O jogo mais perigoso

Inteligente, subtil, irónico, feito com genica e “bravura”, Mundo Jurássico consegue encontrar alguma frescura e resistir à tentação de ser só uma repetição tecnologicamente actualizada.

Foto
Eis um “relançamento” de uma série batida que consegue encontrar alguma frescura Universal Pictures and Amblin Entertainment

O primeiro Jurassic Park estreou em 1993. Passaram 22 anos, e neste interim viu-se todo o tipo de criaturas digitais grandes e ameaçadoras, de lagartos gigantes (como Godzilla) a macacos gigantes (como King Kong), sem esquecer os robôs gigantes (como os Transformers). O que põe um problema: que mais inventar?

E que mais inventar quando, ainda por cima, se trata de retomar a série fundadora de toda esta vaga? É aí, nesse problema e na solução para ele, que Mundo Jurássico (o filme ) e o Mundo Jurássico (a mistura de jardim zoológico e parque temático onde a acção se passa) se encontram: um super-dinossauro, totalmente fabricado em laboratório e sem antecedentes directos na natureza, uma espécie de best of dos dinossauros, concebido a partir da mescla do ADN de várias espécies. Com isto, o Mundo Jurássico no filme tem a sua nova grande atracção, e o Mundo Jurássico-filme tem a sua história: o super-dinossauro foge e, totalmente descontrolado, espalha caos e destruição por todo o lado.

Podemos adivinhar que a cabecinha de Spielberg (que foi produtor executivo deste filme, se não mesmo a sua alma mater) ainda faz alguma diferença. O filme é vivo, tem uma lógica de filme de perseguição, pleno de last minute rescues, e no meio de tanta criatura digital tem o jeito suficiente para ter personagens humanas interessantes – a química entre o par central (Chris Pratt e Bryce Dallas Howard) funciona bastante bem e traz uns pozinhos das aventuras de Indiana Jones. A violência é curiosa: há um número inusitado de seres humanos comidos por dinossauros, e a ameaça de isso acontecer a outros está sempre presente, numa muito razoável exploração de um clima de medo, por oposição a uma lógica narrativa baseada em sustos, frissons e efeitos de montagem.

De resto, um dos grandes cineastas do medo, Hitchcock, dir-se-ia directamente citado (Os Pássaros) na cena em que um bando de dinossauros alados abocanha e rapta um sem-número de incautos visitantes – cena que tem ainda o bónus simbólico de mostrar o “espectáculo” a voltar-se contra os “espectadores”, numa síntese da “moral” do filme: o “espectáculo” está fora de controlo e se não houver tino vai acabar por devorar toda a gente.

A intencionalidade deste “comentário” é reforçada pela presença dos militares no filme, que querem servir-se dos dinossauros como arma de guerra (“se tivéssemos disto em Tora Bora…”, suspira Vincent d’Onofrio a pensar em velociraptors e na guerra do Afeganistão pós-11 de Setembro). O Jurassic Park original veio daquela década “feliz” entre o fim da Guerra Fria e o início do estado de guerra interminável que temos agora, e Mundo Jurássico sabe em que pé está, mas com algum gozo o militarismo encontra o destino natural, literalmente comido pela sua desejada arma de guerra.

Inteligente, subtil, irónico, feito com genica e “bravura”, eis um “relançamento” de uma série batida que consegue encontrar alguma frescura e resistir à tentação de ser só uma repetição tecnologicamente actualizada.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários