“Cigano do ano” é mediador em Beja mas sobrevive com subsídio de desemprego

A legislação laboral ainda não enquadra este tipo de função e, como as autarquias estão impedidas de admitir funcionários, o serviço que presta não tem salário atribuído.

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António Carrapato

Prudêncio Canhoto é mediador municipal em Beja desde 2009 e presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC). Foi premiado em Janeiro pela Associação Letras Nómadas como o “Cigano do ano” pelo trabalho que tem desempenhado na integração da comunidade de que faz parte. No entanto, sobrevive com o subsídio de desemprego já que não lhe foi atribuído salário.

O alcance do trabalho que presta foi realçado pela Câmara de Beja ao reconhecer no desempenho de Prudêncio Canhoto “seriedade, rigor e dedicação” na solução de problemas muito sensíveis não só a nível local mas também no plano nacional.

No entanto, todos estes predicados ainda não mereceram a atribuição de um salário pelo serviço que presta às comunidades cigana e não cigana que “é de enorme importância”, esclarece Anselmo Prudêncio, técnico no Núcleo Distrital de Beja da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAP), sublinhando que o seu homónimo cigano lhe garante o acesso às famílias ciganas que, de outra forma, lhe estaria vedado.

De todo o país recebe apelos e pedidos de ajuda para superar problemas delicados associados ao relacionamento entre comunidades. “O Prudêncio tem de ser prudente”, brinca o mediador de Beja, para explicar o que acabara de dizer. “Tenho de tratar as coisas com pinças”, salienta. No seu caso, a ameaça de ser acusado de “traidor” à sua comunidade está à distância de um passo mal dado ou de uma palavra a mais ou a menos. Mas não desiste até porque enfrenta tarefas que só ele pode desempenhar.

Num contexto destes, onde está patente uma grande sensibilidade social, a segurança da família tem de ser acautelada. A todo o momento pode surgir um mal-entendido, um boato. O sentido da honra é extremamente exigente na comunidade cigana. E há regras e princípios que não podem ser desvalorizados. Gerir esta realidade e ao mesmo tempo satisfazer as exigências da comunidade não cigana e os seus propósitos integracionistas que por vezes não aceita ou não entende as idiossincrasias do cigano é um autêntico nó górdio.

A prová-lo está o encontro que o “Cigano do Ano” manteve com o PÚBLICO. O seu telemóvel tocava com uma frequência que não facilitava o diálogo. “Este era de Elvas”, mas também chegaram do Porto, de Pias/Serpa, Setúbal… “São 24 horas por dia de serviço”, assinala. Até nas idas ao supermercado, quando vai fazer as compras, é abordado por famílias ciganas que lhe apresentam os seus problemas mesmo ao fim-de-semana.

“Sou mediador do país todo e os que resistem têm vontade de desistir”, observa Prudêncio, lembrando que há pessoas da sua comunidade que o classificam como o “cigano mais parvo por ganhar pouco e receber ameaças”, lamenta-se.  

O mediador que merecia um subsídio de risco aufere, para assegurar a subsistência da família, pouco mais de 400 euros do subsídio de desemprego. A isto acrescem 100 euros do subsídio de alimentação e seguro que lhe são pagos pela Câmara de Beja.

O problema é que a atribuição do subsídio de desemprego termina em Maio. "Depois vou receber o subsídio [de reinserção] social”, refere Prudêncio Canhoto ou seja, o “ordenado” vai sofrer um corte.

A maneira como estão a ser tratados os mediadores ciganos tem consequências: “Dos cinco que havia em Beja só resto eu”, revela o presidente da AMEC, dando conta que em todo o país há 22 pessoas na função, mas o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) tem como meta atingir os 80 até 2020.

O vereador da Câmara de Beja, Vítor Picado explica que só as autarquias em equilíbrio financeiro podem contratar pessoal, o que não é o caso de Beja. Além disso, a lei estabelece que, após o fim do subsídio de desemprego, o trabalhador terá ficar três meses sem poder prosseguir o serviço que prestava - no caso de mediador na autarquia - até lhe ser atribuído o subsídio de reinserção. “Estamos a procurar encontrar uma solução antes mesmo de ele perder o direito ao subsídio de desemprego”. A solução que preconiza passa por uma parceria entre a autarquia, a União das Freguesias de Salvador e de Santa Maria da Feira e o Centro Social, Cultural e Recreativo do Bairro da Esperança, para que possa auferir um vencimento “condigno” assume o autarca.

O PÚBLICO continua a guardar pelos esclarecimentos solicitados ao ACM - entidade que forma os mediadores ciganos - sobre a situação de Prudêncio Canhoto, mas até ao fecho destaedição não nos foi dada qualquer explicação.

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