro da Economia não acredita que o PS irá cumprir a promessa de anular o negócio caso chegue ao Governo. Sobre a contestação de Efromovich, diz não ter absolutamente nada a temer.

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O ministro da Economia não acredita que o PS anule o negócio da TAP, caso chegue ao Governo Enric Vives-Rubio

O ministro da Economia, António Pires de Lima, vai estar presente na cerimónia da próxima quarta-feira que marca a assinatura do contrato de venda da TAP ao consórcio que une Humberto Pedrosa e David Neeleman. No entanto, até que o negócio seja concretizado, ainda há muitas pedras pelo caminho: a aprovação dos reguladores, a vontade que o PS tem de anular a privatização e a queixa que o candidato preterido, Germán Efromovich, pretende entregar à Comissão Europeia. Mas o ministro da Economia diz estar tranquilo em relação a um fecho bem-sucedido da operação. Antes da cerimónia da TAP, o ministro da Economia desloca-se a Luanda, onde irá, segunda-feira, rubricar com o seu homólogo, Abraão Gourgel, um memorando de entendimento para constituição do observatório empresarial dos dois países. Sobre este observatório, que nasce quase dois anos depois de ter sido anunciado, realça a sua importância mas diz também que não espera “milagres”.

A TAP acaba por ser privatizada já numa situação de emergência, em que já não parecia haver alternativa. Porquê só agora, quando tinha dito que não queria avançar com o processo demasiado perto das eleições legislativas?
O que disse é que a privatização, a relançar-se, deveria acontecer antes do final de 2014 e foi isso que aconteceu. O resultado da privatização foi bom, não o olho sequer como um mal menor. É uma privatização que resulta numa capitalização da empresa mínima de 338 milhões de euros, com um parceiro accionista que dispõe de know-how no transporte aéreo e complementaridade com a TAP, com um encaixe mínimo de 16 milhões de euros, que poderá crescer até 150 milhões – embora não goste de especular sobre valores que não são garantido. E foi feita em cumprimento de todas as condições importantes, seja ao nível político, económico, de preservação da marca e do hub e da estabilidade laboral.

Pode dizer-se que se deixou chegar a TAP a uma situação-limite…
É verdade que a empresa está a viver uma situação de tesouraria muito tensa desde há bastantes meses, mas isso não afectou o interesse dos operadores que concorreram, nem a qualidade das propostas. Aliás, tornou o Governo até mais exigente em termos de garantias de capitalização da empresa.

Mas fez com que a vertente financeira das propostas fosse até mais valorizada do que a componente estratégica...
Porque havia a percepção geral de que, do ponto de vista estratégico, as duas propostas eram boas. Como eram dois concorrentes com uma complementaridade muito grande de operações com a TAP, a questão estratégica ficou naturalmente bem resolvida. A diferença entre os concorrentes verificou-se mais a nível da capitalização e das garantias que cada um apresentou para a concretização do negócio.

A TAP neste momento ainda é uma empresa estatal que vive, como referiu, graves problemas de tesouraria. No entanto, há cerca de 120 milhões retidos na Venezuela e em Angola. O que tem feito o Governo para recuperar este dinheiro?
São actuações que têm sido conduzidas directamente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo núcleo político do Governo. Pretendemos, como é claro, recuperar esses valores para a TAP. Estamos a falar de duas situações diferentes, mas não gostaria de entrar em considerações sobre nenhuma delas.

Relativamente à garantia de preservação do hub [placa giratória], tratando-se de um activo estratégico não só para a companhia mas também para o país, não é um risco colocar-lhe um prazo de validade de 30 anos no contrato a assinar com o vencedor da privatização?
A sustentabilidade do hub nacional tem de ser garantida pela própria competitividade do país, da capacidade que tem de se manter como um destino atractivo em termos de mobilidade aeroportuária. Estes contratos têm de ter prazos legais para cada uma das obrigações e 30 anos é um tempo que considero muito confortável.

Este prazo parece chocar com a ideia que o Governo passou de que o hub seria algo eterno...
Essa garantia não existia, passamos a tê-la por 30 anos. A maior garantia para a existência do hub é termos uma companhia de aviação que funciona como um centro operacional das ligações entre a Europa e África e entre a Europa e a América. E isso está muito bem garantido com a aceitação desta proposta.

Embora no papel Humberto Pedrosa tenha a maioria do capital do consórcio vencedor, é incontornável que o verdadeiro arquitecto desta operação é David Neeleman. Está convicto de que passarão no crivo da Comissão Europeia, que tem estado particularmente atenta a estas questões do controlo na aviação?
Aguardamos com muita tranquilidade as decisões para podermos fazer o fecho desta operação. O sr. Humberto Pedrosa é uma pessoa com serviços prestados à economia portuguesa muito relevantes e que durante as últimas décadas se tem afirmado no sector dos transportes como um grande empresário. É um factor muito positivo e indiscutível a sua presença neste consórcio.

