Atirador de Charleston queria começar uma guerra racial

"Vocês violam as nossas mulheres e estão a tomar conta do país. Tenho que fazer isto", disse Dylann Roof ao grupo reunido a estudar a Bíblia. Apanhado na quinta-feira, já foi formalmente acusado dos crimes.

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Dylann Roof já foi formalmente acusado pela morte de nove pessoas Jason Miczek/Reuters
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Flores à porta da igreja metodista Emanuel AFP

Charleston, a cidade onde na quarta-feira nove pessoas negras foram mortas por um atirador branco, foi a capital da escravatura dos Estados Unidos. Também foi nesta cidade que o Acto de Secessão — que acabava com a união — teve a sua primeira assinatura, a da Carolina do Sul. Também foi aqui que foram trocados os primeiros tiros da guerra civil que se seguiu e opôs os estados esclavagistas do Sul ao Norte.

Quando entrou na Igreja Africana Episcopal Metodista Emanuel — também ela histórica, por albergar uma das mais antigas congregações da comunidade negra —, Dylann Roof queria começar uma nova guerra racial.

Roof, que é um adulto jovem, tem 21 anos, é um "segregacionista", contou à CNN Joey Meek, que recentemente dividiu uma casa com o atirador. "Penso que ele queria fazer uma coisa em grande, ele queria começar uma nova guerra racial", disse Meek, explicando que Roof planeou o ataque nos últimos seis meses. Apesar de ter toda esta informação, Meek não se lembrou de contar o que sabia à polícia.

Um segregacionista é um indivíduo que acredita que há pessoas inferiores que devem ser mantidas à parte e sem direitos básicos. Em muitos estados do Sul dos EUA, como a Carolina do Sul, as leis segregacionistas, proibidas pela Constituição federal, aplicavam-se e Charleston também esteve na linha da frente da luta da população negra pelos direitos civis, na década de 1960.

Tantas referências históricas parecem indicar que Dylann Roof — que vivia a cerca de duas horas de Charleston — planeou cuidadosamente o ataque. O interrogatório ao suspeito (foi capturado na quinta-feira e formalmente acusado nesta sexta-feira), vai esclarecer se agiu sozinho ou se tinha ligações a algum grupo de supremacia branca. Segundo a imprensa norte-americana, a actividade destes grupos está a ressurgir. Na sua conta no Facebook, Roof publicara recentemente uma fotografia sua com um blusão com duas bandeiras, uma da África do Sul do tempo do apartheid e outra da Rodésia, o país africano governado por um regime racista branco que já não existe, chama-se agora Zimbabwe e é governado pela maioria negra. A África do Sul do apartheid e a Rodésia são, para os grupos que apregoam a supremacia branca, exemplos do que os EUA deveriam ser.

Roof, anunciou a polícia, já admitiu ter assassinado nove das pessoas que estavam na Igreja Emanuel na quarta-feira à noite, numa sessão de estudo da Bíblia. Também disse que usou uma arma de calibre .45 que comprou, numa loja de armas em Charleston, com o dinheiro que a família lhe ofereceu quando fez 21 anos — antes, um tio do atirador tinha dito que a arma fora presente do pai de Dylann. A arma foi-lhe vendida apesar de, segundo a polícia, ter cadastro por ter sido detido duas vezes por posse de droga; quando foi preso, a 400 km do local do crime, tinha medicamentos normalmente prescritos a pessoas que estão a tratar uma adição a opiáceos.

Detalhes sobre o que aconteceu quando entrou na igreja começam a emergir. Uma das pessoas que lá estava enviou a uma amiga um pequeno filme da sessão de estudo da Bíblia — nele vê-se que Roof estava sentado à mesa com o grupo.

Ao entrar na sala, no segundo andar da Emanuel., o atirador pediu para falar com o reverendo, Clementa Pinckney (um dos mortos), que lhe deu as boas vindas. Discordou de algumas das interpretações das passagens bíblicas em análise e quando a discussão acabou, uma hora depois, levantou-se e anunciou que estava ali para "matar negros". Uma paroquiana pediu-lhe que não o fizesse. "Tem que ser. Vocês violam as nossas mulheres e estão a tomar conta do país. Tenho que fazer isto".

Disparou contra todos e matou nove pessoas entre os 27 e os 87 anos. Três sobreviveram, incluindo uma mulher poupada propositadamente. Todo este relato foi feito à CNN por Sylvia Johnson, prima do reverendo morto, que ouviu o testemunho da mulher sobre quem Dylann Roof não disparou. "A minha amiga viu o filho ser morto e atirou-se para o chão, ficou deitada sobre o sangue do filho", disse Johnson. "Ele perguntou-lhe se estava morta e quando ela disse que não ele respondeu 'Ainda bem, não te vou matar porque preciso que contes o que se passou". A sobrevivente também contou a Johnson que Roff anunciou que, a seguir, se suicidaria.

Nesta sexta-feira, dia em que Roof regressou à cidade onde matou nove pessoas dentro de uma igreja, a população continuava chocada e de luto. Alguns diziam aos jornalistas que a cidade tinha que se manter unida depois deste ataque, outros sublinhavam que o racismo existe e que a população negra continua a ser ameaçada, meio século depois da luta pelos direitos cívicos. Segundo as mais recentes estatísticas do FBI, em 2013 foram cometidos, em todos os Estados Unidos, 3407 crimes motivados pelo racismo.

Em Charleston perguntava-se o que irá agora acontecer. A governadora do estado, Nikki Haley, não respondeu às inquetações da população. Haley, que é republicana e branca (como a maioria da população local) ficou em lágrimas quando disse que Dylann Roof "partiu o coração e a alma da Carolina do Sul". Mas manteve no mastro do capitólio estadual (e totalmente erguida, não a meia-haste) a bandeira cor-de-laranja usada pelos estados esclavagistas (a Confederação) durante a guerra civil. 

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