Ajuda tarda a chegar às zonas mais afectadas pelo sismo no Nepal

Já foram recuperados 6204 corpos, mas o balanço final poderá aproximar-se das 10.000 vítimas mortais. Entre os mortos há 12 cidadãos da UE, e cerca de mil continuam desaparecidos.

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A Cruz Vermelha em "90 por cento de casas destruídas" numa das regiões mais pobres do Nepal SAJJAD HUSSAIN/AFP

Além das imagens da destruição que chegam diariamente de Katmandu, provocada por um terramoto que fez pelo menos 6200 mortos, há uma tragédia mais lenta a acontecer longe dos olhares das câmaras de televisão e dos telemóveis. Poucos quilómetros a nordeste da capital nepalesa, numa das regiões mais pobres do país, os enviados da Cruz Vermelha encontraram um grau de destruição quase total, e dizem que a situação pode ser ainda pior em outras zonas.

"Uma das nossas equipas que regressou de Chautara, no distrito de Sindupalchowk, reportou que 90% das casas ficaram destruídas. O hospital colapsou e há pessoas a escavar com as mãos entre os destroços, na esperança de encontrarem familiares ainda vivos. É de admitir que a situação seja semelhante, ou ainda pior, em muitos outros sítios onde a ajuda ainda não chegou", disse Jagan Chapagain, responsável da Cruz Vermelha na região da Ásia-Pacífico.

Nas horas que se seguiram ao terramoto, no sábado passado, as estimativas apontavam para cerca de 3000 mortos, mas uma semana depois já foram encontrados 6204 corpos, e pelo menos 13.932 pessoas ficaram feridas. No entanto, as dificuldades de acesso a muitas regiões fora do Vale de Katmandu, e mais próximas do epicentro do sismo de magnitude 7,8 na escala de Richter, levam as organizações internacionais a colocarem o balanço final mais perto das 10.000 vítimas mortais – além das preocupações "com o bem-estar de centenas de milhares de pessoas afectadas" de uma forma ou de outra, avança a Cruz Vermelha em comunicado.

Só no distrito de Sindupalchowk – uma das regiões mais pobres de um dos países mais pobres do mundo –, as estimativas apontam para 40.000 casas destruídas. De acordo com os números mais recentes, relativos a 2011, o distrito de Sindupalchowk tinha 287.798 habitantes, dependentes quase exclusivamente da agricultura, e um único hospital, destruído pelo sismo de sábado passado.

Ajuda limitada
À destruição provocada por um terramoto de magnitude 7,8 num país com infra-estruturas muito débeis juntam-se as limitações no envio de ajuda pelas organizações internacionais, com os seus orçamentos limitados.

"Com tantas famílias a precisar de ajuda, a Cruz Vermelha do Nepal já quase esgotou as suas reservas, que são suficientes para 19.000 famílias. Todos os dias, os voluntários da Cruz Vermelha têm distribuído lonas em áreas afectadas, para abrigar milhares de pessoas que continuam com medo de regressar às suas casas por causa dos estragos e das réplicas", avança o comunicado da organização, que vai agora concentrar-se no envio de ajuda para zonas mais remotas.

"Sabemos quais são as necessidades, e os voluntários da Cruz Vermelha do Nepal estão prontos em todos os distritos para distribuírem ajuda. O desafio é fazer chegar ao país ajuda suficiente", disse Jagan Chapagain, numa referência às insuficientes condições oferecidas pelo aeroporto internacional de Katmandu para acomodar o elevado número de voos necessários.

Centenas de milhares de nepaleses precisam de abrigo, comida e água, mas também de receber cuidados de saúde – não só por causa dos ferimentos provocados por desabamentos, mas também devido ao aumento de casos de gripe e problemas respiratórios, principalmente entre as crianças e os idosos, alerta a Cruz Vermelha.

"Outra prioridade é abrir pontos para o fornecimento de água e melhorar as condições sanitárias em regiões onde muitos deslocados estão a acampar sem qualquer abrigo. Temos de estancar o risco de doenças onde famílias inteiras não têm acesso a água potável", disse o responsável da organização para a Ásia-Pacífico.

Outro dos vários problemas é a falta de condições nas morgues, o que levou as autoridades do país a ordenarem às forças de segurança que queimem os corpos assim que são retirados dos escombros, disse à agência Reuters Raman Lal, um dos elementos da força paramilitar indiana que está a trabalhar na região.

Mil europeus desaparecidos
O facto de o Nepal ser um destino turístico levou também a que muitos estrangeiros tivessem sido apanhados pelo terramoto do passado sábado. De acordo com o balanço mais recente, estão confirmados 12 mortos entre cidadãos da União Europeia (UE), mas cerca de mil continuam desaparecidos.

"Não sabemos onde estão, nem onde possam estar", disse aos jornalistas a chefe da delegação da UE no Nepal, Rensje Teerink. Numa conferência de imprensa realizada nesta sexta-feira, a mesma responsável disse que a maioria dos desaparecidos tinha marcado férias para as regiões de Langtang (no vale de Katmandu) e de Lukla (a cerca de 130 quilómetros a Leste da capital).

As Nações Unidas estimam que o terramoto de sábado tenha destruído ou danificado parcialmente 600.000 casas em todo o país, e o Governo nepalês disse que precisará de pelo menos 2000 milhões de dólares (cerca de 1,8 mil milhões de euros) para o processo de reconstrução.

"É apenas uma estimativa inicial, e vai demorar algum tempo até que seja possível avaliar a dimensão dos estragos e calcular o custo da reconstrução", disse à agência Reuters o ministro das Finanças do Nepal, Ram Sharan Mahat.

O Governo do país está a ser acusado de não fazer o suficiente para tratar os feridos, apoiar os sobreviventes e recuperar os corpos, mas a escala da devastação pode explicar parte das dificuldades.

O terramoto é comparado ao de 1934, com epicentro a Leste de Katmandu, mas que afectou principalmente o estado indiano de Bihar. Nesse ano, no dia 15 de Janeiro, um sismo de magnitude 8,0 na escala de Richter fez entre 10.000 e 12.000 mortos, a maioria em território indiano.

Apesar de ter sido mais intenso do que o registado no sábado, o terramoto de 1934 ocorreu numa época em que a região do Vale de Katmandu era habitada por menos pessoas.

"Será uma escala de reconstrução sem precedentes. Ainda nem sequer conseguimos avaliar os estragos provocados em áreas remotas, que foram completamente devastadas", disse o porta-voz do Ministério do Interior, Laxmi Prasad Dhakal.

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