Relativamente à expectativa de encaixe adicional com a venda da TAP, que ficou dependente de uma meta ambiciosa da administração da empresa (atingir um resultado operacional ajustado de 280 milhões em 2015), deve olhar-se para essa possibilidade com moderação?
Ao falar de 16 milhões de euros [o valor que está garantido com a venda de 61% do capital e a opção de compra de mais 34%], tenho colocado a expectativa de encaixe adicional num campo moderado. As razões fundamentais desta privatização não se prendem tanto com o encaixe financeiro, que sabíamos que não seria muito elevado, mas sobretudo pelo posicionamento estratégico, o plano de desenvolvimento e a capitalização da empresa.

Atingir esta meta estará seguramente muito dependente do plano de ajustamento que a administração da TAP deverá entregar na próxima semana. Tem repetido que o plano não conterá a palavra despedimentos, mas não é só uma questão de semântica, já que uma redução de rotas terá sempre de implicar ajustes ao nível dos recursos humanos?
A informação que temos é que o plano está a ser trabalhado numa óptica fundamentalmente de aliviar a tesouraria da empresa sem comprometer a estrutura humana que hoje serve a TAP. Não temos nenhuma informação que indicie que a via dos despedimentos é um ponto importante deste plano de reestruturação.

Esqueçamos a palavra despedimentos. Podemos estar a falar de rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas, cortes nas horas extraordinárias?
Não quero estar a especular. Não são despedimentos, de facto. Racionalizar as horas extraordinárias é o dever de qualquer empresa, não só da TAP. Ter uma adequada gestão de recursos humanos, no que isso implica de motivação, mas também de racionalidade, é seguramente uma prioridade para a TAP como para qualquer outra companhia que queira assegurar a sua competitividade. Este plano tem como objectivo responder às necessidades de tesouraria da TAP no curto e médio prazo. As directrizes estratégicas de desenvolvimento da companhia devem ser encontradas no seio da nova estrutura accionista.

Como é que se vai conseguir conciliar a necessidade de estabilidade laboral, até para atingir o resultado operacional estimado para este ano, com as ondas de choque que poderão surgir fruto deste plano de ajustamento?
É muito claro que o caderno de encargos foi beneficiado pelo facto de termos chegado a acordo com nove sindicatos, que infelizmente depois se reduziram para oito [com a desvinculação dos pilotos], em Dezembro. O contrato prevê claramente a impossibilidade de despedimentos colectivos e a manutenção dos actuais acordos de empresa. É uma garantia de estabilidade laboral que foi considerada muito importante pelos sindicatos e que é um activo muito importante para a gestão da TAP por parte dos novos accionistas.

Mas esse acordo não garante a paz social, porque os sindicatos que ficaram de fora têm força para paralisar a empresa e proibir despedimentos colectivos. Não é o mesmo que proibir outras formas de redimensionar a estrutura de pessoal, como as rescisões ou as reformas antecipadas...
Não creio que a paz social de uma empresa seja posta em causa por outros mecanismos de racionalização como aqueles de que fala. Esta ideia de que as coisas estão garantidas vale o que vale. No final, é muito importante que a garantia dos postos de trabalho seja conseguida através da sustentabilidade e do desenvolvimento da empresa. Não há nenhuma empresa que assegure postos de trabalho se não for sustentável.

Sobre o pedido que os candidatos fizeram para que fosse incluída no contrato uma cláusula que os indemnizasse em caso de anulação do negócio, não será isto um não-assunto, tendo em conta que o caderno de encargos já impedia que fosse pago qualquer montante até ao momento da transferência das acções?
Era um não-assunto que "virou" assunto devido às declarações bastante inflamadas e irresponsáveis do líder da oposição. Ele é que acenou com essa possibilidade, caso viesse a ganhar as próximas eleições.

Acredita que o PS irá realmente concretizar a ameaça de anular o negócio, caso chegue ao Governo?
Não acredito francamente que essa hipótese se venha a colocar. Qualquer força política responsável, quando perceber o detalhe da situação que vive a TAP e a importância desta privatização, vai concluir que a melhor forma de proteger o interesse nacional era executá-la nos termos em que foi executada.

Quanto tempo estimam que venha a demorar a avaliação dos reguladores?
Os reguladores têm de ser o seu tempo. Relativamente aos nacionais, suponho que as respostas serão relativamente rápidas. Sobre os europeus, é preferível respeitar os tempos e não viver com nenhum calendário definitivo.

Um dos reguladores que terão de se pronunciar é a Autoridade Nacional da Aviação Civil, cuja administração terminou o mandato em Novembro. Esta avaliação já será feita por uma nova equipa de gestão?
Não posso dar nenhuma garantia a esse respeito. A única coisa que posso dizer é que desde Março, altura em que foram aprovados todos os estatutos das entidades reguladoras, estamos a trabalhar no dossier das nomeações e espero que venham a acontecer em breve.

O fecho da operação poderá resvalar para 2016?
Espero que seja ainda em 2015. É para isso que estamos a trabalhar.

