A chata borralheira

Uma versão em imagem real do velho conto de fadas que enche muito o olho mas não consegue mostrar alma nenhuma.

Foto

Ainda é possível, hoje, filmar um conto de fadas tradicional como se Hollywood não tivesse mudado ao longo das décadas?

E, mais ainda, é possível filmar um conto de fadas tradicional em imagem real sem perder a noção de magia e de maravilha que as animações clássicas (da Disney, ainda por cima) invocavam sem esforço? Admire-se (ou admita-se?), vá lá, a vontade de regressar a uma inocência arregalada, sem cinismos nem pós-modernismos, com que Kenneth Branagh filma Cinderela, numa produção da Disney que praticamente refaz em imagem real a popular animação de 1950 do estúdio. Mas a resposta é, infelizmente, negativa. Esta Cinderela está mais próxima da madrasta a que Cate Blanchett dá corpo (mas não alma, até porque o filme não lho permite): é um filme deslumbrado pela opulência ostensiva e luxuosa que um grande orçamento permite (gloriosos cenários de Dante Ferretti e figurinos de Sandy Powell).

Maléfica

, a revisão da Bela Adormecida dirigida por Robert Stromberg em 2014, não era melhor filme, mas tinha a vantagem de ter uma Angelina Jolie em grande forma a emprestar corpo à personagem da Bruxa Má; Branagh, surpreendentemente para alguém que vem do teatro (e justamente aclamado pelas suas interpretações de Shakespeare!) não consegue sequer dar espessura a esta maquinal e programada sucessão de “figuras obrigatórias”, fica-se sempre pela superfície — tanto mais decepcionante quanto a história da Gata Borralheira é precisamente sobre o engano das fachadas. Objecto puramente funcional pensado para “rendibilizar a propriedade intelectual” da Disney, 

Cinderela

 enche muito o olho (e há que dizer que não o enche mal), mas não consegue nunca criar a vibração emocional que a história exige — excepto nos brevíssimos momentos em que Helena Bonham-Carter aparece a fazer de Fada Madrinha meio despassarada e Derek Jacobi alardeia a sua classe no papel do rei moribundo. Já vimos Branagh a fazer muito melhor — mas também é verdade que já foi há muito tempo.

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