Indústria do tomate diz que acordo com os EUA fará desaparecer metade do sector

Incapaz de competir em termos agrícolas com os Estados Unidos, os industriais antecipam perdas no negócio em toda a linha com a abolição das taxas alfandegárias, prevista no Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento.

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Produtos de tomate portugueses incapazes de competir com a economia de escala dos Estados Unidos JOHANNES EISELE/AFP

Se as taxas alfandegárias de 14,4% sobre os produtos de tomate desaparecerem, como está previsto no Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP na sigla inglesa) entre os Estados Unidos e a União Europeia, metade da indústria da UE também desaparece. O alerta é de Miguel Cambezes, secretário-geral da Associação dos Industriais do Tomate (AIT), que dramatiza, assim, as consequências do acordo de comércio para um dos sectores mais dinâmicos da agricultura nacional.

Portugal é o quarto exportador mundial de tomate de indústria, lidera no rendimento agrícola deste produto na UE e exporta 95% da produção. A AIT estima que, por cá, “a percentagem [de queda de negócio] possa ser ligeiramente inferior [aos 50% a nível europeu]”. Miguel Cambezes, que também é o representante da indústria para toda a Europa, antecipa ainda descidas não quantificadas no volume de negócios que, actualmente, ronda os 280 a 300 milhões de euros por ano.

A nona ronda negocial do TTIP deverá arrancar em Julho em Bruxelas e a intenção era ter o acordo assinado ainda este ano. Contudo, este cenário não deverá concretizar-se e as negociações só deverão terminar em finais de 2016. O primeiro estudo de impacto feito pela Comissão Europeia adiantava que o tratado será positivo para uma deprimida economia europeia, mas o aumento da produção de alimentos e bebidas será de apenas 0,9%. A expectativa de subida das exportações para os EUA é de 1,18%.

Portugal poderá ter vantagens no aumento das vendas de calçado ou têxteis e um crescimento do PIB em mil milhões de euros, mas o tomate é um caso à parte. Ainda assim, com a pressão que fez, a indústria conseguiu incluí-lo no chamado grupo de produtos sensíveis, o que significa que só será isento de taxas alfandegárias sete anos após a assinatura do tratado.

“Há sempre quem beneficie e quem seja prejudicado. Nós só teremos prejuízo. Ao nosso nível, além dos produtos de Denominação de Origem Protegida, no agro-alimentar, só a carne será tão prejudicado”, diz Miguel Cambezes. Competir com os EUA é uma missão impossível para os produtores europeus, que são apenas quatro (Portugal, Espanha, Itália e Grécia). “Entre 50 a 55% do custo de transformação é com a matéria-prima. O preço do tomate em Portugal é 80 euros por tonelada, a média europeia é 91 euros e na Califórnia [onde se concentra a produção nos EUA) é 67 euros. O segundo maior custo é com energia que, nos Estados Unidos, é 40% mais barata do que na Europa. Além disso, os EUA têm uma economia de escala sem paralelo”, detalha o secretário-geral da AIT.

A comparação com Portugal também coloca o assunto em perspectiva: de um lado, estão 220 produtores e 1,4 milhões de toneladas produzidas por ano . Do outro, estão 180 a 200 produtores e uma produção de 14 milhões de toneladas. Nos EUA há, ainda, melhor solo e investigação avançada. “Não há a mínima possibilidade de competirmos. Hoje, o único produtor que consegue exportar é a Itália com um tomate pelado da variedade San Marzano e porque nos EUA ainda não conseguiram replicar esta variedade e há uma grande comunidade imigrante”, afirma.

Conseguir maior competividade no lado agrícola passa por investimento em investigação e, por isso, a AIT (juntamente com o Ministério da Agricultura e a Confederação dos Agricultores de Portugal) avançou para a criação do Centro de Competências do Tomate que tem como missão aumentar a aumentar a produtividade agrícola em 10% e reduzir custos na mesma proporção. O aumento do tempo de campanha também é uma das metas. “Nas fábricas [de transformação] não há nada a melhorar em termos tecnológicos, mas na parte agrícola sim. Estamos a montar estes centros de competência nos países produtores europeus”, adianta Miguel Cambezes.

Segurança alimentar
Além da abolição das taxas, em cima da mesa está a harmonização legislativa. Na Europa, qualquer produto usado na produção (como pesticidas por exemplo) tem de ter prova científica de que é inócuo para a saúde. “Nos Estados Unidos, desde que não haja risco não é preciso fundamentar nem provar com estudos”, diz. E enquanto na UE se pagam taxas ambientais (como o tratamento de efluentes ou taxa de carbono), nos EUA não.

“Se vamos constituir um único mercado, vamos aplicar as regras que permitem uma melhor salvaguarda dos mercados. E as melhores práticas estão no lado da Europa”, defende o responsável, acrescentando que a negociação da harmonização regulatória “está ainda muito incipiente”. O receio da AIT é que os negociadores deixem os produtos agrícolas para último lugar na discussão que está a ocorrer e tenham, depois, de “aprovar um texto à pressa, feito em cima do joelho”.

A Comissão Europeia tem sublinhado que não está em causa uma mudança nas regras de segurança alimentar, garantindo que o TTIP não “implica o enfraquecimento de nenhum dos elevados parâmetros de segurança da UE”. “A forma como regulamos organismos geneticamente modificados e segurança alimentar não vai mudar”, garante Bruxelas, numa recente publicação sobre os “dez mitos” do tratado.

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