Há, ainda assim, muitas ameaças à concretização da operação. Além do PS, o candidato preterido, Germán Efromovich, está a planear avançar com uma queixa junto de Bruxelas para contestar a escolha do Governo.
Estamos de consciência completamente tranquila e até com um sentimento de missão cumprida. Há muitos anos que se tentava a privatização da TAP, finalmente este processo foi levado até ao fim, num registo de total transparência. Não temos absolutamente nada a temer. Não vivemos obcecados com timings, nem perco o sono com potenciais ameaças do ponto de vista judicial à venda da TAP.

O Ministério da Economia parece estar numa corrida contra o tempo. A poucos meses das eleições, lançou a privatização da TAP, da EMEF e da CP Carga e a subconcessão dos transportes de Lisboa. Por que ficou tudo para o fim?
A TAP tinha sido tentada em 2012, o processo não foi concluído, tivemos de perceber se existiam condições para que fosse bem-sucedido. Nas outras áreas, nomeadamente nos transportes de Lisboa e também do Porto, antes de subconcessionar a privados era fundamental fazer um trabalho de melhoria operacional. Teríamos de pagar muito se tivéssemos avançado há dois ou três anos. Primeiro fez sentido que o Estado fizesse o trabalho de casa nestas empresas.

Qual a importância do acordo que vai assinar esta segunda-feira em Luanda, que irá dar origem a um observatório para o investimento entre os dois países?
Estamos a dar os primeiros passos na concretização do observatório, que foi uma ideia lançada pelo Governo português quando ocorreu a minha primeira visita a Angola, há quase dois anos. A existência de um observatório com estas características tem uma enorme vantagem, que é dar visibilidade aos vários projectos de investimento que existem de empresários angolanos e portugueses em cada um dos países. Tanto Portugal como Angola precisam de investimento. Reunindo-se com regularidade, este observatório vai permitir refazer um ponto de situação concreto relativamente aos projectos de investimento que temos num e noutro país.

Há dificuldades por parte dos investidores angolanos em Portugal?
Há projectos de investimento, tanto num país como noutro, que beneficiam de serem acompanhados com uma agenda regular por parte do Ministério da Economia português e por parte do Ministério da Economia da República Popular de Angola.

E quais são as principais dificuldades com que se defrontam as empresas portuguesas quando querem investir em Angola?
Cada caso é um caso. Angola tem sido um bom mercado para as empresas portuguesas do ponto de vista comercial, embora este ano se esteja a registar uma queda. Foi uma queda significativa, mas, ainda assim, não colocou em causa o crescimento geral das exportações… Do ponto de vista dos investimentos, poderá haver um benefício para a execução dos projectos pelo facto de merecerem um acompanhamento político que não existia, de uma forma formalizada, até agora. Mas será preciso tempo, nós não esperamos nenhum tipo de milagre com a criação deste observatório.

Dificilmente as exportações voltarão ao pico que atingiram num passado recente e, com Angola a querer depender menos das importações em vários produtos, este observatório simboliza, de certa forma, a necessidade de algumas empresas apostarem na produção local?
Hoje creio que é mais evidente a importância da diversificação da economia angolana, e já há algum tempo que tem sido realçada a importância de muitas das empresas portuguesas que exportam de forma significativa para Angola poderem constituir bases produtivas, de bens ou serviços, em território angolano.

Mas muitas vezes é difícil investir em Angola. E, seja como for, haverá um período temporal entre a quebra das exportações e o eventual arranque de produção local, com impactos no empresariado mais exposto a este mercado...  
Se é importante para a economia angolana, como já foi para a portuguesa, diversificar as suas fontes de criação de riqueza, é igualmente importante para as empresas exportadoras diversificarem os seus mercados. As exportações portuguesas cresceram entre cinco ou sete por cento – ainda não tenho os dados dos serviços – no primeiro quadrimestre deste ano, ainda que, no caso de Angola, tenham recuado cerca de 25%. Isso significa que as empresas portuguesas estão a encontrar em outros mercados de crescimento uma compensação clara para esta fase, que eu espero que seja conjuntural, das exportações para Angola. Em qualquer caso, era já evidente há uns anos, embora agora possa ser mais óbvio, que muito do esforço exportador da economia portuguesa para a economia angolana deve ter como consequência a realização de investimento na própria nação angolana. Essa é a melhor forma de assegurar que o movimento comercial que as empresas têm em Angola é sustentável e competitivo.

A questão é que muitas vezes essa necessidade foi identificada, mas os empresários defrontaram-se com diversas dificuldades para a aplicar a estratégia no terreno.
Sim, é verdade, e isso só vem realçar a importância deste observatório.

Vai a Angola numa altura em que o processo de fusão entre o BPI e o BCP, promovido por Isabel dos Santos, volta a estar em cima da mesa, depois do Caixabank ter deixado cair a OPA sobre o BPI. Como vê esta iniciativa, tendo em conta que o maior accionista do BCP é a Sonangol, empresa estatal angolana?
Vejo não fazendo nenhum comentário sobre o mesmo, porque é uma matéria que diz respeito, fundamentalmente, aos accionistas das duas instituições, e que será apreciado, se for caso disso, pelas instituições regulatórias competentes.

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