Sebastião fotografa tudo

Um “super-filme publicitário”, um filme que existe para promover, mais do que propriamente para analisar ou estudar, a obra fotográfica de Salgado.

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O Sal da Terra começa com a voz de Wim Wenders, em off, a comentar uma fotografia de Sebastião Salgado, a sua admiração por ele, e como não podia deixar de aceitar o convite de Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotógrafo, para o ajudar na concretização do filme que preparava sobre o pai.

Com esta modéstia e esta franqueza que parecem bastante honestas, Wenders apresenta-se no seu duplo papel de “caucionador” e “prestador de serviços”, “realizador convidado” para uma festa que não é bem a sua, antes a dos Salgado pai e filho. E por certo, para além de um momento ou outro (as brincadeiras com os reflexos entre o olhar da câmara de cinema e o olhar da câmara do fotógrafo) e da sua velha predilecção pelo preto e branco, nada há em O Sal da Terra que lembre especialmente Wenders, ou pelo menos aquele Wenders que antes de ter deixado a modorra instalar-se no seu cinema, ficção ou documentário, assinou no género documental um dos seus melhores filmes, o brilhantíssimo Tokyo-Ga, perseguindo o rasto de Ozu na Tóquio dos anos 80.
O que há é assim uma espécie de “super-filme publicitário”, um filme que existe para promover, mais do que propriamente para analisar ou estudar, a obra fotográfica de Salgado e outras suas actividades paralelas (o “Instituto da Terra”, com direito a “logo” e tudo como num reclamo), e para registar as suas impressões, biográficas e profissionais, captadas normalmente em discurso directo e em depoimento preparado para a câmara. As muitas fotografias mostradas – em vários momentos O Sal da Terra funciona como um portfólio filmado – são comentadas menos na sua natureza (ou artificialidade) fotográfica e mais no contexto histórico, social e biográfico em que Salgado as fez. É certamente um trabalho limpo, e a bem dizer “fotogénico”, mas a sua falta de vontade de operar uma abordagem analítica com um mínimo de profundidade, e o convencionalismo da sua factura, que corta o potencial romanesco do “relato de viagens”, deixam, por paradoxal que seja num filme que se chama “Sal” e é sobre um Salgado, um travo algo insosso. Cumprirá, por certo muito bem, a sua missão junto dos admiradores do fotógrafo. Mas não trará nada de muito especial aos não-convertidos, nem provavelmente os converterá.

 

 

 

 

 

 

 

 

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